Estado de Minas ENTREVISTA

"BH é um lugar para onde sempre retorno", diz Débora Falabella

Em cartaz com "Prima Facie", a atriz fala de sua ligação com a capital mineira, do seu primeiro monólogo no teatro e de seus trabalhos no cinema e TV


postado em 01/10/2025 08:42 / atualizado em 01/10/2025 08:53

Débora Falabella fica em cartaz em BH com
Débora Falabella fica em cartaz em BH com "Prima Facie" até 20 de outubro (foto: Annelize Tozetto/Divulgação)
A atriz Débora Falabella, 46 anos, admite sempre ficar “nervosa” quando se apresenta em Belo Horizonte. “É muito sensível para mim. Foi aqui que comecei, minha família está aqui, meu pai, que é uma referência enorme, muitos amigos. É uma responsabilidade grande", confessa a atriz, de 46 anos, acrescentando: “BH é a minha cidade. É um lugar para onde sempre retorno, e isso já diz muito. É uma cidade charmosa, que me traz tranquilidade. Rio e São Paulo são cidades onde vivo e frequento muito, mas não tenho a mesma intimidade. Além do sotaque, reconheço em mim um jeito muito mineiro de ser", afirma.

Esse “frisson” que Débora experimenta ao pisar nos palcos da cidade onde nasceu e viveu boa parte da vida tem se repetido nesta e nas próximas semanas, com a atriz cumprindo temporada no CCBB Belo Horizonte até 20 de outubro com o premiado espetáculo “Prima Facie” (“à primeira vista”, em latim). Dirigido pela também mineira Yara de Novaes a partir do texto da dramaturga e ex-advogada de direitos humanos australiana Suzie Miller e tradução de Alexandre Tenório, o monólogo é um fenômeno de público e de crítica.

Desde sua estreia em abril de 2024, “Prima Facie” já atraiu mais de 80 mil espectadores. A temporada na capital mineira tem ingressos disputadíssimos. Às quartas-feiras, a partir das 10h, são colocados à venda bilhetes para as sessões da semana seguinte nas bilheterias do CCBB e no site Sympla. Todos se esgotam em poucos minutos. É o primeiro monólogo de Débora em quase três décadas de carreira e, por sua atuação nele, foi eleita melhor atriz nos principais prêmios das artes cênicas do país: levou para casa os troféus da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), do Prêmio Shell e da Associação dos Produtores de Teatro (APTR).
 
Durante quase duas horas, em um cenário em que a hierarquia jurídica é representada por cadeiras empilhadas, Débora interpreta Tessa Ensler, uma bem-sucedida advogada criminalista que tem, entre seus clientes, acusados de violência sexual. Vinda de uma família pobre, ela batalhou e venceu no complexo mundo da advocacia. Ao mesmo tempo em que experimenta o sucesso, Tessa precisa encarar uma crise que a obriga a rever uma série de valores e princípios, além de refletir sobre o sistema judicial, a condição feminina e as relações conturbadas entre diversas esferas de poder. 

“Fico feliz em ver o teatro lotado e as pessoas se interessando por esse espetáculo. Acho que o sucesso vem de uma soma de fatores: a dramaturgia brilhante de Suzie Miller, a direção de Yara de Novaes e o trabalho que encaramos com muita intensidade”, acredita ela, destacando uma das frases que considera das mais fortes da protagonista: “Em determinado momento, Tessa diz que perdeu muitas coisas, mas, acima de tudo, perdeu a fé que tinha na lei, justamente no sistema que ela jurava que iria protegê-la”.

Segundo Débora, a peça tem provocado reflexões muito diversas. “Já ouvi relatos de pessoas que saíram impactadas a ponto de passarem horas conversando depois do espetáculo, falando sobre a violência que muitas vezes acontece ao nosso lado, sobre a forma como as mulheres são colocadas em dúvida, sobre o que ensinamos aos nossos filhos. Muitas mulheres saem impactadas. Como o próprio texto diz, uma a cada três mulheres no mundo já foi sexualmente violentada. Não que esse seja o número da plateia, mas é inevitável que haja, entre os espectadores, mulheres que já passaram por isso. Algumas me procuram depois ou escrevem contando suas histórias. Outras se dão conta de situações que viveram e não as tinham nomeado como violência. É muito forte ouvir esses relatos”. E os homens, como reagem? “Os homens também se aproximam e muitos dizem que saíram refletindo, que foi uma porrada. É importante ter essa plateia diversa porque a violência contra a mulher é uma questão social", aponta.

Além de público e crítica, “Prima Facie” chamou atenção de nomes do Poder Judiciário. Em Brasília, ano passado, a ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, articulou um debate com as participações da ministra do STF, Cármen Lúcia, e do ex-ministro do STF, Ayres Britto, além das presenças de Débora e da diretora Yara de Novaes. Na pauta, temas como a representatividade feminina no judiciário, a legislação de violência sexual e o fenômeno que o texto de Suzie Miller vem causando em diversas montagens ao redor do mundo. Devido ao êxito nos palcos, a autora da peça, que ajudou mudar algumas leis britânicas de abuso sexual, foi convidada para debater sobre o tema na assembleia da ONU sobre o abuso de mulheres em janeiro de 2024. Atualmente, “Prima Facie” conta com montagens na Alemanha, Austrália, Estados Unidos, Nova Zelândia, Turquia, entre outros.

A jornada emocional que o espetáculo propõe tem exigido de Débora uma preparação cuidadosa, tanto física quanto vocalmente. Uma das pessoas que a auxiliam nessa preparação é a fonoaudióloga mineira Janaína Pimenta, a mesma da cantora baiana Ivete Sangalo. “A Janaína me acompanha já há bastante tempo. Todo trabalho que faço ela está por perto. Em ‘Prima Facie’ precisei me preparar muito para a resistência vocal e ela foi essencial. A Janaína é uma pesquisadora da voz, uma profissional admirável”, elogia a atriz, que já declarou precisar “de um treinamento que a permita estar num trio elétrico”.

Em agosto, na sessão de “Prima Facie”, no Rio, Débora teve como espectadora uma das maiores atrizes brasileiras de todos os tempos: Fernanda Montenegro. Após vê-la em cena, a atriz de 95 anos declarou que custa a ver uma “vocação tão sacramentada” como a da mineira. “Você tem uma voltagem de destinos que precisamos ter em cena. Ou temos isto ou não existimos”, exaltou. “Fernanda Montenegro é nossa grande atriz, uma referência. Foi emocionante vê-la na plateia e ouvir aquelas palavras. A Dona Fernanda tem ido ao teatro, assistido aos colegas e feito discursos generosos. Acho lindo essa ideia de passar o bastão, de pensar nas gerações futuras. O que ela disse foi um discurso de amor aos atores", ressalta a mineira. 

Prima Facie
Data: até 20 de outubro
Centro Cultural Banco Do Brasil – CCBB Belo Horizonte - Teatro I. Praça da Liberdade, 450, Funcionários.  De sex. a seg., às 20h. R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia)

Infância e adolescência nas coxias e palcos da cidade

Débora Falabella não lembra exatamente a primeira vez que esteve num teatro de Belo Horizonte como espectadora. Recorda apenas que foi muito cedo. Filha da cantora lírica Maria Olympia Falabella, que trabalhava no Palácio das Artes e fazia parte do coro da Fundação Clóvis Salgado, do ator, escritor e diretor Rogério Falabella, e irmã da também atriz Cynthia Falabella, ela admite que os três a influenciaram bastante. 

“Eu acompanhava meu pai nas coxias e minha mãe nos ensaios das óperas. Esses ensaios no Palácio das Artes me fascinavam. Lembro de assistir todos se arrumando para as apresentações: o teatro cheio, os bailarinos, o coral, a orquestra. Aquilo me causava um fascínio enorme. Minha irmã também, quando começou a fazer teatro, me marcou muito. Eu a acompanhava bastante. Acredito que todas essas referências foram decisivas para mim", reconhece a atriz, que também é irmã da produtora Junia Falabella.

A atriz admite que quem cresce no meio artístico convive com um estilo de vida muito próprio, principalmente quando a família toda está envolvida. “Claro que, dentro desse universo, cada um encontra o seu caminho. Eu poderia ter me interessado por algo diferente, até porque nunca houve uma influência direta ou pressão da minha família para isso. Mas não posso negar que fui influenciada por eles”, observa a mineira, que cursou um ano e meio de publicidade e propaganda, mas abandonou o curso após ser convidada para integrar o elenco das quarta e quinta temporadas da telenovela infanto-juvenil “Chiquititas”, uma co-produção da argentina Telefe e o SBT, em 1999.

Das primeiras peças que assistiu como espectadora, uma foi inesquecível: a montagem de “Mão na Luva”, com Yara de Novaes e Luiz Arthur (“grande ator e uma referência para mim, com quem já trabalhei”). “Aquele momento me deu muita vontade de estar em cena”, lembra a atriz, na época com 15 anos. A estreia como atriz foi no teatro amador, então estudante do Instituto Izabela Hendrix, onde ficou por dois anos. Já o primeiro trabalho profissional foi em uma peça infantil,  “Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Guará”, adaptação livre do escritor Ângelo Machado para o clássico texto de Charles Perrault. “Trabalhei com (a atriz, diretora, figurinista e produtora cultural) Mamélia Dornelles (1936-2025) e com (o diretor, ator e dramaturgo) Jota Dangelo, duas pessoas muito queridas e importantes para a cultura de Belo Horizonte. Tenho lembranças muito lindas dessa época”, salienta.

Quando criança e adolescente, ainda morando na capital mineira, gostava de ir à Praça da Liberdade, ao Parque Municipal e ao Parque das Mangabeiras. “O Mercado Central também era um passeio que adorava fazer com meu pai. Na adolescência, frequentava a Savassi, os bairros Floresta e Santa Tereza. Ia muito à Obra (casa noturna na Savassi), que felizmente ainda existe. E estava sempre no teatro, já que meus pais trabalhavam ali”, recorda.

Perguntada sobre quais lugares quem não conhece a capital mineira e vem aqui pela primeira vez deveria conhecer, ela sugere: “Eu diria para ir à Praça da Liberdade, que está em um momento lindo, com uma programação cultural intensa. O Mercado Central, que sempre frequentei com meu pai. O Mercado Novo, que é mais recente e acho um lugar muito charmoso, com opções interessantes para quem visita a cidade. E, é claro, a feira de domingo (feira de artesanato), na avenida Afonso Pena”, aponta.

Parceria com Yara de Novaes e mãe de adolescente

“Prima Facie” é mais uma parceria bem-sucedida de Débora Falabella com a também atriz e diretora mineira Yara de Novaes. As duas começaram a trabalhar juntas, em 2003, em “Noites Brancas", adaptação do clássico do russo Fiódor Dostoiévski, dirigido por Yara. No  palco, dividindo a cena com Débora, o ator Luiz Arthur. “Tinha 16 anos quando trabalhei com Yara pela primeira vez em Minas e sempre a admirei. Com o tempo nos tornamos grandes amigas. Tivemos uma companhia por 17 anos (o Grupo 3 de Teatro). Atuamos juntas, Yara me dirigiu várias vezes. Dirigindo ou contracenando, ela sempre melhora quem está com ela. Além de tudo é uma amiga leal, generosa e muito divertida. Uma sorte grande ter a Yara na vida”.

Casada há três anos com o diretor paulistano Fernando Fraiha, Débora é mãe de Nina, de 16 anos, fruto de seu antigo relacionamento com o músico Chuck Hipolitho. E como é conciliar o papel de mãe de adolescente com a carreira de atriz? “Concilio como qualquer mulher que trabalha, e também como qualquer homem que sempre trabalhou e cuidou de seus filhos. Aprendo demais com minha filha e acho a adolescência fascinante. Não que seja fácil, mas é muito lindo observar como essas novas gerações veem o mundo”.

A BH de Débora

Praça da Liberdade
“Está em um momento lindo, com uma programação cultural intensa”
 
Mercado Central
“Sempre frequentei com meu pai”.
 
Mercado Novo
“Acho um lugar muito charmoso, com opções interessantes para quem visita a cidade”
 
Feira de Artesanato
“A feira de domingo, na avenida Afonso, também sugiro, é claro”

Confira abaixo os projetos de Débora Falabella no cinema

“Quinze Dias”, direção de Daniel Lieff

“É uma adaptação de um livro lindo do Vitor Martins. Eu faço a mãe de um adolescente gay que está descobrindo o amor. É um filme delicado, jovem, que fala sobre autoconhecimento e descobertas. E tive o prazer de trabalhar com atores muito talentosos e jovens".
Previsão de lançamento: segundo semestre de 2025

“Pele de Rinoceronte”, direção de Marcelo Ludwig Maia

“Gravamos no início do ano. Faço uma jornalista que cobre um caso de feminicídio nos anos 1970 e, nesse processo, começa a reconhecer violências que vive na própria vida”
Previsão de lançamento: 2026

“Cacilda Becker em Cena", direção de Júlia Moraes

Débora interpreta a icônica atriz brasileira, que morreu 39 dias depois de sofrer um derrame cerebral (ou aneurisma) durante um intervalo da peça “Esperando Godot”, em 1969. A narrativa acompanha a protagonista se transformando cena a cena, fundindo-se às personagens que marcaram sua carreira. Mariana Ximenes também participa interpretando a atriz Tônia Carrero.
Previsão de lançamento: 2026

Débora: pontos de vista

Artistas mineiros
 
“Minas sempre teve artistas consolidados e maravilhosos na música, no teatro, na dança, nas artes visuais, na literatura e no cinema. O teatro mineiro é enorme, com grupos como o Galpão, Luna Lunera, Espanca, Giramundo. O cinema também é muito efervescente. Minas sempre produziu muito. Esses artistas sempre foram referência para mim”.

“Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa” (2025) (disponível no Prime Video)
 
“Eu já tinha trabalhado com o público infantil, tanto quando comecei, fazendo muito teatro infantil, quanto em ‘Chiquititas’. E, no cinema, participar desse filme lindo para crianças, e não só para as crianças, mas também para a família, foi uma experiência muito especial. Acho importante que se façam filmes voltados para o público infantil, até porque estamos formando as plateias do futuro".

Sucesso na TV
 
“Tanto Nina, de 'Avenida Brasil' (2012), quanto a Mel de 'O Clone' (2001), são personagens que ficaram muito populares, até porque foram novelas de enorme reconhecimento e alcance. São personagens pelas quais sou lembrada até hoje, inclusive pelas gerações mais jovens que têm assistido às novelas no streaming. Acho que a TV nos proporciona isso: esse reconhecimento e esse alcance popular”.

Cinema, teatro ou TV?

“Cresci fazendo teatro, é onde mais me identifico. Adoro estar no palco, mas também gosto muito de fazer televisão e cinema. Procuro construir minha carreira alternando entre eles. O cinema me interessa pela forma como é feito, a TV pelo alcance que proporciona e pelo exercício de adaptação que exige, e o teatro por ser a minha origem e a base do meu trabalho”.

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