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Estado de Minas TEATRO | PERFIL

"O teatro está dentro de mim"

Em entrevista exclusiva, atriz Wilma Henriques - a grande dama do teatro mineiro - fala sobre sua carreira, futuro das artes cênicas e revela novos planos


postado em 20/02/2014 17:46 / atualizado em 21/02/2014 17:52

Dedicação, talento e simpatia são palavras que podem facilmente descrever a atriz Wilma Henriques. São 83 anos de idade recém completados, e, em setembro de 2014, 55 deles dedicados à arte cênica. Carreira que rendeu à artista inúmeros prêmios e o carinhoso título de primeira dama do teatro mineiro. Em seu apartamento, no bairro Floresta, região leste da capital, ela recebeu a Encontro e abriu o coração para falar sobre sua carreira e, claro, sobre sua maior paixão: o teatro.

Nascida em Conselheiro Lafaiete, região do Alto Paraopeba, em Minas, deixou sua cidade natal aos dois anos de idade e se mudou juntamente com os pais para a capital mineira. Saudosista, Wilma Henriques lembra com carinho seu tempo de infância na "cidade grande": "Belo Horizonte era mais charmosa, mais arborizada e as praças eram repletas de flores".

A vontade de ser artista surgiu quando foi, pela primeira vez, ao tradicional Cine Brasil (hoje Cine Theatro Brasil), no cruzamento das avenidas Afonso Pena e Amazonas. Wilma não lembra qual era o filme, mas os atores em cena despertaram seu desejo de trabalhar com as artes cênicas.

Um tempo depois, veio a ter seu primeiro contato com o teatro, ainda quando estudava no Colégio Santa Maria. As datas cívicas e religiosas na instituição sempre eram comemoradas com apresentações teatrais, e, em uma delas, chegou a interpretar a heroína francesa Joana d’Arc. "Foi a primeira vez que subi no palco", lembra Wilma.

O pai, que faleceu quando ela tinha apenas 14 anos, certamente teria mudado seu destino. Segundo a atriz, de forma alguma ele permitiria que ela seguisse a carreira artística – nessa época, década de 1940, a profissão de atriz não era bem vista. O restante da família também não aceitava que Wilma se tornasse artista. "Todo mundo achava um absurdo, mas nunca dei a menor importância para isso. Afinal, não estava fazendo nada de errado, era a profissão que eu havia escolhido", comenta a atriz.

Antes de entrar em definitivo para o mundo das artes, Wilma teve que trabalhar em outras profissões para poder ajudar sua mãe. Foi secretária, datilógrafa e funcionária do Serviço Social da Indústria de Minas Gerais (Sesi-MG). Em 1959, a convite de uma amiga, conheceu um dos diretores da extinta TV Itacolomi. Neste momento, teria início, de fato, sua carreira artística. Apresentando o programa Espelho, direcionado para o público feminino, o desempenho de Wilma agradou ao diretor da emissora, que a convidou para fazer parte de seu grupo de teatro. Daí em diante, a carreira decolou e a atriz não parou mais.

Reconhecimento

Em pouco tempo veio o reconhecimento pelo talento mostrado nos palcos. Wilma Henriques foi eleita a melhor atriz de Minas Gerais por oito vezes: 1961, 62, 64, 69, 73, 75, 76, e 94. Além disso, recebeu a Medalha da Inconfidência, a Comenda do Mérito Artístico da Fundação Clóvis Salgado e a Medalha Santos Dumont, que ajudaram a consagrar seus quase 55 anos de carreira. A atriz atribui o sucesso ao amor pelo teatro: "Não escolhi a profissão por curiosidade, nem buscando fama e muito menos dinheiro. Por isso, minha carreira foi abençoada".

Wilma atuou ao lado de grandes nomes do teatro, como Eid Ribeiro, Haydee Bitencourt, Arnaldo Brandão e Paulo César Bicalho. Dentre as inúmeras peças de sua carreira, muitas delas como protagonista, destaque para Há Vagas Pra Moças de Fino Trato, Prostituta Respeitosa, Dona Beija e  Velório à Brasileira. Ela também atuou no cinema, participando de produções como O Menino e o Vento e o curta A Mulher Que Sabia Demais. Mais recentemente, Wilma protagonizou a peça A Dama Desnuda, que conta a história de sua própria vida. "Seria uma injustiça eleger a atuação que mais me marcou. Todas foram igualmente importantes", constata a atriz.

Sobre as comparações com o passado, Wilma Henriques associa o teatro ao próprio mundo, que está em constante transformação. O artista precisa, então, acompanhar essas mudanças, para estar sempre em sintonia com a plateia. Sobre a influência da tecnologia no ato de atuar, a atriz se mostra otimista em relação ao futuro das artes cênicas: "O teatro nunca vai morrer. O contato do artista com o público é único, portanto, insubstituível".

O mercado 

Wilma Henriques como Dona Maria, na peça As Mulheres se Odeiam (1998, Teatro Francisco Nunes)(foto: Reprodução/Cláudio Cunha)
Wilma Henriques como Dona Maria, na peça As Mulheres se Odeiam (1998, Teatro Francisco Nunes) (foto: Reprodução/Cláudio Cunha)


A história de Wilma se confunde com a do próprio teatro mineiro. Para ela, o mercado de arte está mais diversificado e "em boas mãos" (neste caso, os jovens talentos). A atriz não poupa elogios à nova geração de atores, diretores e produtores, mas ressalta que ainda é necessária a criação de novos espaços públicos. "Isso faz com que haja redução no custo de produção e, ainda mais importante, estimule o crescimento do setor", completa.

Sobre a Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, projeto do Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais (Sinparc) que está em sua 40ª edição este ano, a atriz considera uma ajuda, principalmente por promover um grande número de espetáculos ao mesmo tempo, porém critica a política cultural adotada pela capital mineira, a qual ela define como "acanhada".

Além da necessidade de atuação mais efetiva do setor público em prol do teatro, Wilma Henriques aponta o preconceito em relação à profissão de artista como um sério problema, que somente será eliminado se houver investimento em educação: "Precisamos de uma política cultural mais agressiva, consistente e substancial. A formação de novos artistas e de público para os teatros deve começar nas escolas".

Alguém ainda tem dúvida de que Wilma está fazendo sua parte para manter viva a chama das artes cênicas? Ao fim da conversa, a atriz revelou que tem planos para ministrar, ainda este ano, um curso de teatro em sua própria casa. Quando questionada se isso significava uma aposentadoria dos palcos, ela foi taxativa: "Só vou deixar o teatro quando eu morrer". Vida longa à primeira dama do teatro mineiro!

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