Estado de Minas MEIO AMBIENTE

Jorge Velloso destaca protagonismo de Minas na conservação ambiental

Superintendente da Fundação Biodiversitas ressalta o papel estratégico das Reservas Particulares do Patrimônio Natural na proteção da natureza no Brasil


postado em 11/06/2025 09:51 / atualizado em 11/06/2025 10:01

Jorge Velloso, Superintendente da Fundação Biodiversitas(foto: Quéli Unfer/divulgação)
Jorge Velloso, Superintendente da Fundação Biodiversitas (foto: Quéli Unfer/divulgação)
Em ano emblemático para o meio%u202Fambiente, o Brasil se prepara para um duplo destaque no calendário global da sustentabilidade. Em novembro, Belém%u202F (PA) receberá a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP%u201130). Antes disso, porém, todas as atenções do setor ambiental se voltam para Minas%u202FGerais: pela primeira vez, o estado sediará o Congresso Brasileiro de Reservas Particulares do Patrimônio%u202FNatural (RPPNs) que terá a sua sétima edição realizada em julho, em Belo Horizonte. A escolha da capital mineira não é por acaso. Minas lidera, com folga, o ranking nacional de reservas particulares: são 399 RPPNs espalhadas pelo território estadual, protegendo mais de 117 %u202Fmil hectares de florestas, campos rupestres e nascentes. Esses refúgios criados e mantidos por proprietários privados complementam o esforço das unidades públicas de conservação, ampliando corredores ecológicos e fortalecendo a proteção da biodiversidade.

Uma das organizadoras do congresso é a Fundação Biodiversitas, sediada na capital  e referência nacional na conservação da biodiversidade e formulação de políticas públicas ambientais. Fundada em 1988, a instituição atua na proteção de espécies ameaçadas de extinção, na gestão de quatro RPPNs distribuídas entre os biomas da Mata Atlântica e Caatinga e no desenvolvimento de pesquisas científicas. Em entrevista a Encontro, o superintendente da fundação, Jorge Velloso, destaca a importância do evento, o papel estratégico das RPPNs na conservação da natureza e a urgência de apoio de empresas nacionais. “Quem cria uma RPPN está garantindo que aquela área estará preservada daqui a 100 anos, exatamente como está hoje. É como um selo de proteção perpétuo”, afirma ele. 

  • QUEM É: Jorge Velloso, 58 anos
  • ORIGEM: Salvador (BA)
  • FORMAÇÃO: Graduado em Administração de Empresas e especialista em Gestão Ambiental 
  • CARREIRA: Superintendente da Fundação Biodiversitas, coordenador do Programa Biomas da Bahia (2019/2024), coordenador do Programa Floresta Legal na Bahia (2012/2019), superintendente da Associação de Municípios do Baixo Sul da Bahia (2009/2011), conselheiro estadual do Projeto Corredor Central da Mata Atlântica (2006/2009), coordenador de relações institucionais da Organização de Terras do Baixo Sul da Bahia da Fundação Odebrechet (2004/2006), fundador do Instituto Água Boa (2004).

Encontro - A Fundação Biodiversitas é considerada uma das principais instituições ambientais do país. Como começou essa trajetória?

Jorge Velloso - A Biodiversitas nasceu há 36 anos, em Minas Gerais, fruto da iniciativa de cientistas comprometidos com a conservação. Desde o início, nosso trabalho foi orientado pela ciência e pelo desejo de transformar conhecimento em políticas públicas ambientais efetivas. A fundação investe na proteção de espécies da fauna e da flora nos ecossistemas brasileiros para que a natureza continue prestando os serviços essenciais: água, purificação do ar, madeira, alimentos, remédios que garantem a nossa existência. Desde 1988, a Biodiversitas se dedica à conservação de espécies ameaçadas de extinção, ao gerenciamento de quatro reservas privadas que juntas protegem mais de 3 mil hectares localizados nos biomas da Mata Atlântica e Caatinga, e ao desenvolvimento de estudos científicos aplicados ao aprimoramento da gestão ambiental no Brasil. Ao longo de sua história a fundação já realizou ou esteve diretamente envolvida em mais de 500 projetos de conservação em todo o território nacional. 

Quais foram algumas das contribuições mais significativas da fundação para o meio ambiente no país?

A criação das listas de espécies ameaçadas no Brasil é um bom exemplo. Fomos pioneiros nesse processo, baseando-nos na metodologia da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Elaboramos as primeiras três listas nacionais, e o Ministério do Meio Ambiente deu continuidade a esse trabalho essencial. Em Minas Gerais, todas as listas vermelhas de espécies ameaçadas até hoje foram feitas pela Biodiversitas. Contribuímos também com a definição de áreas prioritárias para conservação em biomas como Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga e Pampa, sempre em parceria com instituições renomadas. Os dados que produzimos embasam decisões dos governos federal e estaduais. Muitas unidades de conservação foram criadas a partir dessas informações, mostrando que ciência e política podem caminhar juntas.

O que são as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) e qual a sua importância na proteção ambiental? 
 
As Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) são unidades de conservação criadas e gerenciadas por proprietários particulares, com o objetivo de proteger áreas naturais e a biodiversidade. Sempre acreditamos que a conservação não pode depender apenas do poder público. Por isso, começamos a criar RPPNs e hoje mantemos quatro delas. Além disso, ajudamos na criação de quase 100 RPPNs em todo o Brasil. Além de incentivar a criação de reservas, investimos recursos, acionamos parceiros internacionais e adquirimos áreas com populações de espécies criticamente ameaçadas. Se a pessoa já tem um fragmento de Mata Atlântica, por lei não pode derrubar. Ao transformá-lo em RPPN, apenas formaliza a proteção, ganha visibilidade e, no futuro, pode acessar recursos via editais ou parcerias. Ou seja, há bônus: proteção legal, segurança patrimonial e possibilidade de apoio técnico e financeiro. Infelizmente, muitos proprietários enfrentam ameaças como caça ilegal, grilagem e invasão. Quando um caçador abate, não é só um bicho que morre, é uma história que se rompe.

Quais RPPNs são mantidas pela Biodiversitas?

Temos a Estação Biológica de Canudos, na Bahia, voltada à proteção da arara azul, e outras três em Minas. A RPPN Mata do Passarinho é considerada uma área globalmente importante para conservação de aves e fica na divisa entre Bandeira, Jordânia e Macarani. A RPPN Mata do Sossego fica em Simonésia, onde protegemos uma das últimas populações do muriqui-do-norte, o maior primata das Américas. Quando chegamos, havia apenas oito indivíduos, hoje estimamos cerca de 35, com vários registros de nascimentos. A RPPN Ninho da Tartaruga fica em Tombos e é o único projeto privado no Brasil voltado à conservação de quelônios de água doce. Fomos provocados por uma população crítica de cágado-do-rio-Paraíba. Investigamos, identificamos o ninho reprodutivo e adquirimos a área. Hoje é uma unidade protegida. Até o final do ano teremos ainda uma nova RPPN que reforçará a proteção dos muriquis que se chamará Eduardo Bazem, em homenagem ao ambientalista que descobriu a espécie na região nos anos 1990. 

Qual é a principal diferença entre unidades de conservação públicas e privadas, como as RPPNs?

As públicas são fundamentais, mas sua criação costuma ser traumática. O Estado identifica uma área estratégica e cria uma unidade por decreto, sem necessariamente desapropriar os imóveis. Isso gera insegurança para os proprietários. Já as RPPNs nascem do desejo voluntário de conservar. São pacíficas, efetivas e seguras para quem cria. O proprietário continua sendo dono da propriedade, apenas não pode intervir na área de preservação. Além disso, a propriedade se torna indisponível para desapropriação. Isso amplia a segurança patrimonial, algo que usamos inclusive como argumento para sensibilizar novos proprietários. Ao longo dos 35 anos da Biodiversitas, nunca tivemos uma RPPN invadida ou desapropriada. Quem cria uma RPPN está garantindo que aquela área estará preservada daqui a 100 anos, exatamente como está hoje. Se o proprietário quiser vender, pode, mas a RPPN permanece. É como um selo de proteção perpétuo. Além disso, o imóvel ganha um ativo ambiental, que valoriza a área em termos econômicos e ecológicos.

As RPPNs criadas pela Biodiversitas têm tamanhos variados. Como essas áreas são definidas?

Tudo depende da disponibilidade dos fragmentos e das espécies que queremos proteger. Por exemplo, a reserva das araras, na Bahia, tem 2,4 mil hectares, pois se tratam de aves com grande necessidade de espaço. Já a Mata do Passarinho tem 1,6 mil hectares, e estamos com um projeto com a Rainforest Trust para adquirir mais mil. A RPPN Mata do Sossego, em Simonésia, tem hoje 350 hectares, mas começamos comprando 170 hectares. Depois, o IBAMA fez uma compensação ambiental e nos cedeu mais 90. Em seguida, um grupo de cafeicultores da região se uniu e comprou mais um pedaço da área. Essa união de esforços mostra o poder de mobilização da conservação. Foi a partir da nossa RPPN que nasceu o primeiro corredor de biodiversidade de Minas Gerais, o corredor Sossego-Simonésia, que  liga nossa reserva à RPPN Miguel Abdala, protegendo o muriqui-do-norte em dois extremos da paisagem. Isso gerou um efeito multiplicador na proteção ambiental local.

A Fundação Biodiversitas é uma das organizadoras do VII Congresso Brasileiro de RPPN, que será realizado em Belo Horizonte no próximo mês de julho. Qual a relevância desse evento para o estado?

A Biodiversitas nasceu em Minas Gerais que é um estado muito importante para as RPPNs, pois é onde se concentra o maior número de reservas do Brasil. O evento ocorre no mesmo ano em que o movimento RPPnista completa 35 anos de história. O corredor da Serra do Espinhaço é uma das áreas mais ricas e belas de floresta savânica do mundo, no cerrado mineiro, e hoje já temos 89 RPPNs criadas só nessa região. Isso sem contar os parques estaduais, municipais e federais. É uma demonstração de como o proprietário privado também quer proteger. A diferença é que ele precisa de apoio. Nesta edição do congresso, vamos abordar o contexto da crise climática e da perda de biodiversidade. Para isso, vamos reunir especialistas, gestores e ativistas em um fórum essencial para impulsionar o debate sobre a necessidade das RPPNs e sua importância para a conservação ambiental do país. 

Qual a importância do evento no contexto da Conferência das Partes (COP30) das Nações Unidas sobre mudanças climáticas que acontecerá no Brasil, no próximo mês de novembro? 

A COP30 representa uma oportunidade vital para que países e comunidades se unam em esforços coletivos para proteger os ecossistemas. Neste cenário, as RPPNs emergem como ferramentas fundamentais na preservação da biodiversidade e na mitigação das emissões de carbono, além de promover práticas sustentáveis. 

Acreditamos que a conservação começa com o exemplo. Não basta defender ideias no papel. É preciso agir, adquirir áreas, proteger espécies, envolver comunidades e persistir. A natureza brasileira precisa de defensores comprometidos e é isso que nós somos.

Qual a contribuição da Biodiversitas no mercado voluntário e o que são os créditos de biodiversidade?

Entramos no mercado voluntário porque percebemos que há muita gente, no Brasil e no mundo, disposta a ajudar a manter a biodiversidade, especialmente sabendo das dificuldades que enfrentamos por aqui. Já temos mais de 16 RPPNs, de parceiros nossos, recebendo créditos de biodiversidade. Um dos temas centrais do próximo Congresso Brasileiro de RPPNs será “sustentabilidade e planejamento de floresta em pé”. Durante muitos anos criamos quase 100 RPPNs entre as nossas quatro e as de parceiros que nos procuraram. Agora, estamos focados em encontrar mecanismos que tornem essas áreas sustentáveis, transformando-as em verdadeiros ativos ambientais.

A remuneração por floresta em pé seria um incentivo econômico para quem cria uma RPPN?

Estamos trabalhando com startups brasileiras de ponta na conservação para viabilizar essa remuneração por floresta em pé. A RPPN pode gerar créditos de carbono por meio do REDD+, que remunera a não emissão de gases de efeito estufa (GEE) provenientes de desmatamento evitado, degradação florestal, conservação de florestas, manejo sustentável e aumento dos estoques de carbono florestal. Também realizamos estudos de biodiversidade para identificar ativos ecológicos que podem ser monetizados de forma ética e sustentável. Essa abordagem econômica da conservação muda a lógica da proteção. A floresta deixa de ser vista como obstáculo ao desenvolvimento e passa a ser reconhecida como geradora de valor. Isso atrai mais proprietários, mais parceiros, e garante a viabilidade financeira da conservação a longo prazo. 

Qual é a dimensão do esforço de conservação privada hoje no Brasil e do que se trata  a lei de pagamento por serviços ambientais? 

Hoje, temos cerca de 149 mil hectares de RPPNs no país. São áreas protegidas por proprietários privados que não geram nenhum custo ao governo, nem de desapropriação, nem de manutenção. O mínimo que se espera em troca são políticas públicas de apoio, mas infelizmente elas ainda são escassas. Já existe no Brasil uma lei de pagamento por serviços ambientais que visa incentivar a conservação e recuperação de recursos naturais por meio da remuneração de atividades que proporcionam serviços ambientais, como a preservação de florestas e a proteção de recursos hídricos, mas ela ainda é pouco aplicada. Esse é um dos nossos focos: transformar esses serviços em valor reconhecido. Em termos financeiros, o proprietário de uma RPPN não recebe praticamente nada do governo e manter uma RPPN não é fácil. Há custos com vigilância, monitoramento, manutenção de trilhas, equipamentos, regularização fundiária, georreferenciamento, desembaraço de inventários. Hoje, quem cuida da floresta, cuida por amor, por consciência, mas enfrenta grandes desafios. 

O ICMS Verde pode ajudar os proprietários que têm RPPNs ?

O ICMS Verde é uma boa ideia, mas mal executada. Em Minas Gerais, por exemplo, os municípios que têm RPPNs recebem uma fatia maior do ICMS, mas esse recurso vai para a prefeitura e não chega ao proprietário da RPPN. Entendemos que quem mantém a floresta deveria ter parte desse retorno e por isso estamos buscando soluções. Neste ano, fechamos uma parceria com o Sebrae Minas para criar o primeiro módulo de planejamento e gestão de imóveis com RPPN no Brasil. A ideia é que o proprietário veja a floresta como um ativo, com plano de gestão, estratégias de sustentabilidade e geração de receita. Já vimos projetos que funcionam bem por três anos, com financiamento, contratação de guarda, monitoramento e depois que o recurso acaba, tudo desmorona. Falta visão de longo prazo. O que precisamos é de gestão florestal e gestão do ativo ambiental, para que a RPPN tenha viabilidade contínua.

A visitação guiada é parte da estratégia de trabalho da Biodiversitas?

Sim. Acreditamos muito no contato direto com a natureza como ferramenta de sensibilização. Em Minas temos visitação guiada na Mata do Passarinho, entre Bandeira e Jordânia. Até o fim do ano reabriremos a visitação à Mata do Sossego, em Simonésia. Sempre com estrutura profissional: guias treinados, trilhas planejadas, controle de capacidade de carga, alojamentos e estrutura de apoio. A Estação Biológica de Canudos é um dos casos mais emblemáticos da nossa história. Fica na Bahia, há mais de 2 mil km de Belo Horizonte. Fomos desafiados a proteger a última população conhecida de arara-azul-de-lear no mundo, uma espécie que já era considerada extinta. Com a ajuda de parceiros internacionais, conseguimos comprar as áreas onde essas araras se reproduziam, protegemos por 20 anos sem visitação e agora o acesso controlado foi liberado. Hoje, temos 550 araras vivendo ali. É um dos maiores sucessos mundiais de restauração de espécies criticamente ameaçadas. A visitação é paga como forma de gerar renda para a manutenção das reservas.

Quem são os parceiros que ajudam a manter essas áreas ativas? 

A maioria dos parceiros que nos ajudam são organismos internacionais. No Brasil, temos dois grandes parceiros nacionais: a Seguros Unimed, que é nossa principal parceira para manutenção das reservas e custeio da fundação, e a TAESA, do setor de transmissão de energia. É lamentável que, mesmo com toda essa biodiversidade única, o setor privado brasileiro ainda invista tão pouco na conservação. O que tentamos fazer, inclusive com o Congresso Nacional, é mostrar às empresas brasileiras que o povo brasileiro gosta de natureza. Apoiar a conservação é uma forma direta de comunicação com a juventude e com quem valoriza o meio ambiente. Estamos em um ano simbólico: as RPPNs fazem 35 anos, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) faz 25 anos, e o Brasil vai sediar a próxima COP. A pauta ambiental está muito evidente.

Há quem critique essa aproximação com o setor produtivo. Qual a sua opinião a respeito?

Digo que, fora da Amazônia, 90% das áreas com floresta no Brasil estão em mãos privadas. Se você diz que não quer conversar com empresários, está, na prática, dizendo que não quer fazer conservação privada. E isso é inviável. Queremos e precisamos trabalhar com a iniciativa privada porque eles são os donos da terra e muitos também amam a natureza e querem preservá-la. Minas Gerais, por exemplo, tem setores econômicos com postura bastante positiva, como a mineração. Só esse setor protege 38 mil hectares por meio de RPPNs. E ainda tem o setor florestal, o setor sucroenergético. O ponto aqui não é defender setores econômicos, mas mostrar que a conservação precisa andar junto com o desenvolvimento.

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