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Estado de Minas ARTIGO | LEILA FERREIRA

A cura do espanto


postado em 06/03/2014 16:15

Comecei achando que ele era um primo-primeiro do nosso antigo mau-olhado. Depois, cheguei à conclusão de que está mais próximo das doenças do mundo moderno. Foi numa conversa com um motorista numa viagem que acabei de fazer pelo interior do México que ouvi falar sobre o mal do espanto, que é, nada mais, nada menos, que a perda da alma. Isso mesmo. Segundo uma crença originada nas antigas culturas indígenas do México, depois de um grande susto, um desgosto, uma situação de violência, uma notícia ruim, o ataque de um animal ou momentos de medo extremo, a pessoa pode passar a sentir apatia, insônia ou sonolência, fraqueza, enjoo, dor de cabeça, cansaço crônico, falta de motivação e inapetência, entre outros sintomas. A esse quadro dá-se o nome de espanto e o que o provoca, acredita-se, é que, naquele momento de estresse agudo (para usar um termo dos dias de hoje), a pessoa perde sua alma – ou sua alma se extravia.

Para devolver o ânimo, a vitalidade, o bem-estar físico e emocional ao doente, é necessário um tratamento de “resgate da alma”. Banhos de ervas e ingestão de infusões lembram o nosso descarrego, mas há várias formas de tratar. Uma delas com um ovo, que o curandeiro ou a curandeira passa no corpo da pessoa, enquanto reza, e depois deixa dentro de um copo com água. Outra consiste em levar o enfermo ao local onde o trauma ocorreu e fazê-lo comer um punhado de terra dali, pois se acredita que a alma pode ter ficado nela. E um detalhe curioso: além da perda da alma, pode haver a perda da sombra – e é difícil imaginar algo mais estranho (ou assustador) do que alguém sem sombra. Nesse caso, ela também tem de ser resgatada.


Ainda impressionada com essa história, ontem comecei a ler um livro da americana Joan Borysenko sobre a chamada síndrome de Burnout, que vem afetando um número cada vez maior de pessoas. No Burnout, a sensação que se tem é de uma pane geral no organismo, como se um fusível tivesse queimado e todos os circuitos estivessem comprometidos. Entre os sintomas estão esgotamento, ansiedade, irritabilidade, falta de vontade de fazer seja o que for, insônia ou sonolência, angústia, sensação de vazio, perda da capacidade de acreditar e por aí vai... 

As causas do Burnout, geralmente, são associadas a um excesso de trabalho (ou a trabalhos excessivamente desgastantes). Mas é óbvio que o estilo de vida que estamos levando nos aproxima perigosamente dele, ou de doenças da mesma família, que nos deixam órfãos de alma. Estresse crônico, pressa constante, excesso de trabalho e de informações, overdose de tecnologia, consumismo desenfreado, lazer que mais cansa do que relaxa, falta de tempo para a família e os amigos... tudo isso pode fazer queimar nossos fusíveis, roubar nossa energia vital e extraviar nossas almas, nos deixando sem sombra ou sem essência. 

Para resgatar a alma sequestrada pela loucura da vida contemporânea, não é preciso comer terra nem recorrer a curandeiros. Mas exige rever posturas e refazer escolhas. Aqueles valores que abandonamos, os sonhos que foram varridos para debaixo do tapete, a capacidade de fazer pausas, de conviver com quem amamos, de praticar a generosidade, de rir, de pensar menos em status e aparências... tudo isso pode ajudar (acho) a promover nosso reencontro com quem éramos. Quando tudo parece sem sentido e nos sentimos esgotados física e emocionalmente, sem forças para cumprir as obrigações, sem ânimo para enfrentar o dia que começa e esquecidos do que é prazer, é hora de refletir. Meditação? Terapia? Orações? Mudança de estado civil? De emprego? Não sei. Cada um tem seu caminho. Mas acho que todos os caminhos passam por uma viagem para dentro de nós mesmos. É para lá que a alma sequestrada eventualmente volta. E, para que ela permaneça, garantindo a cura dos espantos modernos, é preciso preparar o terreno, uma operação que, inevitavelmente, passa pelo autoconhecimento.

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