Publicidade

Estado de Minas DE PAI PARA FILHO

Escritor mineiro lança livro com histórias de um menino portador de TDAH

Em "Elétrico", o jornalista Eduardo Ferrari relata as peripécias de Bernardo, personagem inspirado no seu filho caçula


postado em 27/06/2019 23:50 / atualizado em 01/07/2019 00:46

O autor diz que, a exemplo de seu filho, também tem TDAH:
O autor diz que, a exemplo de seu filho, também tem TDAH: "Eu tive muita dificuldade na escola. Estudava em dobro e só fui aprender a escrever com nove anos" (foto: Divulgação)
Não se engane! O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, ou TDAH, não é falta de limite ou negligência dos pais. É um distúrbio neurobiológico reconhecido pela Organização Mundial de Saúde que afeta o cérebro de 2 milhões de brasileiros adultos. Mesmo assim, o quadro ainda é visto com maus olhos. 

O escritor mineiro Eduardo Ferrari resolveu usar o poder das letras para lutar contra o preconceito, com o seu recém-lançado livro "Elétrico". Portador e pai de uma criança com TDAH, o jornalista usou a sua própria experiência para dar vida ao Bernardo, protagonista da obra. "Ele é em formato de romance, não é técnico nem didático. É um conjunto de histórias, sendo que todas são reais", disse o autor.

Encontro entrevistou o escritor. Confira:

Como é o jeito elétrico de ser do Bernardo?

O Bernardo é inspirado em fatos reais, pois ele é um retrato do meu filho caçula. Ele tem uma capacidade incrível para se imaginar em diversas situações. Tem um pedaço no livro que ele alaga metade da casa para ver o caminho que a água faz, enquanto se vê como um menino aquático. Em outra sequência, ele pega uma caixa de ovos e fica jogando eles da varanda. O que para a gente é um ovo quebrado, para ele é uma bomba. Outra característica é que para ele é difícil ficar muito tempo focado em apenas uma coisa. Certas situações, como ficar parado na sala de aula vendo o professor falar durante uma hora, acabam se tornando um sacrifício para o Bernardo.

Para você, como é o mundo aos olhos de alguém que tem TDAH?

Eu sou muito impaciente e às vezes bem nervoso. Isso é um resquício do TDAH que não foi diagnosticado durante a minha infância. O transtorno é uma alteração química no cérebro, mas é óbvio que depois de muitos anos a nossa cabeça acaba encontrando outros caminhos para se virar. Mas não é algo que dá para perceber apenas olhando para a pessoa, o que leva a um preconceito muito forte. Às vezes as pessoas acham que você é mal educado, mas não tem ideia que para quem tem TDAH é quase impossível ficar meia hora sentado, conversando e olhando no olho de uma pessoa. O olhar acaba desviando algumas vezes, não tem jeito! No livro também tem uma passagem de algo que aconteceu de verdade: umas pessoas chegaram para os pais do Bernardo e falaram "ele é assim porque é mimado". Como se o fato dele ter TDAH fosse culpa dos pais!

Exatamente! E como é criar o seu filho em uma sociedade que divide opiniões sobre o transtorno?

É um grande desafio. O principal sentimento que a gente precisa ter é paciência, coisa que eu não tenho (risos). Na minha experiência, o cérebro da gente acaba encontrando um caminho. Hoje também existe toda uma gama de tratamento multidisciplinar, com psiquiatra, terapeuta e fonoaudiólogo. Mas é muito importante ter tolerância, que está em falta no nosso mundo, não é? Precisa ter tolerância e paciência para perceber que a criança vai encontrar o caminho dela.

O que, no Bernardo, lembra você?

Eu acho que a característica que mais lembra é a inquietude. A criança por natureza já é assim, mas até hoje eu não consigo ficar quieto. Em reunião familiar, por exemplo, eu fico um tempo e depois dou uma sumida. Mas a gente aprende a conviver. Igual eu disse, o cérebro acaba encontrando um caminho. O fato de eu ter sido alfabetizado tardiamente pode ter dado problemas na minha infância, mas eu fui para a faculdade do mesmo jeito.

O livro pode mudar a visão de mundo das pessoas?

O livro foi escrito com o objetivo de diminuir o preconceito sobre o TDAH, mas se isso vai acontecer é outra história. Quando fui pesquisar, vi que tinha muita literatura técnica, mas pouca literatura factual. Mesmo assim existem outros personagens fictícios que possuem características típicas de quem tem TDAH. Um bom exemplo é o Calvin (Calvin e Haroldo), que tem o comportamento típico de quem tem o transtorno. Então eu pensei em criar algo assim no Brasil. O livro foi ilustrado pelo Paulo Stocker, cartunista referência em São Paulo. Foram dois anos de trabalho para criar a história e quatro meses para desenhar o personagem.

Os comentários não representam a opinião da revista e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação

Publicidade