Preocupação com portos e aeroportos, inquietação com os militares, venda de jogadores para clubes estrangeiros, debate sobre remessa de lucros para o exterior e broncas no ministro da Fazenda. Essas e outras preocupações, que fizeram parte da curta e conturbada passagem do líder populista Jânio Quadros pela Presidência da República (eleito em 1960 com o mote de combate à corrupção, simbolizado por uma vassoura, ele renunciou ao cargo em agosto de 1961 – há 52 anos, portanto), foram registradas em dezenas de bilhetes datilografados ou escritos de próprio punho pelo ex-presidente, e mostram um Brasil bem parecido com o atual. A boa notícia é que parte desse material (os famosos bilhetinhos de Jânio) está disponível em Belo Horizonte. O pequeno tesouro, guardado pelo Arquivo Público Mineiro, já está aberto para qualquer pesquisador que se dispuser a ler as quase 30 caixas com os preciosos documentos.
A maneira como esse arquivo veio parar em Minas é, como tudo que sempre cercou a vida de Jânio, inusitada: depois da morte do ex-presidente, sua filha, Tutu Quadros, entregou a documentação a José Aparecido de Oliveira, um dos mais atuantes políticos mineiros do século passado. Ex-secretário particular e o mais importante colaborador de Jânio, José Aparecido (ou simplesmente Zé, como gostava de ser chamado) pretendia fazer um memorial sobre o ex-presidente. A ideia, contudo, não avançou – e, com a morte de Aparecido, em 2007, seus herdeiros acabaram doando o arquivo ao governo mineiro.
“Meu pai e o Jânio foram apresentados pelo Magalhães Pinto (ex-governador de Minas) e se transformariam em grandes amigos até o fim da vida”, conta José Fernando Aparecido de Oliveira, filho do político mineiro. “Acho muito importante que esses documentos sejam analisados e estudados mais profundamente. Ainda hoje se tem uma visão muito caricaturada de quem foi Jânio: ele é sempre apresentado como um maluco, o presidente que vivia bêbado. E isto, meu pai sempre dizia, nunca foi verdade: Jânio foi um tipo de político muito raro entre nós: tinha um grande espírito público. E noção muito clara de todos os problemas nacionais”, conta José Fernando.
Vilma Moreira Santos, atual superintendente do Arquivo Público Mineiro, explica que os documentos de Jânio são apenas uma pequena parte do acervo de José Aparecido de Oliveira – e que cobre toda a vida pública do tradicional político mineiro. “Os primeiros documentos são de novembro de 1945 e os últimos, de setembro de 1995”, explica. “E, entre eles, estão os célebres bilhetinhos que o ex-presidente escrevia para os ministros”, conta Vilma.
Era antiga a mania de Jânio governar através de bilhetes. E que começou ainda quando foi governador de São Paulo, nos anos 1950. O político herdara uma máquina administrativa viciada, emperrada, cheia de defeitos e totalmente corroída pela burocracia e corrupção. Nada funcionava. Na tentativa de renovar os costumes do funcionalismo e tentar buscar eficiência, começou então a escrever memorandos, ou seja, despachos feitos diretamente não só aos secretários, mas a diretores, chefes de seção e, às vezes, a simples funcionários. A ideia era tentar acabar com a burocracia.
A inspiração de Jânio para os bilhetinhos veio do estadista inglês Winston Churchill. Para vencer a insana burocracia da Inglaterra, o mítico líder começou a escrever bilhetes com ordens curtas e incisivas, e com o menor número de palavras, ordenava que suas determinações fossem rigorosamente cumpridas. Jânio, que tinha verdadeira obsessão pela terra da rainha Vitória e chegava a passar grandes temporadas em Londres – além de só fazer seus ternos lá –, começou então a copiar Churchill.
Mas o que talvez seja o mais curioso nos bilhetes escritos pelo populista brasileiro é como os problemas brasileiros mudaram tão pouco nestes últimos 50 anos: questões como privatização de aeroportos, modernização de portos, seca no Nordeste e ineficiência do funcionalismo público ainda hoje castigam o país. Dando palpites em praticamente tudo, o então presidente tentou colocar a máquina pública brasileira para funcionar. Em vão: 204 dias depois de assumir o mais alto cargo da República, Jânio renunciaria do cargo motivado por “forças terríveis”, como ele mesmo definiu. Confira aqui alguns desses bilhetes – e como continuam ligados ao Brasil de hoje.









