
Os resultados foram apresentados durante o Festival do Lobo, em outubro, e mostram que a proximidade dos animais com o público não interfere em seus comportamentos naturais. Mesmo transitando por áreas de visitação, os lobos mantêm sua independência e utilizam, preferencialmente, zonas preservadas da reserva para se alimentar e descansar.
Atualmente, dois casais de lobos-guarás vivem no Santuário do Caraça. O primeiro é formado por Sampaia, de 8 anos, e Zico, de 6, que habitam a área central do Santuário. Já o segundo casal, Petrina, de 3 anos, e Lourenço, de 5, ocupa uma região mais afastada conhecida como “baixada caracense”. Apesar de viverem dentro da mesma RPPN, as áreas de vida não se sobrepõem, respeitando o comportamento territorialista típico da espécie.
Para Bernardo Borba, coordenador ambiental do Santuário, o estudo reforça o papel do Caraça na conservação da fauna nativa. “O ambiente protegido que o Caraça oferece garante não apenas a segurança dos lobos, mas também ambientes propícios para eles se alimentarem, se reproduzirem e coexistirem com o turismo”, disse.
O monitoramento dos lobos é feito com o uso de colares GPS e câmeras trap instaladas em diferentes pontos da reserva. O acompanhamento permitiu mapear detalhadamente as áreas de vida dos animais. Em 430 dias de observação, Sampaia circulou por uma média de 106,21 km², enquanto Zico atingiu 161,67 km². Em estágios iniciais de monitoramento, Petrina percorreu 32,61 km² em 54 dias e Lourenço apresentou uma área de 26,24 km² em 219 dias. Segundo os pesquisadores, esses números estão dentro dos padrões normais da espécie, que costuma circular entre 40 e 123 km² em ambiente selvagem.
As interações com humanos também foram analisadas. Sampaia se destacou como a loba mais à vontade entre os visitantes, permanecendo por mais tempo no adro da igreja sem sinais de desconforto. Ainda assim, os pesquisadores observaram que o tempo gasto pelos lobos próximos às pessoas é curto, demonstrando que não há dependência do contato humano.
Em horários opostos aos das visitas, entre o pôr do sol e o amanhecer, os lobos costumam usar as trilhas turísticas da reserva, o que evidencia uma coexistência pacífica e organizada. O tradicional ritual noturno conhecido como “Hora do Lobo”, em que visitantes aguardam a aparição dos animais, também forneceu informações importantes: os lobos utilizam o espaço de forma livre e buscam áreas mais tranquilas sempre que necessário. Exames laboratoriais mostraram que os níveis de estresse permanecem baixos, indicando que a presença humana, sob condições controladas, não afeta o bem-estar dos animais.
Os pesquisadores também destacam as diferenças entre os dois casais monitorados. Petrina e Lourenço, cujos acompanhamentos começaram em março de 2025 e novembro de 2024, respectivamente, permanecem em áreas mais afastadas e transitam entre trechos de reserva, pastagens e regiões de mineração, sem registros de aproximação da igreja até o momento.
O projeto é uma parceria entre a RPPN Caraça, o Instituto Pró-Carnívoros e o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação dos Mamíferos Carnívoros (CENAP/ICMBio). Segundo Rogério Cunha, coordenador do CENAP/ICMBio, o comportamento observado confirma o perfil territorialista da espécie. “Os lobos são extremamente territorialistas, e isso explica por que os casais mantêm áreas de vida distintas sem competir pelo espaço”, pontuou.
As análises também indicam que cada lobo percorre, em média, 15 quilômetros por dia, preferindo áreas naturais da reserva para descanso e alimentação. De acordo com o estudo, a presença humana no adro da igreja não interfere nos padrões de ocupação dos lobos, desde que o ambiente se mantenha silencioso e respeitoso.