Publicidade

Estado de Minas COMPORTAMENTO | CRIANçAS

No copo é melhor

Condenada por especialistas, a mamadeira pode causar problemas na fala, na respiração e na dentição. Para mães que podem amamentar, o ideal é passar do peito direto para o copinho


postado em 22/05/2014 14:29 / atualizado em 22/05/2014 14:23

Laura Rocha com o filho, Rafael, de 2 anos e 8 meses:
Laura Rocha com o filho, Rafael, de 2 anos e 8 meses: "Usamos o copo de transição por pouco tempo e logo ele se adaptou ao copo normal", conta a mãe (foto: Samuel Gê)
A servidora pública Fabiana Consani fez tudo como manda o figurino ao se preparar para a vinda do filho Micael. Montou cuidadosamente o enxoval – que, como qualquer enxoval que se preze, incluía mamadeiras – e aguardou ansiosa pelo nascimento do bebê. Muito envolvida com a maternidade, pesquisou a fundo assuntos sobre parto e criação dos filhos e decidiu fazer da amamentação sua prioridade. "Ao pesquisar sobre aleitamento materno, vi que a mamadeira poderia ocasionar confusão de pega de bicos e até causar o desmame precoce. Antes disso, não teria problemas com seu uso. Foi aí que decidi, de vez, que não a adotaria", conta.

Não se pode dizer que foi simples manter a decisão de encostar o utensílio. Logo antes de Micael (hoje com 1 ano e 5 meses) completar 2 meses de vida, houve morte na família e Fabiana teve de se ausentar por algumas horas. Como alimentar o pequeno? Ela pediu à mãe que desse o leite, previamente retirado, no copinho de vidro. "Dá mais trabalho do que a mamadeira, porque tirar o leite já exige bastante tempo e, às vezes, muito dele é desperdiçado no copinho. Mas era minha convicção, pois queria muito que meu filho continuasse mamando no peito até quando desejasse", afirma. Ela, aliás, amamenta até hoje, apesar de o menino já comer outras coisas.
 
Fabiana faz parte de uma minoria de mães que decide não adotar a mamadeira como forma de apoio no aleitamento do filho. Apesar de contraindicada por especialistas há anos, é de uso corrente na rotina das famílias, tanto após os 6 meses do bebê, quando ele já pode tomar outros líquidos, quanto nos primeiros meses, para dar o leite materno na ausência da mãe.

Segundo a pediatra Raquel Pitchon, presidente da Sociedade Mineira de Pediatria, não há estatísticas sobre o uso do utensílio, mas, em seu consultório, ela percebe que a prática ainda é elevada, sendo adotada por pelo menos metade dos pacientes. "É uma questão mundial e um hábito centenário. Além disso, é multifatorial, pois envolve costumes e estilo de vida. Isso não muda de uma hora para a outra", explica.

As críticas ao uso dos bicos sintéticos, como mamadeiras, chuquinhas e chupetas, no caso de mães que não têm restrições quanto à amamentação, são variadas. Eles são condenados não só por pediatras, mas também por odontologistas, fonoaudiólogos e instituições como o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde. "Por meio de nosso manual de aleitamento e de nossos cursos e palestras, orientamos os pediatras, nos casos de mães que amamentam, a não indicar a mamadeira e a evitar seu uso o máximo possível. A única discussão é quando há o desmame precoce ou quando o bebê não pode ser amamentado", afirma o pediatra Luciano Borges Santiago, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Fabiana Consani e o filho Micael:
Fabiana Consani e o filho Micael: "Ao pesquisar sobre amamentação, vi que a mamadeira poderia causar desmame precoce", diz ela (foto: Paulo Márcio)
Segundo o especialista, a mamadeira não reproduz bem o movimento que o bebê faz ao mamar no peito. Este último exige uma sucção mais vigorosa e trabalha todos os músculos e ossos da face. Já o recipiente tem maior vazão e demanda menor esforço da criança. Por isso, pode causar o desmame precoce, já que o bebê fica "preguiçoso" para a amamentação. Além disso, o movimento menos rigoroso da mamadeira, em que a língua do bebê funciona apenas como uma vávula para evitar o engasgamento, pode levar a problemas de respiração (a criança respira pela boca, não pelo nariz), tendência à sinusite, alterações na fala e no sono, diminuição do tônus facial, otite de repetição, maloclusões (mal encaixe dos dentes), entre outras questões (veja quadro).

As contraindicações são tantas que, desde 2002, é obrigatória a advertência do Ministério da Saúde nos rótulos de bicos sintéticos de que crianças que mamam no peito não necessitam de mamadeira, bico e chupeta, pois são prejudiciais à amamentação e pelo fato de seu uso prolongado poder afetar a dentição e a fala.

Nem os bicos ortodônticos são recomendados pela comunidade científica, apesar de serem menos prejudiciais. Segundo Patricia Drummond, coordenadora de odontopediatria da Associação Brasileira de Ortodontia em Minas Gerais, os especialistas da área também indicam o uso dos copinhos. No entanto, para quem já usa mamadeiras, é preferível optar pelos bicos ortodônticos, cujo formato permite maior adaptação dos lábios e melhor elevação da língua do bebê, estimulando mais a musculatura e ossos. "Mas o uso do copinho é mais recomendado, pois interfere menos no aleitamento, evitando o desmame precoce e estimulando melhor os movimentos de deglutição", explica.

O pediatra Luciano Borges explica que a orientação geral é estimular, sempre que possível, o aleitamento materno e, nos casos de ingestão de outros líquidos (ou do leite da mãe em sua ausência), o uso do copinho ou da colherinha (veja quadro com alternativas à mamadeira). Isso porque, além de não trazerem os malefícios da sucção em bicos artificiais, exigem maior atenção do responsável. "A mamadeira é causadora de graves acidentes encaminhados a prontos-socorros. Sua vazão é maior, o leite sai muito mais rápido, e a criança tem mais chance de se engasgar, principalmente se o adulto não estiver acompanhado. Com o copinho, o responsável precisa ficar mais atento. O fato de demorar mais é, na verdade, uma segurança para o bebê", afirma.

Denise Furtado e o marido, João Guilherme, criaram os dois filhos, Catarina e Vinicius, sem mamadeiras:
Denise Furtado e o marido, João Guilherme, criaram os dois filhos, Catarina e Vinicius, sem mamadeiras: "Quando a pessoa usa o copinho sem preconceito, não é difícil", diz Denise (foto: Thiago Mamede)
Outra mãe convicta em relação à mamadeira é a consultora jurídica Denise Furtado, que não a usou o utensílio com nenhum dos dois filhos — Catarina, de 4 anos e 8 meses, e Vinícius, de 1 ano. Quando buscou ajuda com uma enfermeira para amamentar a pequena, ouviu o conselho de que o sucesso do aleitamento é a relação mãe-filho e de que tudo que colocasse no meio atrapalharia. "Quando alguém precisava dar meu leite e meus filhos eram bebês, usava copinho ou xícara de café, que tem asinha, é mais fácil de pegar. Quando a pessoa faz isso sem preconceito, não é difícil", afirma. A convicção deu certo, já que seus filhos passaram do peito para o copinho sem traumas.

Outro motivo para os pais pensarem no uso de bicos é a questão da fase oral, ou seja, da necessidade de sucção e de reconhecimento externo por meio da boca, que é intensa em crianças, principalmente até 1 ano. Especialistas dizem que esse fator normalmente é trabalhado na própria sucção do peito. Para as crianças que têm essa questão exacerbada, que precisam de outras fontes para elaborar a fase oral, ou que são mais difíceis de acalentar, a orientação é que o uso da mamadeira ou chupeta restrinja-se aos momentos de instabilidade. "E, de qualquer maneira, a retirada deve ser feita entre 1 e 2 anos", orienta Raquel Pitchon.

A funcionária pública Laura Rocha ficou sabendo das contraindicações da mamadeira em um grupo de mães que discutem assuntos relativos à gravidez e à maternidade. "Lá, falamos muito sobre amamentação, e não usar mamadeira foi consequência disso", afirma. Seu filho Rafael, de 2 anos e 8 meses, passou direto para o copinho, com breve passagem pela colherinha em momentos de ausência da mãe. "Ele passou com facilidade ao copo comum, pois, durante o tempo em que usou o copo de transição [aquele que vem com alças e tampa], já ficava curioso com o que tinha lá dentro", diz ela, que nem chegou a comprar mamadeiras.
 
Segundo a psicanalista infantil Viviane de Quadros, é normal que crianças procurem objetos de apoio, entre eles, os de sucção. Isso porque a boca é uma zona erógena privilegiada e bebês ainda não têm condições de apreender objetos, como paninhos, cobertores ou bichos de pelúcia. No caso de crianças que já usam mamadeiras ou chupetas, Viviane afirma que os pais precisam ajudar o filho no momento da perda do objeto. "Eles podem oferecer algo de que o filho goste em troca, algo pequeno, simples, para ajudar na transição", afirma. O importante, segundo ela, é saber que a mamadeira vai precisar ser retirada eventualmente e saber lidar com esse momento.



Os comentários não representam a opinião da revista e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação

Publicidade