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Inhotim recebe primeira grande mostra individual de Edgar Calel no Brasil

Exposição de longa duração traz obras comissionadas e instalações imersivas que conectam Guatemala e Minas; mostra fica em cartaz até 2027


postado em 03/10/2025 09:24 / atualizado em 03/10/2025 09:27

O artista guatemalteco Edgar Calel(foto: Divulgação)
O artista guatemalteco Edgar Calel (foto: Divulgação)
O Inhotim inaugura na Galeria Lago, a partir do próximo dia 18 de outubro, a exposição “Ru Jub’ulik Achik’ – Aromas de um sonho”, primeira grande individual de Edgar Calel no Brasil. O artista guatemalteco, reconhecido por entrelaçar arte contemporânea e cosmovisão kaqchikel-maia, apresenta um conjunto de obras, em sua maioria comissionadas pelo museu, que ressaltam o caráter comunitário, espiritual e político de sua produção. A mostra de longa duração permanece em cartaz até 2027.

Para receber o projeto, o espaço expositivo foi transformado: em vez de paredes de arquitetura tradicional, o público encontra a terra como elemento central, conduzindo o percurso. O gesto conecta a paisagem vulcânica da Guatemala aos relevos e solos de Minas Gerais, criando pontes entre territórios, imaginários e contextos políticos.

“Calel nos convida a uma reflexão ampla sobre território, a partir da cosmovisão kaqchikel-maia. Para nós, enquanto instituição, é fundamental nos aproximarmos de perspectivas que tratam do aprendizado com a natureza e oferecem novos olhares sobre os desafios contemporâneos e sobre os territórios que habitamos. Esses temas atravessam a exposição, mas também reverberam em nossas práticas de gestão e de governança. Trata-se de um compromisso manifesto desta exposição e que orienta a programação do Inhotim como um todo”, afirma Júlia Rebouças, diretora artística do Inhotim.

No percurso de “Ru Jub’ulik Achik’ – Aromas de um sonho”, o visitante é conduzido por obras feitas de folhas, pedras, madeira e terra, elementos naturais que narram histórias e testemunham cosmologias dos povos originários. Em In b’aqil [Sou um pedaço de osso] (2005), o artista descasca o reboco do prédio da galeria, em um gesto de investigação das camadas de ocupação do espaço arquitetônico e do território. Outras criações se destacam pela escala, como Q’eq Ulef Xan [Parede de terra fértil] (2025), bordado monumental de oito metros feito em colaboração com sua família, e Kej-chi’ch’ [Veado de metal] (2025), escultura em tamanho real da caminhonete vermelha da família, cercada por 18 figuras humanas também em escala real — trabalho realizado em parceria entre o Ateliê do Inhotim e o artista.

A mostra culmina em um ambiente doméstico imersivo, que evoca o ateliê-casa de Calel em San Juan Comalapa, na Guatemala. Da janela desse espaço íntimo, é possível ver Tab’el [Lugar sagrado para não esquecer] (2025), altar de pedra com velas e objetos religiosos instalado na área externa da galeria.

“Nessa exposição apresento trabalhos que surgem da experiência e da convivência que tive com minha avó durante a infância. Muitas obras vêm de memórias: de sons, de cantos, de rezas nas montanhas, de oferendas, de imaginar mover uma pedra no ar, ou de perceber um avô ou uma avó na forma de pedra. Acredito que esta é uma das exposições mais emblemáticas que realizei nos últimos dez anos, porque as obras têm a dimensão necessária e o tempo de permanência adequado”, reflete Edgar Calel.

Ao todo, doze trabalhos foram comissionados pelo Inhotim, entre eles Ru b’ix Qa Tzub’al [Canto visual para nosso espírito], Aqu’omanik Paruwi Juyu’ [Cura sobre as montanhas] e Nimajay kaqchikel [Casa grande Kaqchikel]. Três outras obras já existentes integram o percurso, ampliando os diálogos do projeto curatorial assinado por Beatriz Lemos e Lucas Menezes. Todos os títulos estão em kaqchikel, língua maia falada na Guatemala Central, sempre acompanhados de versão em português.

A concepção da mostra foi resultado de pesquisa que incluiu a primeira visita do artista a Brumadinho, em 2024, e, posteriormente, uma viagem das equipes de curadoria, ateliê e educação do Inhotim à Guatemala. “A produção de Edgar Calel tem raízes profundas em sua cidade natal. A medida que avançávamos na pesquisa e discutíamos as questões-chave e os primeiros projetos para a exposição, ficou claro que era fundamental estar com o artista em seu território. A relação que o artista estabelece com sua ancestralidade maia não é referencial, ela está presente em todas as dimensões do cotidiano. Entendendo isso, saímos da Guatemala com o projeto pronto, tudo tinha o seu lugar, víamos tudo integrado. O resultado é a realização de uma mostra sem precedentes na carreira do artista”, comenta Lucas Menezes, cocurador.

Durante esse processo, Calel autorizou pela primeira vez que parte de sua obra fosse produzida fora de seu ateliê familiar. O encontro com a equipe do Ateliê Inhotim resultou em um eixo de trabalho entre San Juan de Comalapa e Brumadinho. “Ao falar da minha família, reconheço também a importância da conexão entre ela e toda a equipe que se dedicou a produzir as ideias nos ateliês do Inhotim. Há uma conexão profunda entre um ponto e outro, entre um povo e outro. O que existe é algo tão bonito e tão importante: reconhecer que a arte contemporânea está sendo feita a partir dos povos. Esse enfoque é fundamental, pois também se trata da memória dos povos que estamos transportando por meio dessas obras”, reflete Calel.

Para a produção das esculturas de Veado de metal, colaboradores do Inhotim serviram como modelos para a confecção de moldes, posteriormente preenchidos com argila — técnica que remete a experiências realizadas pelo museu em meados dos anos 2000 com artistas como John Ahearn & Rigoberto Torres.

“O Inhotim se orgulha muito de capacidade para produzir grandes e complexos projetos artísticos. Foi a partir dessa vocação que a Instituição conseguiu ser o que é e se tornar um projeto tão único. Nessa exposição, tivemos a honra de conectar o nosso ateliê ao ateliê familiar do artista, materializando e reforçando um diálogo existente na exposição: o que acontece entre os territórios de Brumadinho, Brasil, e da San Juan de Comalapa, Guatemala”, conclui Júlia Rebouças.

Exposição: Ru Jub’ulik Achik’ – Aromas de um sonho, de Edgar Calel
Abertura: 18 de outubro de 2025
Local: Galeria Lago — Inhotim, Brumadinho

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