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Estado de Minas

O gênero crônica


postado em 28/01/2013 11:08

As definições de Fernando Sabino, Neide Magalhães e Antônio Houaiss para o gênero crônica nada têm de antagônicas: são complementares. Houaiss, o grande lexicógrafo, diz que na rubrica jornalismo crônica é “coluna de periódicos, assinada, dedicada a um assunto (atividades culturais, política, ciências, economia, desportos, etc.) ou à vida cotidiana, contendo notícias, comentários, opiniões, às vezes críticas ou polêmicas”.

 

Neide, grande editora, informa que a crônica, pela nova diagramação, deve ter 4.200 caracteres com espaços e faço tudo para acertar. Já consegui um texto com 4.206 caracteres com espaços e lá vou pelejando até alcançar a perfeição diagramática. Para que o pacientíssimo leitor faça ideia, até aqui esta crônica tem 739 caracteres com espaços. Fernando Sabino, um dos melhores cronistas brasileiros de todos os tempos, simplificou as coisas: “Crônica é tudo que a gente chama de crônica”.

 

Realmente, o significado de qualquer assunto sempre foi muito complicado. O Google tem mais de 6 milhões (!) de entradas para “definir é limitar”, uma delas para Oscar Wilde em O Retrato de Dorian Gray. Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde (1854-1900) era um gênio. Bissexual, transou com um rapazola nobre e foi processado pelo marquês de Queensberry, pai do namoradinho. Preso durante dois anos, perdeu a saúde, a fortuna e a maioria dos amigos, morrendo de meningite, alcoolismo e sífilis.

 

Falávamos de quê? Ah, já me lembro, do gênero crônica. Fui ao Google para confirmar o nome completo de Wilde e aconteceu um fenômeno que tenho observado repetidas vezes: na consulta, oferta do livro A Dimensão Oculta pela Saraiva, R$ 58. Como publiquei num jornal, recentemente, um elogio ao ótimo livro de Edward Hall, remetido via internet, algum “sistema” informático captou meu escrito e desandou a oferecer o livro que tenho faz tempo.

 

Depois que mudei do Windows XP para o Windows 7 Ultimate, o “sistema” me consultou pedindo autorização para estudar e talvez incluir em seu editor de textos palavras que uso regularmente. Lembro-me de duas: ruminanças e apê. Se isso não é o fim do mundo em matéria de controle das pessoas, anda próximo.

 

E assim chegamos aos 2.191 caracteres com espaços, sem muito espaço para ornejar sobre o gênero crônica. Labuto nele há meio século, tenho mais de 10 mil crônicas arquivadas e alguns metros de estantes com as recortadas e encadernadas com as datas e os veículos em que foram publicadas. Vivo exclusivamente das crônicas há mais de 20 anos, mas é exclusivamente mesmo. E vivo bem.

 

Não é verdade que o gênero seja exclusivamente brasileiro. Tenho lido péssimos “cronistas” brasileiros, hoje publicados em grandes jornais, como também li brilhantes cronistas estrangeiros. Byll Bryson, americano que viveu muitos anos na Inglaterra, deu-nos o livro Crônicas de um País Bem Grande, que é das melhores coisas já publicadas no gênero. Em questões escritas, Bryson é um gênio. Tem livros como Em casa, Uma Breve História da Vida Doméstica, e o Breve História de Quase Tudo – imensos, 500 páginas em letras miúdas, nos quais deve contar com equipes de pesquisadores, porque é humanamente impossível que um único sujeito tenha tempo de recolher todas aquelas informações.

 

Por uma questão de estilo e temperamento, costumo recorrer à ironia, que é o lirismo da desilusão. Frase de grande cronista brasileiro, João do Rio, pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto (1881-1921), jornalista, escritor, tradutor, obeso, homossexual, eleito para a Academia Brasileira de Letras em sua terceira tentativa. Quando enfartou, seu enterro reuniu cerca de 100 mil pessoas e deve ter sido um dos maiores da história do Brasil, considerando a população do Rio em 1921.

 

Afastou-se da Academia quando foi eleito o poeta Humberto de Campos, seu desafeto. Consta que sua mãe, informada de sua morte, avisou que o corpo não poderia ser velado na Casa de Machado de Assis, pois o filho não aprovaria a ideia.

 

E assim se conta como é possível escrever uma página sobre o gênero crônica, citar uma porção de gente e não chegar a uma conclusão que se aproxime da definição do Fernando, da exigência da Neide e da dicionarização  do Houaiss.

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