
Desde 1989, ano seguinte à promulgação da Constituição Federal, ao menos 37 projetos foram propostos por deputados e senadores para poder, enfim, regulamentar a tributação, que está prevista no artigo 153 do texto constitucional. O mais antigo deles é uma iniciativa do então senador - e, depois, presidente - Fernando Henrique Cardoso (PSDB), aprovada no Senado e que, há mais de 30 anos, aguarda análise da Câmara dos Deputados. O mais recente é o Projeto de Complementar (PLC) 101, proposto pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), de julho deste ano. Este último prevê taxar entre 0,5% e 5% os brasileiros que tenham, ao menos, 4,6 milhões de reais em patrimônio, contando, por exemplo, os imóveis, navios e aeronaves, veículos, objetos de arte, dinheiro em espécie, ações em empresas ou direitos de propriedade intelectual. A cobrança seria feita uma única vez e a justificativa do senador para a proposta é que o montante seja usado para minimizar os impactos da pandemia da Covid-19.

Além disso, há uma série de outras perguntas que devem ser respondidas de forma clara e que variam de uma proposta para outra, o que dificulta até a comparação entre os textos dos parlamentares. Afinal, de que tipo de patrimônio estamos falando? Dinheiro aplicado entraria na conta? E os bens? Nesse caso, bens ociosos ou somente os que estão submetidos ao sistema produtivo? Outra questão é a preocupação em não cometer excessos ou enquadrar nessa nova tributação quem não deveria ser taxado. Afinal, como garantir que o referido imposto não iria onerar cidadãos que passaram a vida poupando recursos para terem mais tranquilidade em um determinado momento da vida?

O exemplo mais emblemático é o ator Gérard Depardieu, que mudou sua residência, em um primeiro momento, para a Bélgica e depois, para a Rússia, país onde se naturalizou. O ator de Os Miseráveis, que já foi um dos artistas mais bem pagos do mundo, tem um patrimônio estimado em 245 milhões de dólares - ou mais de 1,3 bilhão de reais na cotação de hoje. Para o advogado André Mendes Moreira, do escritório Sacha Calmon Mizabel Derzi, a regulamentação do imposto agravaria a já existente competição global de atração de empresas e pessoas endinheiradas. "Existem países europeus que, mediante a compra de um imóvel, ou investimento de 500 mil euros, dão a cidadania de presente ao investidor. Isso faz parte dessa competição mundial, de países que competem entre si para atrair empresas para suas jurisdições", afirma. "Eles oferecem a menor carga tributária possível, falta de transparência em relação aos verdadeiros sócios e outros benefícios para que o empreendedor se sinta confortável em instalar sua empresa ou a sede dela naquele país."
Para o sócio-fundador do Amin Ferraz, Coelho & Thompson Flores Advogados, Daniel Amin Ferraz, a adoção do Imposto sobre Grandes Fortunas seria uma estratégia imediatista, "que não resolveria em absoluto o problema de desequilíbrio das contas públicas e que, tão somente, aumentaria a carga tributária brasileira, que beira a loucura dos 40% sobre o PIB". Precisaríamos, então, de acordo com Daniel Amin, de uma diminuição da carga tributária sobre o PIB, e não do seu incremento. "É urgente que o Brasil faça uma reforma do Estado, com a busca de maior eficiência na aplicação dos recursos públicos, paraque ele custe menos para o cidadão."
Se não há consenso sobre a efetividade da medida com relação à definição do que pode ou não ser considerado patrimônio, tampouco há certeza se o Imposto sobre Grandes Fortunas conseguirá cumprir seu objetivo primordial, ou seja, o de aumentar a arrecadação para o Tesouro. Parece uma contradição, mas o próprio exemplo de Depardieu ajuda a explicar. Quando ele mudou seu domicílio para uma cidade belga localizada a 1 km da fronteira com a França e, mais tarde, se tornou cidadão russo, ele não deixou apenas de pagar o IGF, mas também passou a pagar o Imposto de Renda em outro território, que não o francês. Uma dupla perda para o Tesouro do país.
Se entre os advogados tributaristas é praticamente consenso de que a medida não traria os efeitos esperados, como o aumento da arrecadação, eles também concordam que a tributação da renda faria mais sentido para que o governo pudesse chegar a esse objetivo. "Tributar patrimônio é retirar água de uma piscina. Uma hora ela esvazia. Economias globais no último século optaram por tributar a renda e, desde o século XV, por tributar o consumo, que têm fluxos constantes", explica o advogado André Mendes Moreira. "Após se ajustar os problemas envolvendo a administração pública, caso se constate que realmente há uma necessidade do aumento da arrecadação, que esta seja voltada para a tributação sobre as transferências de bens obtidos de forma gratuita, ou seja, sobre doações e heranças, seguindo o modelo da maioria dos países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)", diz Bruno Junqueira.
Saiba o que pretende taxar o mais recente projeto sobre taxação de grandes fortunas
- Número do projeto: PLC 101/2021
- Autor: Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
- Data da proposta: 7 de julho de 2021
- Tributação: 0,5% a 5%
- Patrimônio: a partir de R$ 4,67 milhões
- Tipo de patrimônio tributável: imóveis e direitos reais constituídos sobre bens neles localizados, navios e aeronaves, veículos motorizados, bens móveis (antiguidades, obras de arte, objetos de uso pessoal e utensílios), dinheiro e depósitos em dinheiro, títulos, ações, quotas e participação social em empresas e direitos de propriedade científica, literária ou artística)
- Cobrança: única vez
- Tramitação: comissão do Senado
- Aplicação da verba arrecadada: 50% para assistência à saúde, principalmente de combate à pandemia, e 50% para complementação do auxílio emergencial.
(Com colaboração da redação)