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Estado de Minas

Aqui me tens de regresso


postado em 05/04/2012 11:26

As funcionárias públicas Liana Portilho, Helena Dolabela e Silmara Goulart: de Lourdes para as mesin(foto: Samuel Gê e Eugênio Gurgel)
As funcionárias públicas Liana Portilho, Helena Dolabela e Silmara Goulart: de Lourdes para as mesin (foto: Samuel Gê e Eugênio Gurgel)

São quase sete horas da noite e a calçada da rua da Bahia, entre avenida Augusto de Lima e rua Guajajaras, começa a ser preenchida por cadeiras de plástico amarelo. Paliteiros e cardápios são posicionados despretensiosamente nas mesas. Com a chegada dos primeiros fregueses, alguns cascos vazios de cerveja já se enfileiram ao pé das cadeiras. Começam os trabalhos para o happy hour de uma das esquinas mais famosas de Belo Horizonte. Se esse quarteirão falasse, contaria décadas de boemia e agitação cultural desta tímida metrópole brasileira.

 

Edifício Maletta: o gigante cinquentão volta a receber intensa movimentação em seus bares , lojas e galerias
 

 

Os bares do hipercentro, rotulados de “copo-sujo”, são hoje frequentados por muitos sapatos de grife e cartões de crédito internacionais. É que os restaurantes, cafés e espaços culturais desta região têm atraído não só seus costumeiros fregueses (artistas marginais e moradores do centro), mas também muitos jovens do circuito centro-sul.

 

Museu Inimá de Paula, um dos mais modernos espaços culturais de BH: ele também faz parte do circuito boêmio da rua da Bahia
 

 

O quarteirão da rua da Bahia, entre Augusto de Lima e Guajajaras, concentra um número considerável de ícones histórico-culturais de Belo Horizonte. Ficam lá o Museu Inimá de Paula, o Centro de Cultura de Belo Horizonte, a Praça Afonso Arinos (mais famosa pela placa de bronze com a frase de Rômulo Paes “Minha vida é esta: subir Bahia, descer Floresta”), o restaurante La Greppia e o gigante Edifício Maletta (condomínio residencial e comercial que abriga espaços novos e tradicionais).

 

 

Noite agitada na varanda do Edifício Maletta: ao fundo, os prédios centenários da rua da Bahia
 

A historiadora e especialista em gestão cultural Maria Helena Cunha aponta a importância da retomada maciça dessa região pelos jovens: “Não tenha dúvida, estamos assistindo a uma reocupação do centro da cidade por movimentos culturais, não só no Edifício Maletta, mas em outros pontos como, por exemplo, a Praça da Estação e seu entorno”. Segundo Maria Helena, a retomada da valorização dos centros urbanos é uma tendência mundial. Ela explica que a localização estratégica (rua da Bahia com avenida Augusto de Lima) e a arquitetura eclética são fatores que estimulam o diálogo com a rua. “É natural que uma região histórica como esta promova, por meio de suas varandas e novos espaços, o deslocamento e a convergência de movimentos culturais e sociais da cidade”, diz a historiadora.

 

 

Ruimar Barbosa, do Café Kahlúa; "As pessoas vêm aqui para se reunir, para trabalhar, criar, desenhar"
 

 

Muito do sucesso atual desse quarteirão se deve à recente “redescoberta” do Maletta. Há cerca de dois anos, novos bares e espaços culturais escolheram o cinquentão belo-horizontino como sede. E não é que deu certo? Tem para todos os gostos. Os bares Arcângelo e Biografias, as inovadoras galerias de arte Quina e Ystilingue, a charmosa loja Satisfeita Yolanda?, e a consagrada Cantina do Lucas, que já serviu Milton Nascimento e o pessoal do Clube da Esquina e é patrimônio histórico e cultural da cidade desde 1997. As livrarias são tantas que não couberam na frase anterior: são mais de 20 sebos e lojas especializadas em literatura e música, como a Livraria Shazan, tradicional destino de intelectuais, colecionadores e ávidos leitores desde a década de 1960.

 

 

Galeria Ystilingue, que todas as sextas-feiras abre as portas para exposição de obras de arte urbana: 200 visitantes por noite
 

 

Se não fosse pela boemia, o Maletta já seria ponto de visitação por um fato curioso: seu lobby abrigou a primeira escada rolante de Minas Gerais. Hoje, a escada não rola mais, mas ainda serve de acesso à sobreloja, onde estão os bares mais famosos do momento. Logo na chegada ao segundo piso é possível encontrar os sebos e o tradicional bar Lua Nova, que já foi chamado de “Lua Nava” por ter sido reduto de escritores como José Nava (irmão de Pedro) e Murilo Rubião. Mas é na varanda que estão as novidades. Desde 2010, duas iniciativas de sucesso têm chamado a atenção do público: os bares Biografias e Arcângelo. 

 

Chegue cedo ou não se incomode de ficar de pé se quiser tomar uma cerveja no Arcângelo. Depois das 21h é quase impossível encontrar uma mesa por lá. Pode ser desconfortável para os mais tradicionais, mas parece não incomodar as centenas de frequentadores diários do local. O estudante de design gráfico, Brenner Guerra, é vizinho e freguês do Arcângelo. “Moro neste quarteirão da rua da Bahia e vou ao Arcângelo desde a inauguração. Eu gosto do fato de ele ser frequentado por pessoas diferentes, de todos os tipos: desde patricinhas até indies, hippies, gente do interior e assim vai”, conta Brenner.

 

O estudante Brenner Guerra, frequentador assíduo do Arcângelo: “Poucos lugares da cidade são tão despretensiosos e divertidos como o centro”
 

 

O Arcângelo foi inaugurado em 2010 e fica localizado no camarote do quarteirão: na sobreloja do edifício Maletta, com vista para a rua da Bahia. O proprietário, o escultor argentino Santiago Calonga, conta que o bar, que já recebeu a visita dos ícones cult Matheus Nachtergaele e Elke Maravilha, tem atraído cerca de 150 “amigos e desavisados” por noite.

 

Para ele, a proposta do Arcângelo tem agradado e chamado a atenção dos jovens porque se assemelha à de bares “copo-sujo” de Barcelona e outras cidades europeias. “O ambiente aqui é mais honesto, deixa as pessoas à vontade, tem fiação aparente, cadeiras diferentes, e a decoração é feita com objetos e obras cedidas por amigos”, explica Santiago.

 

O estudante Gabriel Lago (esq.) e amigos são frequentadores assíduos: "Aqui tem o melhor café da cidade"
 

 

O vizinho de varanda e sócio-proprietário do Biografias, Leonardo Cançado, completa: “É no centro da cidade que as coisas acontecem, onde passam todos os tipos de pessoas, onde tem vida pulsando. Muitos empresários têm percebido isso e os negócios têm dado certo por aqui”. O Biografias tem proposta mais light, embalada por jazz, clima mais tranquilo e pratos cuidadosamente preparados pelo chef e sócio Rodrigo Freitas. 

 

Saindo do Maletta pela rua da Bahia, e só olhar à direita. O La Grepia serve diariamente cerca de 300 refeições na hora do almoço. À noite, a casa chega a receber cerca de outros 500 fregueses, entre moradores tradicionais do centro e jovens em busca do lanchinho pré ou pós-balada. A proprietária, Silvana Paradela, conta que há um fluxo considerável depois das 4h da madrugada. “É a moçada que vem comer depois das festinhas”, explica. Silvana e os outros empresários do quarteirão afirmam que mantêm relação tranquila e de parceria. “Cada um tem sua proposta e seu público. Somo quase aquela vizinhança de pedir açúcar emprestado”, brinca Silvana.

 

Um dos vizinhos dela é Zé Geraldo, dono do sempre lotado Sindicato do Chope. São dele as cadeiras amarelas que preenchem a calçada da rua da Bahia, e é ele quem serve as famosas torres de chope. O movimento começa no happy hour e segue até o último cliente. “Mas aqui enche mesmo é a partir das 22h, depois que acabam as aulas dos universitários”, conta o proprietário.

 

Dobrando a esquina, na rua Guajajaras, está um dos estabelecimentos mais charmosos da cidade. O Café Kahlúa, inaugurado em 1996, também compõe esse circuito cultural extra-oficial de Belo Horizonte. O proprietário, Ruimar Barbosa, conta que o café funciona como ponto de encontro para muitas pessoas que vão ou chegam do Sesc Paladium, Palácio das Artes ou Cine Belas Artes. O ambiente aconchegante, a música suave e a internet sem fio também transformaram o Kahlúa no local ideal para reuniões de universitários e profissionais liberais. Ruimar, além de proprietário, é grande fã do centro de Belo Horizonte. “As pessoas vêm aqui para se reunir, para trabalhar, criar, desenhar... O Kahlúa tem uma atmosfera agradável e que permite diversos usos por quem o frequenta. Assim como o próprio centro. Acredito muito nessa região de BH, é super cult”, diz.

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