
É mirando a própria história que, agora, dedica parte do seu dia à leitura compartilhada com suas filhas, Elisa e Cecília, de 4 e 2 anos, respectivamente, e já tem mais de 100 livros infantis na sua crescente biblioteca familiar. “Acho que o objeto livro é importante e deve ser apresentado às crianças desde muito cedo. Então, aquelas publicações macias, de ler na banheira, que são fáceis de manusear, representam um primeiro passo nesse sentido”, avalia ela. Mas não só. Muitas editoras estão se dedicando à publicação de livros tradicionais, com formato acessível para bebês, em um setor crescente chamado literatura de colo.
São livros que, de acordo com a Jujuba Editora, uma das primeiras no segmento no país, alcançam a criança na chamada primeiríssima infância – 0 a 3 anos. Com elementos que “provocam, que trazem o estético e aguçam o olhar”, levam o leitor mirim à sua primeira leitura de descoberta. Para isso, a materialidade dos exemplares é pensada para esse público e os livros possuem miolo com gramatura maior, capa dura e bordas arredondadas.
Com 18 títulos publicados, a coleção Literatura de Colo é o carro-chefe da produção na editora paulistana, que recebeu, no ano passado, um prêmio da 61ª Feira do Livro Infantil de Bolonha, a maior do setor, com 3.355 títulos inscritos por editoras de 65 países e em diversas categorias. Dia de Lua, do autor brasileiro Renato Moriconi, lançado pela editora, venceu como melhor livro para bebês.
O gênero é celebrado também por Rosana Mont’Alverne, da editora belo- -horizontina Aletria, que lançou no ano passado um selo dedicado especificamente a esse nicho, o Alebebê. A marca nasceu em 2005 como uma Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Contadores de Histórias e como Produtora Cultural de Eventos Literários, dedicada à literatura oral e escrita. Somente em 2009 o grupo passou a publicar livros comercialmente. “Antes, tivemos algumas experiências com publicações, estudamos, pesquisamos, nos aprofundamos e, finalmente, nos lançamos à aventura. Nosso primeiro título foi Bichos, de Ronaldo Simões Coelho – que o dedicou ao seu netinho, então recém-nascido –, com ilustrações da genial Angela Lago, que ganhou diversos prêmios importantes no Brasil e foi selecionado para o prestigioso Catálogo White Ravens, que anualmente é lançado na Feira de Bologna, a maior do mundo no setor de literatura infantil e juvenil. Ao mesmo tempo, lançamos Emengarda, a barata, de Pierre André, que é, até hoje, um absoluto sucesso entre a criançada”, comemora.
Rosana é enfática ao sustentar que, como dizia o pesquisador brasileiro Luís da Câmara Cascudo, as histórias, as cantigas e as tradições orais do Brasil são o primeiro leite intelectual de nossas crianças. “A literatura de colo começa aí, no momento em que a mãe embala o filho com uma canção de ninar ou brinca com parlendas tradicionais ou reconta histórias que passaram de boca em boca”, examina, acrescentando que as publicações mirando os nenéns são relevantes porque representam, idealmente, o primeiro contato das crianças com esse universo.
E vai além. Ela considera importante que o bebê tenha contato também com os livros de papel, no formato tradicional, porque trazem uma textura e cheiro característicos e por que, ao longo da vida, a leitura de livros impressos será no suporte papel, e não plástico e tecido. “Os pais precisam perder o medo das crianças rasgarem o livro ao manuseá-lo. Isso pode acontecer, claro, mas a criança só aprende a utilizar o objeto livro brincando e explorando-o à vontade”, diz.
NÚMEROS
Não há dados específicos e detalhados disponíveis exclusivamente sobre as vendas de livros para crianças de 0 a 3 anos no Brasil. No entanto, é possível identificar indícios de que esse mercado vem provando resiliência, mesmo em períodos de retração do setor editorial como um todo. A diversidade de selos dedicados a essas publicações é um dos sinais da vitalidade do segmento, como a própria Jujuba, citada no início desta reportagem, e a Companhia das Letrinhas, ambas de São Paulo, além da Pallas Mini, do Rio de Janeiro, dentre outras. A chegada da mineira Alebebê também é uma mostra da força desse universo, com a proposta de lançar livros com excelência técnica e artística, sem evitar temas difíceis, como o luto, os sentimentos na infância e as tragédias socioambientais. “Além disso, publicamos livros voltados para pesquisadores e professores que abordam temas relevantes à formação desses profissionais, até mesmo o espinhoso tema da censura aos livros infantis, infelizmente tão em voga nos dias atuais”, aponta Rosana Mont’Alverne, lembrando que, apesar do contexto sensível, existem ainda outras muitas evidências robustas da força desse nicho editorial.
Por exemplo, em 2016, enquanto o mercado geral de livros caiu 9,7%, o gênero infantil e juvenil cresceu 28% em vendas, segundo o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel). Já dados do Painel do Varejo de Livros no Brasil (Nielsen BookScan/Snel) mostram que, em 2023, a categoria “infantil, juvenil e educação” representou 22,39% das vendas até setembro, com mais de 3,461 milhões de unidades vendidas em um único período (12 de agosto a 8 de setembro), movimentando cerca de R$ 178 milhões. O número engloba faixas etárias mais amplas, de 0 a 12 anos ou mais.
Rosana indica que programas como o Leia com uma Criança, do Itaú Social, e aquisições governamentais para creches e bibliotecas têm ampliado o acesso a esses materiais. “Com base na trajetória de 2024 e no interesse contínuo por leitura na primeira infância, é razoável estimar que o segmento de 0 a 3 anos mantenha uma participação estável ou em leve alta dentro da categoria infantil”, avalia.
O faturamento acumulado do mercado de livros até março de 2025 pode ficar entre R$ 600 milhões e R$ 700 milhões no varejo geral, considerando o ritmo de 2024, com o nicho infantil respondendo por cerca de 20% a 25% disso, ou seja, entre 120 e 175 milhões.
Uma produção zelosa

DEPOIMENTO
“Tinha muita inveja da minha esposa, que podia amamentar meu filho. O livro me permitiu, de certa forma, alimentá-lo também”
“Quando criei Dia de Lua (obra premiada em 2024 como a melhor do mundo para bebês na Itália) não pensava em uma faixa etária específica, pois quando faço um livro, parto de uma ideia. E ela, a ideia, vai me contando para onde quer ir enquanto eu dialogo e me divirto com ela. Nasceu de um diálogo com outro título Dia de Sol, primeiro livro publicado pela Jujuba Editora, quando o grupo nem sequer possuía ainda o selo Literatura de Colo.
Os dois são muito simples, tanto em linguagem de texto quanto em linguagem plástica. E só são possíveis por isso, porque é na simplicidade, abrindo mão do virtuosismo, que consegui fazer uma brincadeira com o duplo sentido que esse desenho de linhas permite, que me permitiu chegar a esse público, que eu não buscava inicialmente.
Na minha experiência como mediador de livros para meu filho, o João, hoje com 9 anos, entendo que não lemos livros para as crianças, mas lemos livros com elas. Então, a primeira coisa importante é ter prazer naquele livro. Especialmente na primeira infância, quando temos a oportunidade de escolher por eles.
Para o João, eu lia desde os primeiros dias dele comigo. Era uma forma que tínhamos de conversar. Foi com Como o Grinch Roubou o Natal (Companhia das Letrinhas), do Dr. Seuss, que, pela primeira vez, nessas conversas, meu filho me respondeu com palavras. Tinha apenas quatro meses. Eu tinha uma forma de ler muito específica, uma cadência, um ritmo, que eu via pelo rostinho dele que ele gostava. E tem uma parte do livro que o personagem fala ‘basta’. E eu enfatizei esse ‘basta’. À medida que lia, em ascendência, via o João ficar cheio de emoção e, quando chegou o ‘basta’, ele falou comigo ‘bata’. Foi um dos momentos mais marcantes na troca que tive com ele naquele momento.
Foi muito rico, forte. Eu tinha muita inveja da minha esposa, mãe dele, que podia amamentá-lo. Então, o livro me permitiu, de certa forma, alimentá-lo também – enquanto eu também era alimentado por aquela leitura. Ao ler para ele, no colo, ele estava muito perto de mim, como quando o bebê fica com a mãe quando está amamentando.
Renato Moriconi Autor de Dia de Lua, premiado na Feira do Livro Infantil de Bolonha entre mais de 3 mil títulos

A tese é reforçada pela história de Júlia Martins, que herdou da mãe o gosto literário e, agora, vê as filhas seguindo a mesma cartilha. Até as preferências, diz ela, batem. “Percebi que, quando gostamos do livro que está lendo, transmitimos essa empolgação para as crianças, que captam isso e também gostam mais deles. Por isso, os meus favoritos geralmente são também os favoritos da Elisa e da Cecília”, observa.
Entre os prediletos das meninas está Clotilde, escrito pelas professoras Jussara Person e Soraia Uno, que têm 30 anos de experiência na educação infantil. O livro narra a história de uma jiboia faminta que tenta abocanhar um coelho. Outro sucesso na família Martins é O Casamento do Passarinho, do autor Hendrik Jonas, com tradução de Hedi Gnädinger. No volume, que saiu no Brasil pelo selo Cia. das Letrinhas, um passarinho vai conviver com diversas espécies de animais para relembrar o próprio canto e, assim, encontrar uma noiva e se casar.