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Estado de Minas ESPECIAL NOVO CORONAVÍRUS

Pesquisa internacional investiga impactos do ensino remoto nas famílias

No Brasil, estudo é realizado por pesquisadoras da UFMG


postado em 19/08/2020 00:00 / atualizado em 19/08/2020 00:00

Na Europa, onde a coleta de dados já terminou, a vivência dos pais e visão deles sobre a experiência dos filhos não foi positiva quanto ao ensino remoto.
Na Europa, onde a coleta de dados já terminou, a vivência dos pais e visão deles sobre a experiência dos filhos não foi positiva quanto ao ensino remoto. "Os resultados preliminares da amostra europeia mostram que em todos os países os pais consideraram negativos os efeitos do ensino remoto, tanto para a criança quanto para eles próprios", afirma uma das responsáveis pelo estudo no Brasil, a psicóloga Lorrayne Soares (foto: Pixabay)
O impacto do ensino remoto sobre as famílias é tema de uma pesquisa internacional que, no Brasil, está sendo coordenada por pesquisadoras da UFMG. O estudo, que se iniciou no Instituto Karolinska, centro médico superior na Suécia, avalia estresse, relacionamento familiar, como pais veem o apoio das escolas durante esse momento, saúde mental, entre outras questões relacionadas à experiência da família, em casa, durante este período da pandemia.

São 11 países envolvidos na pesquisa, sendo sete na Europa (Suécia, Alemanha, Bélgica, Holanda, Reino Unido, Espanha e Itália), três na América Latina (Brasil, Argentina e Uruguai) e um asiático (China - Hongkong). Na Europa, onde a coleta de dados já terminou, a vivência dos pais e visão deles sobre a experiência dos filhos não foi positiva quanto ao ensino remoto. "Os resultados preliminares da amostra europeia mostram que em todos os países os pais consideraram negativos os efeitos do ensino remoto, tanto para a criança quanto para eles próprios", afirma uma das responsáveis pelo estudo no Brasil, a psicóloga Lorrayne Soares, doutoranda em medicina molecular e pesquisadora de transtornos do neurodesenvolvimento na UFMG. "Os pais também relataram aumento do estresse, de preocupação e de conflitos domésticos", completa. 

No Brasil, ainda estão na fase da coleta de dados (quem tem filhos em idade escolar e deseja participar, é só preencher o formulário online, que deve durar até setembro). A partir daí, será possível analisar como as famílias brasileiras estão vivendo as aulas remotas e comparar o cenário nacional com os demais. De acordo com Lorrayne, o tamanho do país e a desigualdade por aqui são fatores importantes e que levam a experiências muito diversas nação afora, e isso será considerado no levantamento.

Qual o objetivo da pesquisa?

O objetivo é entender quais os impactos do ensino remoto, da forma como tem sido feita, sobre famílias e crianças. Abordamos a relação de pais com filhos, nível de estresse, qualidade do ensino, perguntamos sobre crianças que precisam de mais atenção, se elas têm tido esse apoio, avaliamos estresse, saúde mental, entre outros.

O que os resultados preliminares na Europa indicam?

Em todos os países, os pais consideraram negativos os efeitos do ensino remoto, tanto para a criança quanto para eles próprios. Os pais também relataram aumento do estresse, de preocupação e de conflitos domésticos. Esses resultados são ainda mais robustos em famílias com filhos com algum transtorno mental e que precisam de apoio extra na escola.

Em que fase está a pesquisa no Brasil?

Estamos na primeira fase, com o formulário aberto para respostas. O prazo deve ser até o meio de setembro para coleta de dados, pois é interessante coletar os dados antes de as escolas reabrirem.

O que é perguntado no formulário?

A pesquisa é extensa. A gente tenta investigar a vida da família, da criança. Em que série o filho ou filha está, como está a aula online, quanto tempo a criança ou adolescente passa atualmente na internet em comparação a quanto passava antes da pandemia, questões financeiras na família (se perderam o emprego por causa da pandemia), perguntamos sobre a saúde da criança, se tem dificuldade de aprendizagem e precisa de mais apoio na escola normalmente, se ela está mais ou menos estressada, questões de saúde mental das crianças e dos pais, convívio familiar. Se essa criança tem acesso às aulas, se é via celular, computador, se tem lugar específico para estudar, como está o desempenho escolar, se esse desempenho tem sido avaliado, como pais avaliam o contato com a escola. É um recorte específico da visão da família com o ensino remoto.

Como acreditam que será a amostra do Brasil em relação à da Europa, onde o acesso ao ensino remoto é maior?

Lá é mais amplo. Aqui o ensino remoto não está sendo entregue em todo lugar. Em BH, por exemplo, o ensino remoto para escolas municipais não existe. Como a gente é um país muito grande, essas diferenças vão existir e vamos ter que conseguir identificar nas respostas da pesquisa. Com certeza vamos atingir mais pais de alunos que estudam em escolas privadas, que são quem tem tido mais acesso a isso. Vai sim ser um viés da pesquisa, por conta da desigualdade muito importante e que não podemos deixar passar. Até pelo fato de a pesquisa ser feita via internet, não vamos conseguir atingir aquelas famílias que estão em vulnerabilidade social.

Como será a comparação entre países?

Acho que de fato vai ser mais comparável com uma classe mais privilegiada no Brasil, mas, mesmo que a gente consiga fazer essa comparação, será com ressalvas, pois ainda assim temos diferenças muito grandes. Até mesmo entre os países da Europa, vimos diferenças grandes. Suécia e Bélgica, por exemplo, mostraram retornos diferentes de outros países mais populosos, como Alemanha, Itália, Espanha, onde identificamos mais problemas, principalmente em relação à satisfação. Os pais reclamaram mais de não ter contato próximo com a escola. Já a questão do estresse foi unânime. Na média, disseram que convívio foi mais difícil,relatam mais conflitos com os filhos, aumento da carga de trabalho, carga mental dos pais, do estresse das crianças. Os pais acham que, nessa modalidade de ensino remoto, se exige mais do que a criança consegue se organizar, oferecer, por isso têm sentido as crianças mais estressadas, por terem de assumir uma responsabilidade no processo de ensino para a qual não estavam preparados ainda. Achamos que aqui será parecido nesse sentido.

Diferenças de conduta na pandemia entre regiões impactam nas respostas?

Esse é um resultado que vimos entre países. Suécia não teve lockdown, e as crianças, por exemplo, continuaram indo para a escola. Lá, só temos respostas de pais de adolescentes. Já na Itália, houve lockdown. Pode ser que tenhamos diferença importante por conta da diferença de regras. Em BH, há quem esteja há quatro meses dentro de casa. Em outras cidades, as regras estão mais flexíveis há mais tempo… A idade dos filhos também deve influenciar nos resultado. No caso de crianças menores, que demandam atenção maior e têm autonomia menor, é provável que a gente veja diferença nesse sentido também.

E esse ensino remoto não é o chamado homeschooling, certo?

Esse é um ponto importante: temos recebido algumas perguntas, porque no link está escrito homeschooling, já que esse era o termo usado lá fora na época em que o link foi criado. Hoje os termos mudaram, afinal, trata-se de um ensino remoto emergencial. Não é EaD também, para o qual se está preparado, se tem um suporte. É um modelo de ensino que está sobrecarregando todo mundo, tanto escola quanto famílias.

Como a pesquisa pode contribuir para a sociedade?

Acredito que ela contribua ao nos ajudar a tentar entender de que jeito a gente pode minimizar essas perdas vindas da pandemia. É impossível não haver perdas - tem o contato social, por exemplo, que é uma perda importante - mas qual é a melhor maneira de a gente criar essa alternativa de estudo, de ensino, de forma que tenhamos menos prejuízo em relação a saúde mental, aprendizado? Como oferecer o apoio extra que alguns alunos precisam e que em grande parte não está tendo? Em alguns lugares, quando a aula presencial voltou, depois tiveram de fechar por um tempo, e as famílias voltaram para o ensino remoto. Então essa situação precisa ser analisada. E até mesmo para se preparar para o retorno das aulas presenciais. Quem são os alunos que a gente vai receber? Vindos de um aprendizado que a gente não entende como está funcionando, de crianças e adolescentes que passaram por uma pandemia. Em que estado eles estão emocionalmente?

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