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Estado de Minas CAPA | NEGóCIOS

O voo da ave rara

Aos 70 anos, com estilo peculiar, o Mercantil do Brasil comemora resultados inéditos e se firma como rara exceção entre os bancos de varejo no país


postado em 06/06/2013 12:50

O banco Mercantil do Brasil (MB) é uma espécie de ave rara no mercado financeiro brasileiro. Sabe aquele típico banqueiro de sucesso: agressivo, com doses cavalares de ambição e um arrojo incomum na hora de arriscar? Esqueça. Ele está longe, muito longe do Mercantil do Brasil. Na instituição não há executivos celebridades – o CEO da empresa, André Brasil, é um sujeito discreto, pouco afeito a festas, badalações e frases bombásticas. Seu hobby: assistir a partidas de futebol e participar de atividades sociais ligadas ao espiritismo, sua religião. Os principais acionistas da companhia fogem completamente ao estereótipo de dono de banco. Dificilmente concedem entrevistas e, ainda mais raramente, posam para fotos (a da capa desta edição é uma exceção, tenham certeza). Homens e mulheres de negócios tendem a ser vaidosos, sobretudo à medida que acumulam dinheiro e poder. Os Araújos, contudo, são de uma simplicidade de duvidar. Eles dirigem o próprio carro, não ligam para roupas de grifes e estão a léguas de ter os hábitos requintados de outros banqueiros, como jogar golfe, cultivar jatos e apreciar vinhos caros.

Márcio Costa, conselheiro:
Márcio Costa, conselheiro: "O banco sabe que pessoas gostam de ser atendidas por pessoas" (foto: Cláudio Cunha)
“Vaidade não dá lucro”, costuma dizer Milton de Araújo, de 87 anos, mais novo do clã de irmãos que fundaram o banco, Oswaldo e Vicente de Araújo (já falecidos). Os Araújos gostam mesmo é de fazenda e de hábitos ligados à vida no campo. Diante de uma pergunta súbita, não espere dos controladores uma resposta rápida, com frases feitas. No lugar, o silêncio de quem pensa duas, três vezes antes de atender ao interlocutor. “Meu pai sempre foi muito austero com dinheiro”, diz um desses controladores, Luiz Henrique de Araújo, um dos vice-presidentes da instituição, e filho mais velho de Milton. “E ele ensinou isso muito bem aos filhos.”

Uma grande inovação ou mudança no Mercantil do Brasil pode levar tempo para ganhar as ruas, já que é exaustivamente discutida. A matriz da companhia funciona num prédio austero, no centrão da capital Belo Horizonte. Lá, os funcionários que entram têm quase garantia de emprego duradouro, razão pela qual a maioria do primeiro time de executivos é forjada nas entranhas da organização. André Brasil, por exemplo, entrou na casa com 14 anos de idade como estagiário, exatamente como aconteceu com outro executivo de primeiro escalão, José Ribeiro Vianna Neto, diretor jurídico. Trata-se, portanto, de uma instituição de cultura arraigada e muito distinta do padrão arrojado e agressivo, comum no mercado financeiro brasileiro.

José Vianna Neto, diretor jurídico:
José Vianna Neto, diretor jurídico: "O Mercantil é resultado das características da família" (foto: Cláudio Cunha)
A alta cúpula trabalha com um conceito muito particular do que seja meritocracia – para galgar posições na hierarquia, é preciso ter mais do que talento, mas também dedicação e ficha corrida na instituição. Sabe aqueles meninos que hoje dominam as mesas de negociações dos bancos em geral? Eles são raros no MB. Comum mesmo é encontrar senhores de cabelos brancos. Nenhuma decisão ou julgamento é feita da noite para o dia ou baseado no argumento de “vamos aproveitar as oportunidades de mercado”. Por essa razão, historicamente não se vê nos resultados do banco saltos estratosféricos de um ano para o outro. Mas, se não há picos de lucratividade, também não há registros de quedas repentinas. Trata-se de uma companhia para lá de conservadora. A empresa cresce de forma linear e não é do tipo que se mete em negócios de altos riscos. Não há registros de associação do nome do Mercantil do Brasil a qualquer escândalo político ou financeiro.

No MB, a tomada de decisão é um processo consensual, jamais motivada por fatores como o chamado “efeito manada”. Tudo é feito lentamente, com planejamento e segurança. Mas tudo também é praticamente certeiro. A fórmula apoiada em discrição, cultura forte, busca pela qualidade no relacionamento com empregados, fornecedores e clientes; e crescimento meticulosamente calculado levou o Banco Mercantil do Brasil a ser uma exceção no setor. É o único banco de médio porte brasileiro, com atuação no varejo (ou seja, com rede de agências e foco na captação de clientes), que sobreviveu e consegue concorrer com os gigantes do setor. Mais: vem crescendo e colhendo resultados impressionantes. Um dos mais importantes indicadores que atestam a saúde e o crescimento de uma organização financeira são as operações de crédito. Nesse quesito, o banco tem feito bonito: em 2012, expandiu em 33% suas operações de crédito – crescimento quase duas vezes maior do que o registrado pelo mercado (18%) e quatro vezes maior do que o dos bancos privados (8%). “O Mercantil do Brasil é um banco sólido”, diz Marcelo Domingos, sócio da gestora de investimentos DLM Invista. “O mercado o vê como um porto seguro para aplicações”.

(foto: Cláudio Cunha)
(foto: Cláudio Cunha)
Passo a passo, o banco conseguiu se reinventar nas últimas décadas, sem grandes arroubos ou guinadas na estratégia do negócio. Para entender como o Banco Mercantil do Brasil se tornou uma máquina inusitada, capaz de gerar resultados contínuos e crescentes, Encontro esteve na sede da organização por várias vezes. Dentro da velha caixa de cimento, uma estrutura moderna em termos de tecnologia bancária. Olhada por dentro, fica claro que nada é mais forte no banco do que sua cultura. Tudo o mais é apenas reflexo do jeito Mercantil do Brasil de pensar e agir. Boa parte dos 3.500 funcionários sabe exatamente quais os valores da companhia. Como seguidores de uma doutrina, eles acreditam em cada palavra que dizem seus líderes. Enquanto em boa parte das empresas o motor de crescimento e retenção de funcionários é o reconhecimento do sucesso individual sob a forma de bônus e programas de opções de ações, no MB o que os move é a confiança na empresa e em seus dirigentes, além da certeza de que é possível progredir na carreira e nos degraus da instituição. “Trabalho como bancária há 25 anos e há pelo menos 10 anos desejava vir para o Mercantil do Brasil”, diz a gerente de PJ da agência do Barreiro, Liliana Rosa Pacheco, que acaba de ingressar na organização. “O respeito que esse banco tem pelo cliente tem tudo a ver com o que eu desejava para mim.” A revolução silenciosa protagonizada pelo banco pode ser vista no processo de profissionalização e também nas decisões estratégicas adotadas pelas novas gerações da família controladora, especialmente nas últimas décadas.  No final dos anos 1990, quando o mercado financeiro brasileiro caminhava rumo à globalização e os grandes bancos engoliam os de menor porte, os Araújos fizeram uma escolha inusitada: não quiseram vender a empresa, tampouco correram atrás de novos nichos, nas brechas deixadas pelos grandes do setor (como fez, por exemplo, o BMG – com absoluto sucesso – ao focar no segmento de crédito consignado). O MB decidiu, acreditem, competir com os gigantes (Itaú, Bradesco, Santander, Banco do Brasil e Caixa) justamente naquilo que era o ponto-forte destes: o mercado de varejo de crédito, voltado para pessoa física (PF) e jurídica (PJ). O segredo da escolha estava no foco geográfico. O MB definiu Minas Gerais e o interior de São Paulo como a base de sustentação de seu negócio, encerrou as atividades no Norte do país e reduziu operações no Nordeste e Sul, concentrando-se no Sudeste. Em vez de globalizar, o banco optou por se regionalizar. Enxugou equipe, racionalizou processos e investiu em tecnologia. Contrariou a lógica. “Minas Gerais tem economia e população que superam a de muitos países da Europa e América Latina”, diz Marco Antônio de Araújo, também vice-presidente e outro filho de Milton de Araújo. “Queremos ser o principal banco deste estado-país.”

(foto: Cláudio Cunha)
(foto: Cláudio Cunha)
No campo da gestão, o banco, fundado há 70 anos, na cidade de Curvelo, sertão de Minas Gerais, é hoje tocado por executivos profissionais. Os representantes da família estiveram à frente dos negócios até 2008. Atualmente, não há nenhum membro da família em função executiva, embora continuem acompanhando a rotina. Foi criado um Comitê Diretivo, cuja presidência é ocupada por Milton de Araújo e as vice-presidências, por outros controladores familiares, como Marco Antônio, Luiz Henrique e Paulo Brant de Araújo, neto de Oswaldo. Cabe à família, composta majoritariamente por membros da segunda e terceira gerações, deliberar sobre as estratégias e participar de discussões relevantes. Também em 2008, veio um importante reforço de caixa. A seguradora Minas Brasil, pertencente ao conglomerado, foi vendida à Zurich Seguros, num negócio de cerca de R$ 400 milhões.

Em 2009, aconteceu outro tiro meticulosamente planejado – e certeiro. Para reforçar sua identidade na região geográfica que escolhera atuar, o banco decidiu participar – e venceu – do leilão da Previdência Social, tornando-se responsável pelo pagamento dos benefícios a aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nas cidades onde tivesse agência (MG e interior de SP). A vitória no leilão trouxe enorme contigente de clientes e mudou o perfil do banco, que hoje tem perto de 1,8 milhão de clientes. No final dos anos 1990, a instituição tinha 90% de sua carteira de crédito voltada para clientes PJ e apenas 10% era formada por pessoa física. Atualmente, 52% da carteira são de clientes PF. A entrada de pensionistas e aposentados do INSS também ajudou a dar impulso ao crédito consignado no Mercantil do Brasil. A prioridade do banco é o público B, C e D. “Também sabemos cuidar da classe A, mas nossa linha de atuação está toda voltada para as classes B, C e D, justamente as que mais cresceram no Brasil”, diz André Brasil. “É preciso reconhecer dois fatores: quantitativamente, a classe A é pequena no país e nenhuma instituição financeira se sustenta atendendo exclusivamente a esse público. Em segundo lugar, esse grupo é altamente exigente. Para dedicar-se a ele, são necessários investimentos em produtos, serviços, atendimento e tecnologia compatíveis com as demandas desse segmento.”

(foto: Cláudio Cunha)
(foto: Cláudio Cunha)
A quase totalidade dos bancos de varejo no Brasil, contudo, tomou outro rumo e lançou operações para atender exclusivamente aos mais endinheirados (Bradesco Prime, Itaú Personalité e Banco do Brasil Estilo). Mas quando essa tendência se espalhou, o MB não caiu em tentação. Enquanto os concorrentes varejistas tornavam-se verdadeiros supermercados financeiros, para atender a todo tido de cliente, o Mercantil do Brasil manteve-se firme nos mesmos produtos que é especialista há anos. “Atualmente, o grande desafio de um banco não é saber o que vai fazer. É saber o que não vai fazer, porque tem demanda para tudo”, diz André Brasil. “Nós temos coragem de dizer não, isso não é meu negócio. Não queimamos energia em várias frentes.”

Para satisfazer sua clientela e tê-la com fidelidade, o MB sempre reforçou uma característica marcante nos bancos de antigamente: o atendimento pessoal. Tecnologia e facilidades remotas são importantes? Sim, mas para complementar o atendimento “olho no olho”. “O Mercantil nunca se esqueceu de que pessoas gostam de ser atendidas por pessoas, e não por máquinas”, diz Márcio Costa, ex-diretor executivo do banco e atual conselheiro da instituição. “Por isso, nossos clientes são fiéis e tradicionais.” Essa, pode-se dizer, também é uma característica cultural na instituição. São lendárias as histórias do banqueiro Milton de Araújo com seus clientes. Quando ele estava à frente das operações comerciais, conhecia muitos pelo nome e fazia questão de recebê-los em sua sala, sempre de portas abertas. Traços adquiridos quando ele (Milton) era gerente de agência do Banco do Triângulo Mineiro, pertencente ao falecido banqueiro José de Magalhães Pinto. A obsessão de Milton de Araújo pelo cliente era tamanha que até hoje ele gosta de ser tratado como bancário, e não banqueiro.

(foto: Cláudio Cunha)
(foto: Cláudio Cunha)
“Nosso banco é resultado de duas características dos irmãos Oswaldo e Milton de Araújo”, diz José Vianna Neto, o diretor jurídico. “Primeira: a liderança carismática de ambos. Segunda: o fato de eles terem conseguido preparar sucessores à altura”.

“O Mercantil vive o melhor momento de sua história. Nunca estivemos tão bem”, afirma André Brasil.  Mas, para manter a média de crescimento superior a 20% nas operações de crédito nos próximos anos, o Mercantil do Brasil precisará superar alguns desafios. A empresa tem hoje 184 agências e precisa crescer esse número, a fim de fazer frente aos concorrentes que têm investido na ampliação da rede em terras mineiras. O Bradesco, por exemplo, inaugurou somente em 2011 cerca de mil agências no país. Em Minas, são 457. Os planos do MB são de chegar a 200 ainda neste ano. Replicar a cultura da companhia em cada uma dessas unidades também é vital para garantir a essência do negócio. Outro desafio é continuar a ter atendimento personalizado em contraposição ao crescimento vertiginoso pelo qual passa o banco.

Muitos desses desafios serão enfrentados não apenas pelo CEO, André Brasil, mas também pelas gerações mais novas de controladores. Paulo Brant de Araújo, neto de um dos fundadores (Oswaldo), é um desses nomes. Aos 30 anos de idade e desde os 19 trabalhando na organização, Paulo sabe que sua responsabilidade vai muito além do preparo técnico. “Somos uma família coesa e assim continuaremos”, diz ele. “Nosso objetivo maior é o de perpetuar a instituição”. Mas, para decifrar os caminhos que levarão o Mercantil do Brasil a continuar sendo uma ave rara no mercado financeiro, todos – acionistas e executivos – deverão ter tempo para discutir. No melhor estilo MB: as decisões serão lentamente amadurecidas, com cautela e parcimônia, na mente dos homens que comandam a companhia e os resultados comemorados de forma simples, sem pompa. “Nosso jeito é esse. Estamos orgulhosos”, diz Marco Antônio de Araújo. Os conservadores venceram.

 

(Colaborou Ângela Drummond)

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