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Estado de Minas SAÚDE

Dez dúvidas sobre as vacinas contra o novo coronavírus

Conversamos com o infectologista Carlos Starling a respeito da busca pela tão sonhada imunização


postado em 04/09/2020 23:51 / atualizado em 04/09/2020 23:56

"Hoje temos uma corrida pelas vacinas e, paralelamente, uma guerra pelas vacinas, no sentido de imunizar populações. Aqui no Brasil, optou-se pela de Oxford. Se der errado, perdemos a aposta" (foto: Violeta Andrada/Encontro)
Se o discurso atual é o do "novo normal", muita gente - senão todo mundo - ainda deseja que consigamos voltar para algo bem parecido com o antigo normal. Abraços apertados, beijos, visitar amigos e familiares queridos, ir ao cinema, curtir shows, sentar com amigos em um bom restaurante, fazer um happy hour no bar, viajar, pular Carnaval… Uma das principais apostas para que esse retorno seja possível é a vacina. Até agora são mais de 165 em desenvolvimento e 31 em etapas de testes com humanos. Os números dão esperança de que em breve possamos ter menos óbitos pela Covid-19, menos casos graves e menos infectados.

Contudo, ainda não se sabe a eficácia dessas vacinas em estudo. Na verdade, como nenhuma ainda foi aprovada por órgãos internacionais independentes, nem é possível afirmar que existirá alguma realmente eficaz. Mas, na opinião do infectologista Carlos Starling, membro do Comitê de Combate à Covid-19 de Belo Horizonte, essa não é uma preocupação. Com esse número de pesquisas em desenvolvimento, ele não duvida que teremos uma ou mais opções de imunização. Para Carlos, é provável que haja diferentes variedades no mercado, adequadas para grupos específicos de pessoas. Confira dez dúvidas sobre a vacina do novo coronavírus, respondidas pelo especialista:

1) Como foi possível que vacinas fossem criadas tão rapidamente?

Boa parte da estratégia de desenvolvimento começou lá atrás, com a epidemia de SARS em 2002 e do MERS em 2012. As pesquisas usaram tecnologia que já vinha sendo desenvolvida há quase duas décadas. A aceleração se dá no processo de produção e testagem.

2) Quais os riscos de se acelerar esses processos para fazer a vacina chegar mais rápido à população?

As vacinas passam por avaliações de comitês científicos independentes. As etapas podem ser aceleradas, mas não atropeladas. O processo é mais acelerado em relação principalmente a aspectos burocráticos; órgãos regulatórios às vezes demoram para aprovar projetos… Em relação às fases, todas devem ser cumpridas, com o mesmo número de voluntários (quando é o caso), análise de segurança.

3) Cada estado pode escolher com qual vacina trabalha?

Não. Os acordos que acontecem neste momento são acordos de pesquisa. Não é que o Paraná vai usar a vacina da Rússia, é que foi feito um acordo para pesquisa dessa vacina, assim como o Butantan fez parceria para ajudar no processo de uma das vacinas chinesas em desenvolvimento. Isso não tem nada a ver com a região em que ela vai ser usada.

4) Elas têm todas o mesmo mecanismo de funcionamento?

Não. As vacinas provavelmente vão ser direcionadas para pessoas diferentes, podem servir para determinado tipo de população. A indicação vai depender do tipo de vacina, se é de vírus vivo atenuado ou inativado, se usa proteína do vírus… É ótimo ter opções diferentes, porque nos vão dar oportunidades de vacinar diferentes populações. A indicação médica poderá ser segundo características das pessoas.

5) Qual é o processo até a vacina chegar até a população?

No caso de algumas vacinas em teste, as empresas já aceleraram o processo de produção. Se forem eficazes - e pelo visto várias são -, podem estar no mercado rapidamente. Por outro lado, há países que já compraram boa parte da produção. Hoje temos uma corrida pelas vacinas e, paralelamente, uma guerra pelas vacinas, no sentido de imunizar populações. Aqui no Brasil, optou-se pela de Oxford. Se der errado, perdemos a aposta. Quando elas chegarem, deve haver prioridades. Quais são as pessoas mais vulneráveis hoje? Os profissionais de saúde - porque senão não há quem trate dos doentes - e grupos de risco. Então, certas profissões e grupos populacionais vão ser prioritários. Após aprovação, na minha opinião, acho que vai levar aproximadamente de 6 meses a 1 ano até chegar de maneira mais acessível para a população.

6) Acredita que o retorno das aulas presenciais deve ser apenas a volta da vacina?

Acho que é complicado o retorno antes, mesmo. Países que retornaram com a escola voltam e param, voltam e param, porque começam a ter surtos. A volta à normalidade escolar vai depender, de fato, da vacina. Elas estão todas em teste, não sabemos por quanto tempo são eficazes, ainda não somos capazes de responder muitas perguntas. Mas, na minha opinião, uma delas ou várias devem funcionar, sim. Que vamos ter vacina, não tenho a menor dúvida. Estamos completando oito meses de epidemia, já temos vacinas em fase 3 de teste, isso nunca aconteceu na história. O vírus mapeado com menos de uma semana… Está tudo muito acelerado em função da catástrofe mundial que é esta pandemia.

7) Após a vacina, vida normal?

Vacinas vão facilitar e muito o retorno a uma normalidade. Isso não tem dúvida. Sem ela vamos continuar tendo idas e vindas da epidemia. Isso porque o número de pessoas suscetíveis no planeta é muito grande. A transmissibilidade do vírus é alta, e ele tem terreno fértil para poder seguir. As medidas de controle funcionam e elas é que vão ter de ser exercitadas o tempo todo até chegarmos a uma ou mais vacinas eficazes. Isolamento social, distanciamento social, uso de máscaras, higiene.

8) Acredita que as medidas de controle impostas pela pandemia vão continuar?

Acho que sim. Há várias outras doenças respiratórias para as quais não temos vacina ainda. Vírus são muitos. Os cuidados certamente vão ser um legado dessa epidemia.

9) A vacina russa é uma opção a ser levada em conta?

Temos de aguardar os estudos dela. Isso nunca foi feito, uma vacina em fase 2 de testes ser aplicada em populações. Isso nunca aconteceu. Não temos informações sobre isso. Para nós, no Brasil, essa é uma vacina em pesquisa, não foi aprovada e nem tem qualquer documentação aprovando a vacina na Anvisa. Pesquisa é uma coisa, indicação para a população é outra, a ser feita só depois de aprovada e de os órgãos independentes terem feito avaliações e considerações. Isso é muito sério.

10) Se houver mais de uma vacina, será possível tomar mais de uma?

Para tomar mais de uma, é necessário ter avaliação médica, indicação e estudo por trás de qualquer conduta. Não se estimula sistema imunológico aleatoriamente. Ainda nem conhecemos as vacinas que estão em pesquisa, em relação a efeitos colaterais, para saber se poderia ser feita mais de uma ou não. No caso das vacinas já tradicionais, isso é desnecessário, porque implica em custos (do ponto de vista de saúde pública ou mesmo do ponto de vista de saúde individual). Não recomendamos ficar vacinando sem necessidade assim como não se toma nenhum medicamento sem indicação. Lembrando que vacina é um fármaco, uma substância química e que pode não ter efeito colateral para uma pessoa, mas pode ter para outra. É caro, tem riscos de efeitos colaterais. Não há justificativa para isso. Vamos aguardar as pesquisas para conhecer melhor o que está sendo desenvolvido.

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