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Estado de Minas DEZ PERGUNTAS PARA | ARTHUR CHAVES DE PAIVA NETO

Mais dias secos pela frente

Meteorologista da Cemig diz que as previsões para os próximos meses são de pouca chuva, como aconteceu em janeiro


postado em 21/02/2014 16:57 / atualizado em 21/02/2014 17:06

(foto: Cemig/Divulgação)
(foto: Cemig/Divulgação)
 
 
Entre os dias 12 e 13 de janeiro deste ano, tempestades devastaram a cidade de Itaóca, no interior de São Paulo.  Já em Minas Gerais, janeiro foi de estiagem atípica, com chuvas abaixo da média para o verão. O mês, que é o mais chuvoso da estação, registrou apenas 40% das precipitações que eram esperadas.  Como resultado, a sensação de que os dias estão mais quentes. Logo surgem as teorias sobre possíveis mudanças no clima de Belo Horizonte e como o sofrimento pode ser ainda maior durante o inverno.
 
O meteorologista Arthur Chaves de Paiva Neto, da gerência de planejamento energético da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e ex-pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), explica que não existem mudanças drásticas no padrão meteorológico das cidades e que fenômenos como tempestades arrasadoras ou estiagens prolongadas são comuns ao longo do tempo: “Uma mudança significativa no clima pode levar milhares de anos”, diz. Mas avisa: a chuva será escassa também nos próximos meses.

1 | Encontro – O verão está atípico, com poucas chuvas em Minas. Isso está dentro da normalidade para o período?

Arthur Chaves de Paiva Neto – Realmente, está bem seco. De um modo geral em todo o Sudeste do Brasil, e em boa parte do Centro-Oeste, a precipitação está, aproximadamente, 40% abaixo da média histórica.  Algumas áreas do Sudeste costumam registrar 150 milímetros em janeiro, enquanto outras, cerca de 330 milímetros. Podemos dizer que a média ideal seria de 300. Atualmente, estamos com pouco mais de 100 milímetros.

2 | E qual a explicação para essa defasagem?

A estiagem se deve a uma situação de bloqueio sobre a região, gerado por uma massa de ar quente e seca que inibiu a passagem de frentes frias e a formação da chamada Zona de Convergência do Atlântico Sul, que normalmente traz umidade e nebulosidade.

3 | Isso é normal?

Esse cenário de bloqueio não é normal. O que costumamos ter é o chamado veranico, que dura em média 10 dias e corresponde a uma pausa no período de chuva. Mas chegar a 25 dias sem precipitação, em janeiro, é algo raro. E vale lembrar que não estamos sob influência de nenhum fenômeno que atua no Pacífico, próximo ao Equador, como o “La niña” ou o “El niño”. Esses fenômenos, na verdade, não chegam a afetar o clima da região Sudeste do país, que tem propriedades mais complexas. Estamos numa área intermediária, entre a zona tropical e a subtropical, gerando uma mistura de influências climáticas, o que torna mais complicado nosso trabalho de previsão do tempo.
 

4 | Se em janeiro já fomos surpreendidos pela menor quantidade de chuva, o que esperar das próximas estações, especialmente o inverno, que traz a baixa umidade como sua marca registrada?

Não existe uma conexão direta entre um período do ano e outro. Podemos ter mudanças radicais, como uma estação muito chuvosa e outra seca. De qualquer forma, a expectativa  é de que fevereiro ainda esteja abaixo da média. Já  março deve ser dentro da normalidade, mas ainda assim a quantidade de chuva  será abaixo do que se observou em janeiro. Já sobre o inverno, ele é extremamente seco em nossa região, e a umidade relativa do ar fica muito baixa. Já tivemos taxa de apenas 10%, que é próxima do encontrado em áreas desérticas. Esse cenário é normal e a tendência é que tenhamos o outono e inverno secos.
 
 

5 | As pessoas costumam dizer que as temperaturas estão cada vez mais altas. Isso procede?

Quando se fala em recordes, por exemplo, que choveu 100 milímetros em um dia, estamos tratando de algo que já aconteceu no passado. Todo mundo quer associar fenômenos isolados à mudança climática. Mas não é assim tão fácil. Podemos dizer, de forma geral,  que está aumentando a frequência de fenômenos climáticos extremos, tanto  positivos, como excesso de chuva, quanto negativos, como secas prolongadas. Uma mudança significativa no clima pode levar milhares de anos.

6 | É muito comum culpar a verticalização de Belo Horizonte e a ocupação da serra do Curral pelas alteraçãos no clima...

Essas ações afetam apenas o clima local. Se você urbaniza a cidade de forma desordenada, como ocorre em quase todas as capitais brasileiras, sobram poucas áreas verdes, que são responsáveis pelo resfriamento do ambiente. Se você tem muito uso de concreto na cidade, que é um material que aquece e esfria rapidamente, ao longo do dia, quem mora na área mais urbanizada vai sentir a temperatura mais alta do que aquele que reside na zona rural. No caso da ocupação da serra do Curral, possíveis mudanças de temperatura também são sentidas apenas no lugar onde estão inseridas as construções. As montanhas têm mais força sobre o clima do que uma edificação feita pelo homem.

7 | Essa sensação de calor fora do normal que se tem nas grandes cidades, devido ao excesso de concreto, também afeta o clima das áreas no entorno?

Um exemplo de como as grandes cidades podem afetar o clima de regiões a seu redor é através da poluição, que é carregada pelo vento. Os poluentes gerados em Belo Horizonte, por exemplo, são carregados para cidades vizinhas como Betim e Contagem, o que leva à alteração da temperatura desses locais. A presença humana em grande concentração numa região, por si só, não afeta tanto o clima ao redor. Isso só não vale para casos de desmatamento em massa de lugar que era totalmente arborizado. O clima seria afetado, mas teria de ser desmatada uma área muito grande.

8 | Com a menor quantidade de chuva no verão, os reservatórios de água têm o volume reduzido drasticamente. Seria este o cenário que estamos enfrentando em 2014?

Até a forma como cai a chuva afeta o volume de água de um reservatório. Por exemplo, se a precipitação acontece por vários dias contínuos, a capacidade de encher uma represa é maior do que a de uma tempestade momentânea. Ao ter a chuva distribuída ao longo do dia ou de uma semana, a formação de nebulosidade impede a evaporação e aumenta a chance de a água chegar aos reservatórios, já que o solo fica encharcado. O ideal é que se tenha vários dias chuvosos seguidos, o que não aconteceu. Não há previsão de chuvas fortes e contínuas até meados de fevereiro. A expectativa é de que a partir da metade do mês comecem as precipitações mais significativas. Com isso, pode demorar para que os reservatórios voltem à normalidade. De qualquer forma, quem determina a condição das represas e quais medidas devem ser adotadas é o Operador Nacional do Sistema Elétrico, e não a Cemig.

9 | O radar meteorológico, construído em 2011, em Mateus Leme, está em pleno funcionamento?

O radar funciona como uma antena de rádio, emitindo um sinal que bate em árvores, montanhas, nuvens de chuva, e retorna com as informações dos obstáculos. O sistema filtra esses dados para selecionar apenas os relacionados à meteorologia. Com isso, é possível saber, a cada sete minutos e meio, que é o tempo que usamos hoje, como está a atmosfera num raio de  250 quilômetros de Mateus Leme. O radar é usado para as demandas internas da Cemig. Para as previsões de interesse público, a gestão fica a cargo do Instituto Mineiro de Gestão das Águas.

10 | E como a Cemig usa as informações geradas pelo radar meteorológico?

Desde 2011 coletamos as informações do radar para emitir alertas às equipes de plantão. Fazemos isso não para evitar o problema, e, sim, para responder de forma mais rápida. Conseguimos localizar a região em que poderá ocorrer uma tempestade a cada sete minutos e meio. Com isso, em pouco tempo, a equipe técnica pode ser deslocada para solucionar possíveis problemas. O radar ajuda até para que a Cemig consiga aumentar o quadro de profissionais de plantão, em casos de fenômenos meteorológicos mais fortes. Antes de termos o equipamento, contávamos apenas com as estações de superfície e os satélites meteorológicos. As estações só detectam os fenômenos que já aconteceram, e as imagens de satélite têm atraso de até 40 minutos. Ou seja, é um tempo muito longo para saber se teremos um problema mais sério. Por exemplo, uma nuvem cumulonimbus, que é a responsável pelas grandes tempestades, é gerada em 45 minutos. Com o radar, temos maior rapidez na aquisição das informações, no atendimento aos usuários, e conseguimos maior precisão sobre o local que o fenômeno climático pode afetar.

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