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Estado de Minas CULTURA | PERFIL

O pioneiro da moda

Considerado o primeiro estilista brasileiro, o mineiro Alceu Penna ditou os modelitos das brasileiras por mais de 30 anos. As "Garotas do Alceu", que estampavam páginas de grandes revistas, são relembradas agora, em seu centenário


postado em 31/03/2015 14:45 / atualizado em 31/03/2015 14:50

O estilista Alceu Penna saiu de Curvelo e ganhou fama no Rio: desenhos que inspiravam as mulheres(foto: Arquivo Estado de Minas)
O estilista Alceu Penna saiu de Curvelo e ganhou fama no Rio: desenhos que inspiravam as mulheres (foto: Arquivo Estado de Minas)
Na linguagem atual, elas seriam chamadas de it girls, por ditarem a moda e servirem de inspiração para milhares de mulheres. Entre 1938 e 1964, eram chamadas de "Garotas do Alceu" e se tornaram razão de alvoroço do público feminino. Do mesmo jeito que as mulheres de hoje fazem questão de copiar as roupas, acessórios, penteados, comportamento e gestos das it girls, no passado, essa modelos ditavam moda. Na realidade, tratava-se de desenhos que saíam da cabeça fervilhante e mãos ágeis de Alceu Penna (1915-1980), um mineiro que deixou Curvelo para fazer fama no Rio de Janeiro, então capital federal, e até no exterior. Seus desenhos de belas mulheres com modelos coloridos e de vanguarda eram publicados semanalmente nas páginas da revista O Cruzeiro, dos Diários Associados.

Em uma época em que não havia lojas de roupas prontas, era Alceu quem ditava os modelitos da mulherada. "Não existia televisão. As mulheres acompanhavam a moda em cinema e revista", diz Gabriela Ordones Penna, estudiosa da obra do tio-avô há 10 anos. As outras revistas costumavam usar fotos de agências internacionais para divulgar a moda da época. "Era difícil a mulher brasileira se identificar", diz Gabriela. "Os desenhos de Alceu vieram para privilegiar a cultura e costumes brasileiros, com olhar no exterior."

Alceu Penna começou a desenhar ainda criança, inclusive com giz de alfaiate, na pacata Curvelo. Mas a sua história ganha destaque mesmo ao se mudar para o Rio de Janeiro, aos 17 anos, onde foi estudar na Escola Nacional de Belas Artes e fez carreira em produções gráficas diversas. Desenhou para O Jornal, O Globo Juvenil, A Cigarra e foi um dos pioneiros na produção de quadrinhos. Mas foi com a coluna "Garotas do Alceu" que se consagrou no Brasil inteiro. Elas eram saudadas na imprensa da época como se fossem modelos reais, garotas que tinham "Yumpf", ou seja, "it".

Gabriela conta que as "Garotas do Alceu" foram encomendadas por Accioly Netto, editor-chefe d’O Cruzeiro, que pediu ao desenhista para criar as Gibson Girls (mulheres provocantes pintadas pelo artista norte-americano Charles Dana Gibson em 1887) brasileiras. "Assim nasceram as garotas", diz. Elas tinham olhos maiores, boca mais carnuda e feições trabalhadas. "Alceu reinventou as pin-ups brasileiras", diz o estilista mineiro Ronaldo Fraga.

Maria Carmen, irmã de Alceu Penna: vestido de noiva assinado pelo irmão famoso(foto: Álbum de família)
Maria Carmen, irmã de Alceu Penna: vestido de noiva assinado pelo irmão famoso (foto: Álbum de família)
As modelos criadas por ele traziam um toque sensual e, ao mesmo tempo, uma dose de recato, pois eram publicadas em revista de circulação nacional voltada para a família. Mas as belas jovens apareciam com trajes mais ousados nos calendários distribuídos pela empresa Moinho Santista. A partir daí, Alceu Penna se transformou também em estilista e assinou figurinos de famosas montagens do Cassino da Urca, no Rio de Janeiro. Nessa época, ficou amigo de Carmem Miranda, tornando-se uma espécie de consultor informal da estrela. Na década de 1960, criou modelos para os famosos desfiles da Companhia Rhodia, que lançavam tendências.

Alegre em família, munido de ironia fina, Penna gostava de contar piadas. Tinha 11 irmãos, nunca se casou e não deixou herdeiros. A maior parte do seu acervo, que reúne croquis, fotografias, desenhos, calendários e correspondências, é mantida por parentes, principalmente sobrinhos, já que não há mais irmão vivo. Em compensação, a lista de sobrinhos é extensa. "Tenho de fazer as contas com calma. Só na minha casa são oito", diz a sobrinha mais velha, a aposentada Cyra Maria Andrade von Sperling. Quando ela estudou em Petrópolis, em colégio interno, Alceu Penna era seu tutor. "Ele era muito dedicado aos sobrinhos e sempre levava presentes a todos quando voltava de viagem", diz. O artista viajava muito e costumava passar seu aniversário (1º de janeiro) em Nova York. Paris também estava entre as preferências de destino.

Para comemorar o centenário de nascimento, parentes de Alceu Penna têm se empenhado na montagem de uma série de homenagens, que vão desde livros e exposições até rótulos de cachaça. Foram criados o site www.alceupenna.com.br e uma página no Facebook. O estilista mineiro Victor Dzenk vai fazer homenagem ao artista no lançamento de sua coleção de Verão 2016, em abril. A coleção O Meu Jardim Secreto vai trazer camisetas com grafismo, saias rodadas e uma linha de roupa de praia. "Vamos fazer uma releitura de estampas criadas por Alceu", diz Dzenk.

É difícil acreditar, mas o artista da moda mais colorida do país no passado era daltônico. "A irmã Therezinha, com quem morou até a morte, ajudava e escrevia o nome da cor em cada lápis", diz Natércio Pereira, cunhado e vizinho de Alceu no Flamengo (Rio), durante 13 anos. Ele conta que o artista desenhou também vestidos de noiva, inclusive das irmãs e de algumas sobrinhas. "Da minha mulher mesmo, a Maria Carmen, foi ele quem desenhou", diz orgulhoso. "Sou suspeito, mas acho que é o vestido de noiva mais bonito que ele fez", diz.

(foto: Fotos: Arquivo Estado de Minas)
(foto: Fotos: Arquivo Estado de Minas)

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