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Estado de Minas

Bairros Anchieta e Cruzeiro surgiram juntos após conclusão da avenida Afonso Pena

Região começou na antiga Colônia Agrícola Adalberto Ferraz


postado em 13/08/2018 15:40 / atualizado em 13/08/2018 15:56

Construção da Praça do Cruzeiro, em 1922: bairros começariam a ser ocupados no final dessa década(foto: Acervo Museu Histórico Abílio Barreto)
Construção da Praça do Cruzeiro, em 1922: bairros começariam a ser ocupados no final dessa década (foto: Acervo Museu Histórico Abílio Barreto)
O comendador Honório Carneiro, de 91 anos, é um ativo funcionário da Coteminas, empresa do ramo têxtil fundada pelo ex-vice-presidente José Alencar (1931-2011). "Trabalho diariamente apesar da idade", diz o orgulhoso senhor, que foi secretário do empresário e político. Seu orgulho, no entanto, não para por aí. Honório, que coleciona comendas e medalhas - daí o título de comendador -, emociona-se ao lembrar que faz parte da história de um dos bairros mais tradicionais de Belo Horizonte. A escada da rua Jornalista Jair Silva, no Cruzeiro, que dá acesso à avenida Afonso Pena, foi batizada com o seu nome, em 1997, no dia em que completou 70 anos. "Teve um foguetório e uma grande festa que parou a avenida Afonso Pena", diz o senhor, que morou ali por 10 anos. A homenagem, devidamente registrada no muro da escada, foi por causa de um artigo que escrevera na época para um jornal de Ubá, cidade onde nasceu. O texto, intitulado "Eu e meus 40 degraus", conta a história da escada que era o caminho obrigatório que Honório percorria até o trabalho e para um bar perto dali, o Canto de Minas. A escada, talvez a única com placa de identificação em BH, foi construída porque o lugar era um barranco, que no período chuvoso se transformava num grande lamaçal. "Era uma verdadeira aventura subir e descer sem se sujar ou escorregar na lama que se formava", lembra Honório.

Aliás, no início do século passado, a região dos bairros Cruzeiro e Anchieta era pura terra. Nessa época, predominavam por lá fazendas e chácaras, que faziam parte da grande Colônia Agrícola Adalberto Ferraz, batizada com o nome do primeiro prefeito de Belo Horizonte. O núcleo, criado em 1899, dois anos após a inauguração da capital mineira, abastecia a cidade de alimentos. Mas não eram apenas frutas, carnes e legumes que partiam da região. Em 1897, foi construído o primeiro reservatório de água da cidade, hoje, integrado ao Parque Municipal Amílcar Vianna Martins, ao lado da Fumec. Até hoje o reservatório abastece os bairros Serra, Anchieta, São Lucas, Funcionários e parte do Cruzeiro.

Ieda Rodrigues:
Ieda Rodrigues: "Quando cheguei aqui era só matagal. Havia um brejo na área onde hoje é a avenida Francisco Deslandes" (foto: Alexandre Rezende/Encontro)
A partir do final da década de 1920, e quando bairros como Carmo e São Pedro já despontavam, a imensa área rural começou a ser dividida. Em outras palavras, eram os primórdios dos bairros Anchieta e Cruzeiro.
Ieda Rodrigues, de 73 anos, mantém um bar/mercearia há quase quatro décadas na rua Itapema, no Anchieta. "Quando cheguei aqui era só matagal. Havia um brejo onde hoje é a avenida Francisco Deslandes", diz a simpática senhora, uma das comerciantes mais antigas da região, por isso, uma referência entre os moradores. Seu estabelecimento lembra aqueles do interior mineiro que vendem de tudo um pouco, de balas, chocolates, a cervejas e vassouras.

E o Cruzeiro? Os torcedores azuis podem até brincar dizendo que o nome do bairro é uma homenagem ao clube do coração, mas não é verdade. O nome surgiu depois que uma cruz foi colocada no alto da avenida Afonso Pena, onde hoje é a praça Milton Campos. O lugar aparece nas memórias do escritor Pedro Nava em sua obra Beira-mar: "Do pé da torre de alta voltagem e da cruz de madeira de que vinha o apelido do logradouro - olhávamos a cidade. Víamos a Afonso Pena como a Campo Elíseos de cima dum Arco do Triunfo". Foi ali também que foi planejada a construção da Catedral de Nossa Senhora da Boa Viagem, hoje localizada no Funcionários, na rua Alagoas. O plano de construção do que seria a nova catedral na Afonso Pena não foi para frente. Por outro lado, outra está sendo erguida no bairro Juliana, na região Norte de BH.

Honório Carneiro na escada que leva seu nome:
Honório Carneiro na escada que leva seu nome: "Na inauguração, teve foguetório e uma grande festa que parou a avenida Afonso Pena" (foto: Alexandre Rezende/Encontro)
A região dos bairros, como não poderia ser diferente em terras belo-horizontinas, foi loteada sobre córregos. É o que conta o geógrafo e pesquisador Alessandro Borsagli em seu blog Curral Del Rey. "O córrego do Gentio, principal afluente do córrego do Acaba Mundo, tem as suas nascentes localizadas na Serra do Curral, canalizadas atualmente sob as ruas Francisco Deslandes, Vitório Marçola e Odilon Braga", escreve Alessandro. No blog, é relatado ainda o surgimento da favela do Pindura Saia, no Cruzeiro. Os barracos começaram a brotar por ali, às margens da avenida Afonso Pena, na década de 1940, depois que o processo de expansão do corredor - obra comandada pelo então prefeito Juscelino Kubitschek - foi interrompida. No final da década de 1960, a comunidade receberia um duro golpe em prol do crescimento dos bairros vizinhos. A Afonso Pena, enfim, continuou a ser aberta, alcançando a praça da Bandeira, e grande parte da favela foi urbanizada. De acordo com o último censo do IBGE, em 2010, restam no local, espremidos entre prédios, pouco mais de 150 moradores.

Essas intervenções possibilitaram a aberturas de novas ruas em bairros vizinhos e, sobretudo, no Cruzeiro. Foi nessa época, em 1974, que o mercado distrital foi inaugurado. O período foi marcado também por um salto populacional na capital. Entre as décadas de 1950 e 1970, de 352 mil habitantes, a cidade passou a contabilizar 1,25 milhão. O centro não mais comportava tanta gente, que passou a buscar outras áreas para viver. Assim, a dupla Anchieta e Cruzeiro estava pronta - e com espaço - para receber novos moradores.

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