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Estado de Minas ESPECIAL NOVO CORONAVÍRUS

Crianças podem sofrer estresse tóxico devido à pandemia

Pediatra diz que pais devem priorizar atenção aos filhos e estar atentos a sintomas de ansiedade e depressão


postado em 23/04/2020 01:09 / atualizado em 23/04/2020 14:40

Agressividade, desobediência, isolamento, distúrbios de sono, alteração de apetite e falta de ar são alguns dos sintomas que crianças com estresse tóxico podem apresentar, de acordo com a doutora em neuropediatria Liubiana Arantes de Araújo(foto: Pixabay)
Agressividade, desobediência, isolamento, distúrbios de sono, alteração de apetite e falta de ar são alguns dos sintomas que crianças com estresse tóxico podem apresentar, de acordo com a doutora em neuropediatria Liubiana Arantes de Araújo (foto: Pixabay)
A Covid-19 é especialmente grave para idosos e pessoas com determinadas comorbidades, mas a pandemia transformou a vida de todos. Mesmo sendo o grupo com menor chance de complicações relacionadas à doença, as crianças também têm sofrido com as consequências sociais do novo coronavírus, com o isolamento em casa, falta de convívio com colegas e escola, mudança repentina da rotina, afastamento de familiares e amigos queridos e restrição de espaço para brincar, correr, tomar sol - fora a tensão geral relativa às incertezas do momento.

A doutora em neuropediatria Liubiana Arantes de Araújo:
A doutora em neuropediatria Liubiana Arantes de Araújo: "O isolamento social repentino e drástico pode ter consequências graves, caso os cuidadores não deem a devida atenção e ajudem os filhos a passar pelo processo" (foto: Arquivo pessoal)
Conversamos com a doutora em neuropediatria Liubiana Arantes de Araújo, presidente do departamento científico de desenvolvimento e comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria, segundo quem as crianças têm apresentado sintomas de estresse tóxico (aquele que é contínuo ou muito elevado e que supera a capacidade da pessoa de lidar com essa adversidade) no confinamento. Algumas das alterações indicadas pelos pais são agressividade, desobediência, isolamento, distúrbios de sono, alteração de apetite, falta de ar. A pediatra está conduzindo uma pesquisa, no momento, para se aprofundar nesse aspecto da pandemia. "O isolamento social repentino e drástico pode ter consequências graves, caso os cuidadores não deem a devida atenção e ajudem os filhos a passar pelo processo", explica. "Se a família não tiver olhar cuidadoso para essas crianças, vamos ter consequências irreversíveis nessa geração". Confira:

Qual o impacto do isolamento social nas crianças?

A pandemia causou mudança muito abrupta e acentuada para todas as famílias, ninguém teve tempo de se organizar para lidar com situação tão adversa. Acumulamos atividades dentro de casa, o cuidado em período integral, home office, sem poder contar com rede de apoio, além da preocupação com questões financeiras, familiares. Isso gera elevação do estresse nos pais, e quando eles estão estressados, isso abala diretamente as crianças. Temos visto sintomas de estresse tóxico, que é quando se vivencia um estresse contínuo ou muito elevado, que supera sua capacidade de lidar com essa adversidade. A criança não tem estratégias para superar isso, pela própria imaturidade neurológica. Então, se família não tiver olhar cuidadoso para essas crianças, vamos ter consequências irreversíveis. Isso porque o estresse tóxico faz perder conexões cerebrais, o que pode acarretar, no futuro, aumento de transtornos, depressão, mas também aumento de alcoolismo, drogas ilícitas, redução da capacidade cognitiva.

Quais são os sintomas do estresse tóxico?

Podem ser tanto sintomas externalizantes, como agressividade, desobediência, grito, choro irritado, nervosismo, quanto sintomas internalizantes, como isolamento, ficar sem querer conversar, chorando muito, diminuindo interação, além de distúrbio do sono, alteração do apetite, dores inespecíficas, falta de ar. Pacientes de diferentes idades estão tendo sintomas.

O que se pode fazer para diminuir esse impacto nos filhos?

Temos que entender que todo mundo está mais preocupado do que o habitual, mesmo. Mas temos que controlar o quanto isso vai impactar a vida no dia a dia. A primeira dica é organizar a rotina dos adultos (horários de trabalho, se possível intercalando os expedientes dos adultos, reserva de ambientes para o home office, etc). Depois organize a agenda dos filhos, afinal, ninguém está de férias. Tenha horário das atividade escolares online, horário para acessar a telas, evitando ao máximo o excesso desse uso. Reserve momentos divertidos e prazerosos de brincar junto, momentos de atividade física e tarefas de casa, tente colocar a criança perto de um lugar onde bate sol e tenha espaço para que ela possa dialogar sobre angústias e sentimentos. Proporcione encontros virtuais com familiares e amigos. E, sobretudo, não a deixe ver matérias de TV sobre a pandemia - estas foram feitas para adultos.

A senhora diz que é importante conversar com as crianças, desde pequenas, sobre o que está acontecendo. Elas não ficarão mais ansiosas assim?

Elas estão percebendo que há algo acontecendo, então o melhor é conversar. Desde pequeno a gente pode falar, mas com linguagem mais simples: "tem um bichinho que faz dodói e temos que ficar em casa". É preciso explicar com linguagem clara, mas também falar que vai passar, que daqui a pouco vamos poder brincar lá fora, encontrar os avós. E também enfatizar que é por isso que temos que lavar sempre as mãos - e, no caso dos maiores de 2 anos, usar máscara. Tem de haver equilíbrio: explicar que em casa pode tocar nas coisas, nas pessoas, etc. E que lá fora é preciso mais cuidado. Temos que passar uma forma de lidar mais leve.

O que os pais devem fazer caso identifiquem sintomas de que algo não vai bem, emocionalmente, com os filhos?

Comportamentos diferentes dos habituais são sinais de que o filho está precisando ser mais escutado, mais acolhido. Podemos conversar, dizer que é ruim mesmo ficar sem ir à pracinha, sem encontrar com o vovô. Mostrar que o sentimento dele é real e lhe ajudar a nomear esses sentimentos. Não se deve deixar de fazer consultas pediátricas, que podem ser feitas de maneira remota e, se os sintomas forem de estresse tóxico, é importante procurar atendimento com psicólogo infantil, também de forma remota.

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