Estado de Minas ENTREVISTA

CEO da Leitura narra sua trajetória e destaca a força do livro físico

Empresário fala como a empresa mineira se tornou a maior em número de unidades físicas na América Latina


postado em 14/05/2025 10:07 / atualizado em 14/05/2025 11:10

O empresário mineiro Marcus Teles(foto: Paulo Marcio)
O empresário mineiro Marcus Teles (foto: Paulo Marcio)
Um estudo divulgado em janeiro deste ano pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), em parceria com a Nielsen BookData, traçou um panorama atualizado do perfil e dos hábitos dos leitores no Brasil. Segundo a pesquisa, 16% da população brasileira com mais de 18 anos comprou pelo menos um livro nos últimos 12 meses. Embora essa porcentagem represente uma fatia modesta diante dos 212,6 milhões de habitantes no país estimados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGC) em 2024, os dados sinalizam um mercado promissor.
 
  • QUEM É: Marcus Teles, 58 anos 
  • ORIGEM: Dores do Indaiá (MG) 
  • FORMAÇÃO: Superior incompleto em Administração Financeira 
  • CARREIRA: CEO da Livraria Leitura. Exdiretor-presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL) gestão 2022/2023

Para Marcus Teles, CEO da Livraria Leitura, o potencial do setor é evidente. A rede, que conta atualmente com 122 lojas espalhadas pelo país, tornou-se a maior em número de unidades físicas na América Latina, oferecendo um catálogo com 280 mil a 300 mil títulos diferentes. Além disso, a Leitura ocupa a segunda posição entre as maiores vendedoras de títulos impressos pela internet no Brasil. “Isso nos dá uma vantagem competitiva, pois temos obras que mais ninguém tem e somos mais ágeis na entrega”, afirma o empresário. 

À frente da rede desde 1988, Marcus aposta em uma gestão inovadora para garantir o crescimento contínuo da empresa. Um de seus diferenciais é o modelo de administração das lojas que transforma gerentes em sócios, incentivando o engajamento e a responsabilidade. A gestão financeira sustentável e o atendimento personalizado também são pilares de sua estratégia de negócios. Em 2024, a rede comercializou 12 milhões de exemplares e projeta um crescimento expressivo para 2025: a meta é vender 1 milhão de unidades a mais e inaugurar mais 9 unidades em território nacional, fechando o ano com 130 lojas. 

REVISTA ENCONTRO - A Livraria Leitura segue, há quase seis décadas, como uma empresa familiar em crescimento constante, tendo superado as próprias expectativas em 2024, encerrando o ano com 121 lojas. Quais as estratégias para esse desenvolvimento? 

MARCUS TELES - Em toda a sua trajetória, um dos pilares da Leitura sempre foi a gestão financeira responsável e sustentável. Desde o início, evitamos dívidas e empréstimos, mantendo um caixa saudável e equilibrado. Essa postura nos permitiu crescer com segurança – tanto que, nos últimos 30 anos, abrimos ao menos uma nova loja por ano. Nossa média de expansão costumava ser de sete unidades anuais, e, mais recentemente, chegamos a abrir até dez por ano. Naturalmente, nem todas atingem o desempenho esperado, mas temos o cuidado de encerrar operações deficitárias, mantendo o foco na saúde da empresa. Nos últimos anos, a Leitura tem crescido, em média, 20% ao ano. Essa estratégia, aliada à dedicação em oferecer um atendimento de qualidade aos nossos clientes, tem sido essencial para o nosso sucesso ao longo das décadas. 

Pode nos contar um pouco da história da rede? 

A Leitura teve início em 1967, na icônica Galeria do Ouvidor, loja 37A, em Belo Horizonte. A iniciativa foi do meu irmão Emídio e do nosso primo Lúcio Teles, que se mudaram do interior para paixonados por livros, frequentavam sebos, compravam exemplares usados, e foi daí que surgiu a ideia de abrir o próprio negócio. Assim, nasceu a Livraria Lê, com as iniciais dos seus nomes. Posteriormente, ela se tornou a Leitura. Em 1969, após uma mudança de sócios, passaram a vender títulos novos também. As atividades da empresa foram sendo ampliadas. Tanto que, em 1970, a Leitura se tornou também uma editora. Chegou a vender mais de 2 milhões de exemplares de uma coleção de ciências adotada na maioria das escolas mineiras e vendida para todo o país. Mas, algum tempo depois, editora e loja se separaram. Anos depois, eu e os meus irmãos Gervásio e Belmiro Teles entramos para o negócio da família. 

Filho caçula de 15 irmãos, o senhor começou a trabalhar ainda menino, aos 13 anos, na própria Leitura. Como foi essa trajetória?

Apesar de fazendeiro, meu pai, Emídio Teles de Carvalho, chegou a publicar um livro de poesia e sempre dizia: “Quando um irmão tropeçar ou cair, o outro vem e o ajuda a levantar”. Assim, quase todos os filhos trabalharam na Leitura. Em 1970, eu e meus irmãos mais novos, juntamente com minha mãe, Maria da Conceição, viemos de Dores do Indaiá (interior de Minas Gerais), onde nascemos, para morar em Belo Horizonte. Comecei na empresa como office boy, em 1979. Fui caixa, trabalhei na área financeira, virei comprador, coordenador e, depois, gerente. Naquela época, tínhamos apenas uma loja pequena, de 30 metros quadrados. Assumi a frente da rede em 1988 e passei a me dedicar à sua expansão. A partir de 1991, investimos na abertura de novas lojas, inaugurando as unidades da Afonso Pena e da Cristóvão Colombo. No ano seguinte, inauguramos a nossa primeira unidade em um shopping, o BH. Coincidência ou não, o número da loja era 37A, igual ao da primeira loja da família. 
 
Hoje, suas lojas estão em grande parte do país, não é? 

Sim, com exceção do Paraná, Roraima e Acre, a Leitura está presente em 24 unidades da federação, incluindo o Distrito Federal, e em 60 das maiores cidades brasileiras. Isso nos permite atender muitas regiões do interior, além do Norte e Nordeste. A maior parte das nossas mais de 120 lojas estão também no ambiente online, cada uma delas tem um perfil próprio. Algumas são mais especializadas em livros universitários, como Direito, outras se destacam em áreas como ciências humanas, literatura ou literatura infantil. Somando o estoque das nossas lojas físicas, incluindo exemplares esgotados, conseguimos disponibilizar de 280 mil a 300 mil títulos diferentes. Isso nos dá uma vantagem competitiva, pois temos exemplares que mais ninguém tem e somos mais ágeis na entrega.

Como se manter competitivo diante do cenário de transformação digital? 

Os desafios do ambiente digital nos afetaram, certamente. Há grandes redes internacionais que, ao entrarem em novos mercados, passam anos vendendo livros com prejuízo, apenas para consolidar sua presença e montar uma estrutura logística robusta. Estratégia que levou muitas concorrentes a enfrentar sérias dificuldades para se manter no longo prazo. Foi o que aconteceu com a Borders, nos EUA. Nos últimos anos, o Brasil viu a falência e processos de recuperações judiciais de grandes redes de livrarias, como a Saraiva, que teve a sua falência decretada. A Cultura, felizmente, reverteu o seu processo de falência em 2023. Por isso, optamos por manter nossas lojas físicas, que continuam sendo uma parte importante e rentável do nosso negócio, e fortalecer a nossa atuação no e-commerce, sempre com cautela e sem apostar todas as fichas em uma única estratégia. 

Como enxerga a evolução das vendas online em comparação com as vendas de exemplares físicos no longo prazo? 

Nossa primeira loja online foi lançada lá no comecinho de 1998. Naquela época, o ambiente digital ainda era muito incipiente e, para nós, o negócio não se mostrava sustentável. Em 2014, já prevendo os efeitos da crise econômica que viria entre 2015 e 2017, optamos por encerrar a operação. Voltamos ao digital em 2019 com uma nova proposta: em vez de concentrar todas as vendas em um único e-commerce, decidimos aproveitar a força da nossa rede física. Cerca de 90% de nossas unidades passaram a ter sua própria loja online, o que nos permite manter o atendimento personalizado. Em 2023, por exemplo, o livro físico voltou a ganhar espaço em diversos países: cresceu 8% na Espanha, 3% na França e, nos Estados Unidos, as vendas aumentaram mais de 1%. Um sinal claro de que o produto continua relevante e com fôlego para crescer. No Brasil, a última pesquisa sobre o mercado digital, feita entre 2021 e 2022, mostrou que os e-books representavam apenas cerca de 7% das vendas totais. Isso significa que, mesmo com o avanço da tecnologia, 93% dos exemplares vendidos no país ainda são impressos. 

Com a praticidade dos e-books, o que explica a resiliência dos impressos? 

Uma das razões para a força do impresso é que a leitura de um livro costuma ser uma experiência mais longa, envolvente e pessoal. Muita gente ainda prefere o conforto e a familiaridade do livro físico. É pouco provável que os digitais ultrapassem 10% das vendas no Brasil nos próximos cinco anos. Nossa visão é que o impresso seguirá sendo o formato dominante por, pelo menos, mais 30 anos. Apesar da tecnologia, o hábito de ler no papel ainda é muito forte por aqui.

O senhor disse que uma das estratégias de negócio da rede leitura está na gestão diferenciada das lojas. Como isso acontece na prática? 

Há mais de 30 anos, adotamos uma prática que tem feito toda a diferença no nosso crescimento: identificamos os gerentes com os melhores resultados e os convidamos a se tornarem sócios e a abrirem novas lojas em regiões promissoras. Hoje, cerca de 70% das nossas unidades são lideradas por gerentes que também são sócios – profissionais que estão com a gente há muitos anos e conhecem profundamente o nosso jeito de trabalhar. Muitos deles comandam mais de uma loja na mesma região, especialmente em cidades grandes como São Paulo e Rio de Janeiro, cada um sendo responsável por um grupo de unidades. Esse modelo fortalece muito o nosso negócio. Ter um gerente que também é sócio significa ter alguém mais envolvido, com olhar atento às necessidades do público local e com liberdade para adaptar a loja à realidade da região, elevando o nível de personalização do atendimento.

O último ano consolidou a leitura como a maior rede de livrarias físicas no Brasil. quais as expectativas para 2025? 

A Leitura já é a maior rede de lojas físicas não só do Brasil, mas da América Latina. Agora, também nos consolidamos como a segunda maior vendedora de títulos impressos na internet. Apesar da diversificação no formato das lojas, os livros ainda representam nosso principal produto, respondendo por 63% das vendas. Em 2024, cerca de 12 milhões de exemplares foram vendidos, 42% no segmento de literatura. A expectativa para 2025 é vender 1 milhão de unidades a mais e inaugurar mais nove unidades em território nacional. 

Em sua opinião, o que a livraria atual, e a do futuro, precisa oferecer aos clientes? 

É preciso ficar atento às necessidades do mercado e diversificar. Há 20 anos, 100% das nossas vendas eram de livros. Com o tempo, outros produtos foram ganhando espaço, mas, nos últimos anos, ele se manteve em destaque, recuperando sua importância. Além deles, outros segmentos também se destacam. A área de papelaria e material escolar, por exemplo, representa cerca de 29% das nossas vendas. Essa categoria inclui revistas, jogos e brinquedos, especialmente os pedagógicos e inteligentes. Também oferecemos uma seleção de presentes. 

O que podemos esperar do mercado de livrarias como um todo? 

Depois de enfrentar vários desafios ao longo dos anos, o setor vive hoje um momento de recuperação. Ao contrário do que se previa, nos últimos 10 a 15 anos, as obras voltadas para o público jovem foram as que mais cresceram em vendas. Grandes franquias como Harry Potter e O Senhor dos Anéis, além de séries e adaptações para o cinema e streaming, têm despertado ainda mais o interesse pela leitura. E as redes sociais, como YouTube, TikTok e Instagram, também têm contribuído com seus usuários dando recomendações o tempo todo. A primeira editora criada do mundo tem quase 500 anos (a Cambridge University Press, fundada em 1534, no Reino Unido, ainda em funcionamento) e o livro físico segue mostrando que ainda tem muito fôlego e continua conquistando novas gerações de leitores.

Como dono de uma rede de livrarias, o senhor é um amante das letras? Quais suas obras preferidas da vida? 

Eu amo ler. Assim como assistir filmes, viajar. Mas os livros, pra mim, ainda são mais especiais, minuciosos. Dos clássicos da literatura brasileira, como Jorge Amado e obras como Capitães da Areia e Tocaia Grande; Machado de Assis e Dom Casmurro; o grande Ariano Suassuna, com o Auto da Compadecida. São tantos que é até difícil citar poucos. Dos internacionais, o que mais me marcou foi Os Miseráveis, de Victor Hugo. Um clássico do romantismo francês! Assisti a todos os filmes e fui a todas as peças de teatro baseadas nele. E como não falar de Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marques; O Físico, de Noah Gordon; A Queda de Gigantes, de Ken Floret; Sapiens, de Yuval Harari; Cisnes Selvagens, de Jung Chang… Cheguei a ler mais de três livros por mês e, sempre que o tempo permite, continuo me dedicando à leitura

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