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Estado de Minas GASTRÔ

Escritor francês lança livro sobre indústria do tomate em BH

Obra traz curiosidades sobre o consumo no mundo, como o fato de a China ser a maior exportadora do planeta


postado em 11/09/2019 13:06 / atualizado em 12/09/2019 14:45

O diretor e escritor francês Jean-Baptiste Malet(foto: Divulgação)
O diretor e escritor francês Jean-Baptiste Malet (foto: Divulgação)
Ele está na mesa de muitos brasileiros. Na salada, na bolonhesa do macarrão, em molhos diversos. Passa até uma ideia de que veio de uma horta próxima direto para a nossa refeição. Raramente é o caso. O tomate, como diversas outras iguarias, é um produto global, que se apresenta em diferentes formas, várias delas extremamente industrializadas. A pesquisa ao longo dos anos foi capaz de gerar tomates mais resistentes, que não explodem ao ser jogados de um lado para o outro no caminho da fábrica. A China, país que não tem a cultura de consumo de molho de tomate, se tornou em 20 anos a maior exportadora de concentrado de tomates do mundo – e até o Brasil compra o produto de lá. E esses enlatados nem sempre são transparentes, em seus rótulos, em relação aos ingredientes que estão lá dentro. Essa indústria, assim como outras, também emprega mão-de-obra em condições indignas ao redor do mundo. “É um produto que representa o que há de melhor e de pior da globalização”, diz o diretor e escritor francês Jean-Baptiste Malet, que lança nesta quarta-feira (11), em BH, o livro “O Império do Ouro Vermelho – A História Secreta de uma Mercadoria Universal”, traduzido para oito idiomas e publicado no Brasil pela editora Autêntica. O lançamento, com presença de Malet, acontece no Sesc Palladium, onde também será exibido o documentário sobre o tema. Malet conversou com Encontro sobre o livro e sua investigação dessa indústria. Confira:

 
De onde veio a inspiração para falar sobre o tomate?

Em 2011, descobri a existência de uma fábrica de conservas em Vaucluse (na Provence, França), "Le Cabanon", que foi comprada pelo exército chinês em 2004. Surpreendido pela presença do Exército Popular em um campo tão distante de preocupações militares, eu quis conhecer os líderes da empresa chinesa, que se recusaram categoricamente a me receber ou me deixar visitar o local. Isso não me desencorajou. Dei uma olhada pelas grades, vi barris grandes, tambores azuis de 230 kg de triplo concentrado, rotulados como "Made in China". Essa descoberta me assombrou. Fiquei ainda mais intrigado porque cresci assistindo minha avó fazer comida enlatada para tomate. Algumas décadas atrás, na Provence, era um ritual familiar transformar seus próprios tomates em molho. Descobrir barris de pasta de tomate da China em Vaucluse me pareceu uma loucura.
 
Livro
Livro "O Império do Ouro Vermelho %u2013 A História Secreta de uma Mercadoria Universal" será lançado nesta quarta (11) em BH (foto: Divulgação)
Poderia falar sobre o fato de o filme e o livro tratarem não apenas de tomate, mas da globalização?

Cerca de um século atrás, a humanidade consumia pouquíssimos derivados de tomate, mas hoje é uma mercadoria universal. Vários episódios históricos ajudaram a tornar o tomate industrial uma mercadoria universal. Mas a indústria do tomate realmente nasceu no norte da Itália no final do século XIX. A grande demanda por tomate enlatado da diáspora italiana estimulou uma demanda mundial por esse produto. Os milhões de imigrantes italianos do final do século XIX e início do século XX foram os verdadeiros embaixadores da indústria do tomate. Nesta história tecnológica, devemos mencionar também a política da autarquia agrícola na Itália, sob o fascismo, que racionalizou consideravelmente as culturas, desenvolveu pesquisas no agronegócio e faz da caixa de tomate um símbolo ideológico. O paradoxo dessa história é que esse avanço tecnológico da indústria italiana permitiu, após a guerra, que os industriais italianos globalizassem sua indústria: eles possuíam as melhores ferramentas industriais. A invenção do barril asséptico de massa de tomate nos Estados Unidos e seu uso a partir da década de 1980 incentivou a expansão da indústria global da nova maneira neoliberal: o fluxo de tomates industriais agora poderia ser intercontinental. E a produção, isto é, o cultivo extensivo, poderia ser realocada. Este tem sido o caso em larga escala, particularmente na China.

No Brasil, o tomate é referência para preços e já foi até símbolo de alta da inflação. Isso acontece também na França?

Não medimos a inflação na França com tomate, mas continua sendo um indicador muito relevante para analisar a economia mundial. Um dos paradoxos do tomate é que poderíamos realmente viver sem ele, não é um alimento essencial, não é extremamente interessante do ponto de vista nutricional para o corpo humano. No entanto, toda a humanidade come e ninguém parece capaz de sobreviver sem isso. Na minha opinião, seu papel é acima de tudo simbólico. Sua história, sua circulação, as condições de produção são representativas do melhor e do pior da globalização. Um tomate pode ser delicioso; um molho de tomate pode ser extraordinário. Mas este mercado também é dominado por produtos vis, não apenas em termos de nutrição e sabor, mas também do ponto de vista ambiental e social. Na China, onde fui investigar este livro, vi crianças colhendo tomates da indústria. Esses tomates não são consumidos na China, mas vendidos para grandes multinacionais ocidentais que produzem, por exemplo, ketchup.
 
O que pode falar sobre o mercado de tomate no Brasil?

O Brasil, como a maioria dos países do mundo, importa tomates industriais. Na América do Sul, o Chile é um dos países mais importantes em termos de produção. Um terço do concentrado encontrado no Brasil vem do Chile. Mas nos produtos de primeiro preço que os brasileiros consomem, também há tomate chinês. O Brasil importou mais de US$ 5 milhões em concentrado de tomate da China em 2017 (mais de US$ 13 milhões para o Chile).  Na minha opinião, isso é loucura. A América do Sul é a bacia original do tomate, este continente não deve importar tomate chinês ou italiano. Os tomates italianos representam 85% das caixas de tomate pelado encontradas no Brasil. Mas tudo isso deriva da velha ideologia liberal do século XVIII, segundo a qual atravessar o Atlântico em busca de um tomate produzido por escravos do outro lado do mundo é uma coisa boa. O que eu acredito é que o Brasil pode e deve produzir todos os seus tomates. Mas, para isso, devemos questionar o dogma liberal e, portanto, o livre comércio.
 
O documentário mostra um lado cruel desse mercado, com a exploração de mão-de-obra, desemprego. Como vê o futuro dessa indústria?

Eu acredito que o futuro da economia global depende dos cidadãos. Os cidadãos terão sucesso amanhã na construção de uma economia global que atenda às necessidades humanas? Acredito que é necessário pensar nas fronteiras aduaneiras e nos padrões sociais e ambientais. Rico ou pobre, temos o direito de saber o que comemos. Todos os produtos devem ser produzidos com a mais perfeita transparência. Temos de criticar os tratados de livre comércio que impõem bens de baixa qualidade em todo o mundo que exploram trabalhadores e destroem o único planeta em que vivemos. Não é apenas um debate político. O mesmo vale para a nossa dignidade.

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