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Estado de Minas LITERATURA

Karla Monteiro fala sobre Samuel Wainer no Sempre um Papo

Com biografia recém-lançada, escritora mineira quer tornar trajetória do polêmico jornalista mais conhecida


postado em 23/09/2020 14:13 / atualizado em 23/09/2020 15:07

A jornalista mineira Karla Monteiro(foto: Márcia Charnizon/divulgação)
A jornalista mineira Karla Monteiro (foto: Márcia Charnizon/divulgação)
A edição do #SempreUmPapoEmCasa desta quinta-feira (24/9), às 20h, traz como convidados a jornalista mineira Karla Monteiro, autora do novíssimo livro "Samuel Wainer – O Homem que Estava Lá" (Cia. das Letras, 576 páginas), e o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o jornalista paulista Paulo Jerônimo de Sousa, o Pagê. O debate pode ser acompanhado ao vivo pelo Youtube, Instagram e Facebook do Sempre Um Papo.

Mineira de Diamantina, Karla Monteiro é formada pela PUC-Minas e iniciou sua carreira no jornal Estado de Minas em fins dos anos 1990. Depois, foi para São Paulo, onde viveu por 10 anos, até mudar-se para o Rio de Janeiro em 2007. Há dois anos de volta a BH, para se dedicar à produção do mais novo livro, ela já passou por revistas como Veja e Trip, além dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo. A jornalista, que estreou nos livros com "Karmatopia: Uma Viagem à Índia" (2014), também é autora, em parceria com Márcio Maranhão, de "Sob Pressão: a Rotina de Guerra de um Médico Brasileiro" (2017), que deu origem à série global, exibida em três temporadas. Seu próximo projeto será uma biografia do político gaúcho Leonel Brizola (1922-2004), à qual já começa a dedicar seu tempo, ocupado por ele "nos próximos cinco anos, no mínimo".

Sobre sua mais nova obra, lançada exatos 40 anos após a morte de Samuel Wainer (1912-1980), Karla conta que foram longos cinco anos para traçar a trajetória de um dos nomes mais influentes do jornalismo e da política brasileira nos anos 1950 e 1960. A vida do fundador do extinto jornal Última Hora, que nasceu na Bessarábia (antigo Império Russo) – viveu a maior parte da vida no Rio de Janeiro e morreu em São Paulo – "é um épico", como ela diz. Confira esta entrevista exclusiva com a escritora e jornalista. Mais informações sobre o projeto no www.sempreumpapo.com.br.

REVISTA ENCONTRO – Samuel Wainer tem uma biografia incrível, mas poucas pessoas o conhecem no Brasil. Seu livro pretende ajudar a tornar essa rica história de vida mais difundida?

KARLA MONTEIRO – Sou da geração que devorou "Minha Razão de Viver", a autobiografia de Samuel Wainer, lançada em 1989. Na faculdade, todo mundo leu – e o livro gerou muita polêmica, muito debate. Foi um grande best-seller, vendeu mais de 200 mil exemplares, em 20 edições. Mas, de fato, as novas gerações não conhecem Samuel Wainer. Espero que o meu livro possa ajudar a trazê-lo de volta. Sua biografia nos ajuda imensamente a compreender o Brasil de hoje. Além de jornalista, fundador do único jornal de orientação trabalhista e nacionalista a figurar na grande imprensa brasileira, a Última Hora, ele foi o homem de três presidentes: Getúlio, JK e Jango. Sendo assim, obviamente, o livro cobre todas as turbulências políticas que marcaram o século XX, de 1930 a 1980. Para mim, foi profundamente impactante compreender como o Brasil repete padrões. Agora com esta, digamos, pitada de chanchada.

Quanto tempo levou sua pesquisa e quanto tempo você dedicou à escrita? E o que foi mais difícil na produção do livro?

Foram cinco anos de muito trabalho. Li os principais jornais da época, entrevistei uma gama imensa de pessoas, consultei uma bibliografia vastíssima, além dos documentos enterrados em arquivos públicos e também os documentos do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Foi uma surpresa encontrar mais de mil páginas sobre Samuel Wainer nos arquivos americanos. A vida dele é um épico. Como repórter, esteve presente nos momentos mais dramáticos da história mundial. Cobriu o pós-guerra na França, o Tribunal de Nuremberg, o nascimento de Israel. Como dono de jornal, a Última Hora, fundada em 1951, travou uma batalha de duas décadas. Sua história é fundamental para entendermos a formação da nossa imprensa.

Por que você decidiu escrever sobre Wainer? O que mais a atraiu na biografia dele?

Depois de me formar em jornalismo na PUC-MG, passei 20 anos trabalhando na grande imprensa. Aí veio 2013... depois, 2014, 2015... E, para mim, repensar o papel da imprensa foi se tornando cada vez mais urgente. Quem melhor do que Samuel Wainer para ajudar a compreender as entrelinhas?

A vida de Samuel Wainer se confunde com a história do jornalismo e a história política do Brasil. O que de mais marcante nas duas ficou, depois de se debruçar sobre esse vasto material?

Primeiro, entender os bastidores do poder, como as forças se organizam e como elas desorganizam a democracia brasileira ao longo da nossa história. Segundo, Samuel encarnou a voz dissonante, o contraponto, ao introduzir na grande imprensa, hegemonicamente liberal e conservadora, um jornal trabalhista e nacionalista, abertamente getulista, desafiando o discurso único, a histórica única, para usar esta expressão da escritora nigeriana Chimamanda, ao discorrer sobre o lugar de fala europeu na literatura. Ele sempre reafirmou que jornal tem lado – e ele assumia o dele. Para terminar, eu ressaltaria que Samuel foi um homem do seu tempo, com todas as contradições humanas e implicações do poder. Aliás, isto foi para mim um grande desafio. Encontrar a voz da biografia, sem ser advogada de defesa ou de acusação do personagem.

Com sua experiência em diversos veículos, o que pensa sobre o futuro do jornalismo?

A imprensa está enfrentando um momento dramático, vem sendo atacada, vilipendiada, questionada. Talvez o caminho seja o apontado por Samuel Wainer: assumir o seu lugar de fala, entregando ao leitor mais transparência. Imprensa livre não é sinônimo de imprensa sem patrão. Os jornais obedecem a uma linha editorial, influenciada por fatores econômicos, sociais, ideológicos, e isto deveria ser servido aos leitores como prato principal. Na Inglaterra, entre os anos 1950 e 1970, foram instauradas três comissões de inquérito, denominadas Royal Comission on the Press. O objetivo era justamente investigar o monopólio deste lugar de fala. O resultado da primeira comissão foi: "Save the Press from Itself". O que isto queria dizer? Só a transparência garante a credibilidade.

A pandemia tem afetado seu trabalho? De que forma?

Na verdade, não afeta, porque trabalho em casa. Mas tem sido muito difícil olhar para este distópico 2020. Todo o retrocesso das políticas culturais, ambientais, sociais, além desta política negacionista que nos conduziu à tragédia de quase 150 mil mortos pelo Covid-19.

Quais são seus projetos depois deste livro?

Já assinei o contrato com a Companhia das Letras para biografar o Brizola. De volta à estaca zero.

Sua obra anterior, "Sob Pressão: a Rotina de Guerra de um Médico Brasileiro", virou uma série de TV. A nova terá o mesmo destino?

Espero que sim, embora com o desmantelamento da Ancine [Agência Nacional do Cinema, órgão federal ligado à pasta da Cultura] esteja bem mais difícil fazer cinema no Brasil.

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