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Estado de Minas CULTURA

O mundo lembra com saudade de Paco de Lucía

O maior guitarrista de flamenco do século, que faleceu em fevereiro deste ano, ganha diversas ações em sua memória, em diversos países, e será lembrado também em BH, em junho, no La Taberna


postado em 07/05/2014 12:34 / atualizado em 07/05/2014 14:42

Na manhã do dia 26 de fevereiro de 2014 um silêncio estranho pairava nas ruas da cidade portuária de Algeciras, na região autônoma de Andaluzia, sul da Espanha. Os acordes de flamenco de seu filho mais pródigo não mais eram ouvidos: Francisco Sánchez Gomes, que ficou conhecido pelo nome artístico de Paco de Lucía, havia falecido em Cancún, no México. “Uma perda irreparável para o mundo da cultura, para a Andaluzia”, diz José Ignario Landaluce, prefeito de Algeciras. Para lembrar o grande artista flamenco, Belo Horizonte se inclui nas homenagens internacionais que estão sendo feita em sua memória, e terá um espetáculo de dança baseado em seu último disco, póstumo.

Com uma carreira precoce, iniciada aos 12 anos, em 1959, como integrante do grupo los Chiquititos, Paco de Lucía é, reconhecidamente, o maior nome da guitarra flamenca nos últimos tempos. Esse ritmo, que na verdade é sinônimo do estilo de vida e da cultura da região autônoma de Andaluzia, é bem característico, por sua velocidade e pelo compasso bem marcado. Entre suas categorias, as mais conhecidas são soleá, tientos e jondo. Esta, aliás, representa o estilo antigo e tradicional do flamenco, e ficou mundialmente conhecida através do dedilhar de Paco. O músico espanhol ainda inovou, misturando diferentes ritmos ao jondo, como jazz e rock.

“Eu tocava com músicos de outros ritmos para aprender, já que não tenho formação musical, nem sei ler partituras. Isso abriu muitos caminhos em minha vida”, conta Paco de Lucía, em entrevista ao programa Metrópolis, da TV Cultura de São Paulo, em 1990, quando veio ao país em turnê. A relação do espanhol com o Brasil também passa por Belo Horizonte. Apesar de ter feito pouquíssimos shows na capital mineira, ele tinha um importante elo por aqui, um pedacinho de Andaluzia na forma de restaurante: o La taberna.

A rua Sergipe, na Savassi, marcou os anos 1980 no Brasil, por ser o maior polo de difusão da cultura flamenca no país. Isso, graças ao artista plástico Carlos Carretero, que veio da cidade espanhola de Granada, na mesma região em que nascera Paco de Lucía, para comandar o restaurante La Taberna. Junto com sua esposa, Fátima Carretero, bailarina e dançarina de flamenco, serviam de porto-seguro para o grande violonista, quando ele vinha ao país em suas turnês.

“O único lugar em que se tocava alguma coisa, e se falava em Paco de Lucía, era no La Taberna. Naquela época, os brasileiros não sabiam quase nada de flamenco. Depois é que se criou um furor em torno do artista, e o mundo todo se ajoelhou aos pés do grande guitarrista”, conta Fátima Carretero. Uma história curiosa marcou o primeiro encontro do músico com o restaurante espanhol de BH. Em 1986, Paco faria dois shows na capital, no Minascentro, mas não houve procura pelo público miniero. “O La Taberna ajudou a vender os ingressos. Como éramos a segunda casa no país em que se escutava música flamenca, ajudamos na produção do show”, diz a dançarina. A partir daí, toda vez que o guitarrista vinha ao país, convidava os amigos e proprietários do restaurante, para as apresentações, onde quer que fossem.

A bailarina Fátima Carretero prepara uma dança especial para homenagear Paco(foto: Samuel Gê/Encontro)
A bailarina Fátima Carretero prepara uma dança especial para homenagear Paco (foto: Samuel Gê/Encontro)


Carreira

Com um som inconfundível, Paco de Lucía tocou junto com grandes nomes da música internacional, como os guitarristas Al di Meola, John Mclaughlin e Larry Coryell, e com o cantor americano Bryan Adams, na música Have You Ever Really Loved a Woman, tema do filme Don Juan DeMarco, de 1995. Porém, sua parceria mais marcante foi com o cantor espanhol de flamenco, Camarón de la Isla, que se tornou um grande amigo de Paco – ele chegou a cancelar seus shows em 1992, quando Camarón faleceu . No Brasil, gravou com Djavan a célebre composição Oceano.

Apesar de toda a sua virtuose, Paco de Lucía nunca estudou música, e sequer sabia ler uma partitura. Questionado sobre como conseguia compor, respondeu: “Quando tenho uma ideia, começo a gravá-la, a desenvolvê-la e termino por colocá-la no disco. Antes eu acreditava que a noite podia me inspirar a compor, mas era mentira. De manhã, quando ouvia o que tinha criado, percebia que não servia para nada. Bonita era a noite, e não a minha música. Então, creio que o melhor é levantar cedo e pegar a guitarra  e começar a trabalhar”, diz, na entrevista concedida ao programa da TV Cultura, em 1990.

Ainda sem conseguir explicar a falta que o músico faz em sua vida, Carlos Carretero, que conheceu Paco na década de 1960, quando serviram juntos no exército espanhol, lembra do último momento em que esteve com o guitarrista, em novembro de 2013, no Rio de Janeiro. “Ele era um gênio, e como tal, fez coisas que ninguém poderia imaginar. É difícil pensar o mundo da música sem ele”, diz. Quem também esteve com o artista espanhol nesse último show no Brasil foi a esposa de Carlos, Fátima Carretero. “Quando vi o Paco, percebi que não estava bem. Ele me deu um abraço apertado, e me chamou de ‘reina’ (rainha)”, lembra, emocionada.

O pintor Carlos Carretero conhecia Paco de Lucía desde jovem, e vai pintar um quadro, ao vivo, em homenagem ao amigo(foto: Samuel Gê/Encontro)
O pintor Carlos Carretero conhecia Paco de Lucía desde jovem, e vai pintar um quadro, ao vivo, em homenagem ao amigo (foto: Samuel Gê/Encontro)


Homenagens

Para lembrar Paco de Lucía, o La Taberna Centro de Cultura Flamenca, que, atualmente, está localizado na rua Antônio de Albuquerque, na Savassi, terá uma programação especial em junho. Ainda sem data definida, Fátima Carretero explica que, entre as atrações, ela está preparando um espetáculo de dança especial, baseado no disco póstumo do guitarrista, Canción Andaluza, lançado em abril deste no. “O mundo todo está homenageando Paco. Serão várias ações para lembrá-lo aqui em Belo Horizonte. Somos cidade-irmã de Granada, na terra do flamenco”, conta a bailarina e dançarina, que, após anos sem subir nos palcos, fará parte do espetáculo especial, como homenagem ao amigo.

O artista plástico Carlos Carretero também prepara uma surpresa para seu amigo. Ele vai pintar uma grande tela, ao vivo, atrás do palco onde será feita a apresentação de dança. Sobre qual será o tema dessa obra, ele responde sem pensar: “Deixarei que a emoção guie meu pincel”.

É triste saber que, hoje, temos uma guitarra flamenca encostada num canto, e que ela pertenceu ao grande Paco de Lucía, de Andalucía (Andaluzia). “Às vezes fico frustrado, pois quando começo um trabalho, tenho milhares de ideias. Mas quando o realizo, vejo que elas se tornaram pequenas, e, muitas, se perderam no caminho”, diz o músico espanhol, no programa Metrópolis, da TV Cultura.

Confira a música Tico-Tico no Fubá, na versão flamenca de Paco de Lucía:

 



Agora, ouça a música Ojos Verdes, que faz parte do disco póstumo de Paco, Canción Andaluza:




Paco de Lucía (mais à direita) colaborou com o músico brasileiro Djavan, no disco Oceano, de 1989(foto: Divulgação)
Paco de Lucía (mais à direita) colaborou com o músico brasileiro Djavan, no disco Oceano, de 1989 (foto: Divulgação)
Paco de Lucía com os amigos Carlos, Fátima e Marien Carretero, em sua última visita ao Brasil, em novembro de 2013(foto: Arquivo Pessoal/Reprodução)
Paco de Lucía com os amigos Carlos, Fátima e Marien Carretero, em sua última visita ao Brasil, em novembro de 2013 (foto: Arquivo Pessoal/Reprodução)

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