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Estado de Minas ENTREVISTA | TÂNIA ZAGURY

Especialista não acredita que bullying tenha levado estudante de Goiânia a atirar em colegas

Professora, escritora e filósofa defende, ainda, limites no uso das mídias digitais pelas crianças e diz que os pais não podem subestimar os perigos do tentador mundo virtual


postado em 14/11/2017 14:51 / atualizado em 14/11/2017 15:08

(foto: Ronaldo Dolabella/Encontro)
(foto: Ronaldo Dolabella/Encontro)
Sem restrições aos temas mais espinhosos que cercam a educação dos filhos, a filósofa e escritora Tania Zagury, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), discute do bullying ao uso das mídias digitais por crianças em seu novo livro. A convite do projeto Sempre um Papo, a escritora lançou em Belo Horizonte Os Novos Perigos que Rondam Nossos Filhos, um manual que pretende ajudar principalmente os chamados pais da geração milleninum, nascidos no final da década de 1990 e, portanto, já conectados, a compreender os riscos da superexposição precoce ao tentador mundo virtual. "Os meios digitais deixam as crianças quietinhas por muito tempo, mas, quanto maior a exposição, maiores são os riscos." Ela defende que o uso das ferramentas seja de alguma forma acompanhado e aconteça de modo gradual. À medida que a criança começa a ganhar maturidade, o tempo dedicado aos meios digitais também cresce. "Os pais não devem ter medo dos filhos, eles são responsáveis por educar", diz. Para ela, demandas que não podem ser prontamente atendidas sempre fizeram parte do universo infantil. Se antes a criança que ainda não sabia nadar queria uma prancha de surfe, agora elas querem cada vez mais cedo smartphones e tablets. Tania, que é mãe e avó, escreveu 32 livros sobre educação, resultado de uma trajetória de 50 anos dedicados ao magistério. Durante sua visita a BH, ela conversou com Encontro sobre bullying, limites e o acesso de bebês e crianças ao mundo digital.

Quem é: Tania Zagury
Origem: Rio de Janeiro (RJ)
Formação: Mestre em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Filósofa, graduada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj)
Carreira: Pesquisadora em educação e escritora. Professora da faculdade de educação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro da Academia Carioca de Letras e autora de 32 livros como O Professor Refém, Limites sem Trauma, Construindo Cidadãos e o recém-lançado Os Novos Perigos que Rondam Nossos Filhos

ENCONTRO - Em seu mais novo livro, Os Novos Perigos que Rondam Nossos Filhos, você aborda diversos temas contemporâneos. Um deles é o bullying. Recentemente, o adolescente que atirou contra os colegas, em Goiás, matando dois e deixando uma garota paraplégica, chocou o país. O crime pode ter sido provocado pelo bullying?
TANIA ZAGURY - Não acredito. Não vou dizer nunca, mas é raríssimo um problema de bullying gerar mortalidade desse tipo. Até mesmo os tiros de Columbine, que marcaram a história com 14 mortes, foram associados a um desvio mental. Geralmente, esses adolescentes têm algum problema psiquiátrico. Por ser um menino muito jovem, ele pode não ter sido diagnosticado ainda. Muitas vezes, as pessoas esperam que o comportamento de quem tem uma doença mental seja algo explícito, quase caricatural, mas não é assim que acontece. Talvez o próprio fato de ele ser um adolescente considerado mais desleixado em relação ao seu corpo pode ser um indicativo.

Mas e quando o bullying se torna um fardo para o adolescente? Isso pode ser um gatilho para a violência?
O bullying é algo grave, mas, se provocasse esse tipo de reação, nós voltaríamos à barbárie. Na verdade, essas pessoas que têm algum tipo de problema psiquiátrico não conseguem administrar a realidade.  

Em seu livro, você cita que os pais têm muito receio de os filhos serem agredidos, mas às vezes se preocupam menos com o fato de ele ser um agressor...

O amor nos faz tender a enxergar os pontos positivos em detrimento dos negativos, mas é importante que os pais estejam atentos ao comportamento de seus filhos. A criança, quando nasce, não sabe o que dói no outro, ela começa a aprender primeiro o que dói nela. São os pais e a escola que ensinam o respeito ao outro. Eu me preocupo com os exemplos ruins que a sociedade dá, com comportamentos antiéticos e desonestos. Tenho medo que os pais pensem que é melhor que seus filhos sejam "espertos", e não "bobões", para se darem bem. Cabe aos pais, como autoridade, contribuir para a boa formação da criança, não permitir, por exemplo, que o filho cole na prova. É importante apoiar a escola quando a punição for justa e necessária.

"Se a criança não cumprir o que foi definido quanto ao uso dos eletrônicos, ela deve ter uma punição, por exemplo, perder o direito de usar a internet por um tempo. Já quando tiver um bom comportamento, pode também ganhar tempo extra" (foto: Ronaldo Dolabella/Encontro)
Ainda sobre os agressores, as famílias podem perceber esse comportamento em seus filhos?
O bullying é difícil de ser percebido por qualquer pessoa. Algumas publicações falam do comportamento como se a escola não quisesse ver, mas não é bem assim. Se fosse praticado em público, todo mundo veria. O bullying acontece no banheiro, do lado de fora da escola, atrás da coluna do pátio. Sozinha, a família não vai identificá-lo. O que ela pode, sim, perceber e ficar atenta é em relação ao comportamento em casa, se o filho nem sempre é coerente com os hábitos e ensinamentos dos pais, se é agressivo, debochado ou do tipo cínico. Também é importante ver se ele reage mal ou fica muito irritado quando lhe chamam a atenção ou perde no jogo. Não quer dizer também que seja regra, que uma criança assim vá praticar bullying, mas são alguns pontos de alerta. Uma criança doce e meiga, que nunca bate na outra, dificilmente vai ser uma agressora.

E a escola, não consegue perceber pontos importantes da personalidade?
A escola muitas vezes alerta os pais quando o filho está "comandando o espetáculo" ou fazendo parte de um grupo. Daí, as famílias devem intervir, falar sobre respeito. Muitas vezes a criança está fazendo parte de um grupo por medo. Eu acredito que a educação é o caminho para corrigir comportamentos como o bullying. Até a idade adulta, o indivíduo ainda está sendo construído. Se não acreditasse nisso não seria educadora há 50 anos.

Em seu livro a senhora aborda diversas aflições dos pais. Qual a maior preocupação deles hoje?
Vou responder sobre a preocupação que me levou a escrever o meu 32º livro, dedicado aos pais da geração millenium, aqueles com 30 e poucos anos, a geração que nasceu no final do século XX. É importante dizer que eu não dou opiniões, tenho como base pesquisas de campo. Para esses pais é muito natural ter acesso à internet com todos os aplicativos que vão nos levar para um milhão de lugares, sem muitas vezes nos darmos conta dos perigos que envolvem o uso precoce de todas essas mídias pelas crianças. Elas ainda não sabem o que é certo ou errado, ainda têm esses conceitos em construção. Até mesmo um adolescente ainda não está totalmente definido em relação aos valores. Quanto maior o tempo de exposição, maior será a influência. As novas mídias devem ser usadas sob supervisão e de maneira gradual.

Afinal, quais são os riscos do uso precoce da tecnologia pelas crianças?
Hoje vemos até mesmo bebês com acesso a tablets e computadores, o que não é recomendado pelos pediatras. Em uma casa contemporânea, moram os pais, os filhos e o mundo. Aí está um dos perigos que tento alertar no livro. Quando estão próximos, os pais selecionam o conteúdo, mas os computadores de modo geral são tentadores, já que entretêm crianças por horas. Essa diversão pode parecer inofensiva, mas tem riscos. A criança é naturalmente curiosa e pode ser levada a explorar conteúdos impróprios, que desenvolvem medo, insegurança, crises de pavor e modificação de comportamento. Até uma determinada idade, a criança não consegue identificar o que é real e o que é ficção. Há também os riscos de exposição à sexualidade precoce.

Como controlar o que as crianças estão vendo ou jogando? Essa não é uma tarefa quase impossível?
Algumas atitudes são muito importantes. O primeiro computador da criança não deve ser pessoal, mas familiar, ficar na sala, em um lugar visível, e elas devem usar sob supervisão. De vez em quando os pais devem olhar o celular, ver os jogos do filho, se está jogando em conjunto com colegas. Os pais devem garantir também que os combinados sejam cumpridos. Se a criança não cumprir o que foi definido quanto ao uso dos eletrônicos, ela deve ter uma punição, por exemplo, perder o direito de usar a internet por um tempo. Já quando tem um bom comportamento, pode também ganhar tempo extra.

Quanto tempo do seu dia uma criança poderia gastar com os eletrônicos?
Essa é uma definição de cada família, mas quanto menor a idade menor deve ser o tempo. Costumo dizer que a balança é a escola. Se ela passa quatro horas e meia na escola, um tempo parecido deve ser preenchido com todas as suas outras atividades, brincadeiras, tarefas da escola, aulas especializadas e os eletrônicos.

"Quando estão próximos, os pais selecionam o conteúdo, mas os computadores de modo geral são tentadores, já que entretêm crianças por horas. Essa diversão pode parecer inofensiva, mas tem riscos" (foto: Ronaldo Dolabella/Encontro)
E as redes sociais?
Cada plataforma tem suas regras. Se você quer que seu filho seja um cidadão honesto e ético, você deve ensiná-lo a cumprir a lei, o Facebook, por exemplo, exige a idade mínima de 13 anos. Se a lei está errada, é importante trabalhar para mudar a lei, e não burlá-la. Reconheço que não é fácil mudar o mundo, mas você pode ser responsável não pelo mundo, mas por seu filho. Comece com isso.

Existe uma idade para a criança ganhar seu primeiro celular com internet?
As crianças são diferentes e essa decisão depende dos pais. É preciso pensar se um celular para crianças  pequenas, de 7, 8, 9 anos, é uma necessidade dela ou dos pais. A sociedade de consumo às vezes faz com que a família se sinta mal por não comprar, mas os pais não devem querer ser legais por meio desse modelo de consumo. Não podem ter medo de educar os filhos.

Como lidar com a frase: "mas todo mundo na minha sala tem um smart-phone"?

Costumo dizer que, contra a bobeira, está o conhecimento. Os pais devem usar sua autoridade e dizer: meu filho, você ganhará um celular mais para frente. Assim a conversa é encerrada. Hoje, a demanda é um celular, amanhã será outra coisa. No passado, podia ser uma prancha de surfe. Como dar uma prancha para quem ainda não aprendeu a nadar?

Você também trata de alguns perigos que deixaram os pais assustados, como o episódio do jogo Baleia Azul, que impunha vários desafios e podia levar ao suicídio...
Cada vez mais cedo é importante que os pais conversem com os filhos sobre o uso das redes e seus perigos, sobre drogas... Assim, quando os filhos crescem, completam 16 anos, por exemplo, é esperado que todo esse trabalho tenha surtido efeito. Isso significa ter filhos mais maduros para lidar com situações como desafios expostos pelo jogo.

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