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Estado de Minas ENTREVISTA

Educadora parental fala sobre criação de filhos sem estresse

Luanda Barros diz que a parentalidade positiva ajuda a educar filhos sem autoritarismo ou permissividade em excesso


postado em 29/03/2019 15:23 / atualizado em 29/03/2019 18:16

Luanda Barros(foto: Violeta Andrada)
Luanda Barros (foto: Violeta Andrada)
 Não é  mais comum vermos uma família com três filhos pequenos. Muito menos com quatro. Pois a pernambucana Luanda Barros, de 37 anos, animou-se (até agora) a ter quatro: João, de 10 anos, Irene, de 7, Teresa, de 5, e Joaquim, de 1 ano e 9 meses. Ela diz que a maternidade, atualmente, vai de vento em popa. Mas nem sempre foi assim. Lua, como é conhecida, conta que, depois de um primeiro filho bem tranquilo, vieram em sequência duas meninas mais questionadoras e a vida com três crianças pequenas a estava deixando exausta, frustrada, infeliz como mãe. Foi quando decidiu buscar informação, ajuda, e conheceu a disciplina positiva, uma filosofia de criação de filhos que sugere um caminho do meio entre o autoritarismo e a permissividade. Gostou tanto que se especializou e hoje é educadora parental: dá workshops, palestras e faz atendimentos a pais que sentem que estão falhando, estão em encruzilhadas e entendem que a forma com que atuaram até hoje – muitas vezes uma reprodução do modelo que tiveram na sua própria infância – não é necessariamente a melhor. Nesses atendimentos, e também no Instagram, Lua traz reflexões sobre como educar na era da hiperconectividade e fala da importância do respeito pelo tempo e pelas emoções da criança. Em suma, propõe repensar a parentalidade. E a agenda está cheia. Lua veio a BH no final de fevereiro para realizar uma roda de conversa sobre reconexão materna pelo projeto Entre Nós Encontros, além de um workshop sobre parentalidade positiva (ambos com vagas esgotadas). Na ocasião, deu a seguinte entrevista a Encontro. 

 

Quem é
Luanda Barros, 37 anos


ORIGEM

Recife (PE)

 

FORMAÇÃO

Educadora parental


CARREIRA
Formada pela Positive Discipline Association e pela Escola da Parentalidade de Porto (Portugal)

 

 ENCONTRO Por que tem crescido a busca, hoje, pela orientação na criação dos filhos?

 

Luanda Barros – Acho que estamos passando por um gap geracional importante. No fim do século XIX, a criança passou a ser identificada como um indivíduo, como alguém naquela fase da vida, não simplesmente um adulto, uma força de trabalho. Mas, nos últimos 50 anos, tem ocorrido um movimento de olhar demais para a necessidade da criança, a ponto de anular as necessidades dos pais. Acho que, agora, estamos passando por um momento de ajustar essas engrenagens e sinto que os pais estão muito perdidos nesse processo. Afinal, a pessoa se torna pai e mãe e a única informação que temos sobre esse papel é a partir de uma observação do lugar de filho. Mas o que está acontecendo hoje? Temos crianças que se comportam de forma muito diferente de como nos comportávamos há 30 anos. E existe uma real dificuldade entre ajustar o que eu sei – ou seja, o conhecimento herdado – e o que o meu filho demanda. 
 

Os pais costumam reproduzir o modelo que tiveram?

 

É muito comum seguir um de dois caminhos. Um deles é a pessoa dizer, mesmo diante de uma infância com pais autoritários, violentos (física ou verbalmente), “eu sobrevivi”, “eu cresci e estou bem”. Sendo que, na verdade, quem é que quer apenas “sobreviver” à infância? Outro caminho, diante de um olhar mais crítico de não querer fazer exatamente o que os pais fizeram, é procurar um modelo permissivo, o lugar onde a criança pode tudo. Mas que também é muito duro para os filhos. Nesse modelo, os pais se ausentam da responsabilidade, achando que isso é respeitar a criança, dar-lhe liberdade, o que é, na verdade, deixar de mostrar que ela tem com quem contar, que tem alguém dizendo o que é certo ou errado – dentro da sua perspectiva. O meu trabalho não é dizer o que é certo ou errado, e sim fazer com que os pais consigam delinear seus papéis dentro de suas crenças e valores, sem o autoritarismo ou a permissividade, em um caminho mais equilibrado.  

(foto: Violeta Andrada)
(foto: Violeta Andrada)

 É preciso estudar para ser bom pai ou mãe?   

 

Acho que é preciso informar-se, estar aberto ao entendimento de que você não é seu pai ou sua mãe, que seu filho não é você. É preciso um entendimento de que os tempos mudaram, o acesso à informação mudou, as relações não se baseiam mais nessa figura de autoridade a qualquer custo. Não é necessário fazer um curso, mas estar aberto a compreender que estamos vivendo um outro tempo. Isso para evitar reproduzir um modelo ou querer negá-lo, mas sem ter outra referência.

 

Pesquisas neurocientíficas recentes, que investigam o funcionamento do cérebro da criança, deram boas contribuições nesse sentido? 

 

Sim, muito. Quando o filho completa o primeiro ano, em geral começa a trilhar certa independência e muitos pais  começam a se perguntar se as coisas que ele está fazendo são normais. Isso mostra o nível de angústia e de desconhecimento naquela relação. E, no geral, são comportamentos absolutamente normais, desde um filho que começa a morder até uma criança de 3 anos que faz birra. Nesses casos, os pais dizem que conversam muito, explicam que assim não pode. E só isso não adianta. O entendimento da palavra, nesta fase, é limitado. Há um agir que precisa ser feito, mas que não pode ser feito com violência. E vai ser feito com violência se você achar que aquele comportamento é sobre você, se você se sentir afrontado por aquela criança. Certos tipos de literatura deveriam ser fundamentais para quem quer ser pai e mãe, para saber o que acontece na cabeça do seu filho, que nem toda atitude dele é para desafiar ou confrontar seus pais. 

Qual tem sido a questão mais repensada em termos de parentalidade?

O mais latente nesse processo todo é a questão da violência verbal. Porque a violência física já é malvista, mas a violência verbal é muito naturalizada, sendo que é tão danosa quanto a física. Então vejo muitos pais tentando olhar para os gritos, as humilhações. Por exemplo, quando estamos com tanta raiva que nos autorizamos a despejar nos filhos nosso desequilíbrio. Não basta dizer: “Cara, estou muito chateada com você, você fez tal coisa que não deveria ter feito”. Em vez disso, continuamos: “Já disse mil vezes, você não me escuta, parece que é surdo, parece que é burro...” E é uma quebra de paradigma da relação entre pais e filhos rever essa questão. Existe, sim, uma hierarquia que precisa ser colocada, mas ela não pode ser confundida com autoritarismo. A pergunta é: como ser uma figura de autoridade sem ser autoritário? A falta de ferramentas para isso leva os pais a agir reproduzindo esse modelo, sem pensar, sem questionar. E tem outra coisa: quando eu castigo, grito, humilho, eu encerro um comportamento. Isso resolve mesmo naquele momento. Mas o que eu estou construindo no longo prazo?  
 

Os pais têm tido dificuldade com a autoridade?

 

Eu ouço muito nos meus atendimentos as pessoas dizerem: “Era só meu pai olhar para mim que eu já sabia o que fazer. Hoje, dou um olhar de raio-x para o meu filho e ele nem se abala”. Achamos que existia respeito naquela relação do passado, mas o que existia era medo. Porque respeito é algo conquistado. Você respeita quem você admira. E aí quer estar junto, quer colaborar. 
 

Como construir essa autoridade, se ela não é inerente?  

 

O caminho para construir essa autoridade – sem o autoritarismo – é pelo diálogo. Um diálogo onde eu falo e também escuto. Temos de estar dispostos a ouvir as crianças, pontuar onde cabe negociação e onde não cabe. Pode não caber; ou porque não é seguro ou porque é uma tradição familiar que se faça de determinada forma… E tudo bem. A criança, às vezes, vai chorar, brigar. Mas tem coisas de que pai e mãe não podem abrir mão. É preciso garantir que a criança, por exemplo, cresça em segurança. Então, em certos casos, a resposta vai ser mesmo “não”. Mas pode haver espaço para negociação em outros casos, que podem ser apresentados aos filhos. Às vezes, os pais querem apenas dizer que não e pronto. A criança que entenda. Porque tem a hierarquia, a necessidade de poder, de não ser questionado…

 

O oposto do autoritarismo é a permissividade. O que ela pode causar nas crianças?

 

Ela gera um abandono assistido. Gera uma criança desagradável, que chega à sua casa e acha que pode mexer em tudo, porque ninguém a impede, e ela está louca para ser parada. Ela é capaz de extrapolar todos os limites do socialmente aceitável, porque está querendo saber quem vai lhe dizer não, porque precisa que alguém lhe diga não. Os limites são necessários. São uma forma de se sentir cuidado, amparado.  

 

Quem são os pais que estão querendo reavaliar a forma de educar?

 

Não consigo definir um perfil, mas acho que esse questionamento acontece à medida que os desafios chegam e você se sente falhando como pai e mãe. Você diz que está fazendo algo errado ou se pergunta o que há de errado com seu filho, jogando a culpa nas crianças. Existe muita resistência a essa reflexão, porque significa ter de olhar para a própria infância e admitir que talvez seus pais tenham vacilado. Mas não é sobre culpá-los. Eles fizeram o que podiam, com aquelas ferramentas. Sinto que a busca começa quando as coisas começam a dar um pouco errado, independentemente da fase. E aí tem gente que procura ajuda, tem gente que não e passa a vida dando murro em ponta de faca.
 

Que outros desafios são comuns?

 

A questão do celular e dos tablets, que começa cedo na vida da criança. Primeiro porque os pais acreditam que essa é uma boa forma de estimular o bebê. Depois vêm a questão da exaustão da maternidade e o fato de esses dispositivos poderem dar uma horinha de sossego. Há também o fato de que, teoricamente, não oferecem riscos, pois a criança fica quietinha assistindo.. É claro que há empresas muito sérias desenvolvendo jogos infantis. Mas o YouTube, por exemplo, é pior do que açúcar em termos de malefício, na minha opinião. E aí vem o videogame; essa nova pracinha que é o videogame. As crianças se encontram nesse ambiente on-line. Então é preciso se perguntar. “Meu filho precisa estar ali?” Talvez sim, porque é um jeito de socializar. “Quanto tempo?” Você deixaria seu filho de 8 anos ficar na pracinha todo dia, das 19h às 23h, sem você supervisionar? Então por que eu não posso também limitar o videogame? Também é preciso saber que, por causa da dopamina que esse tipo de atividade libera, quando é interrompida é a mesma coisa de tirar um vício de um viciado. Então, as reações vão ser agressivas, depressivas, violentas. Os pais precisam enfrentar isso. Acho que há um despreparo geral. Não que seja fácil. E nem é sobre proibir completamente. É sobre encontrar um equilíbrio.

A forma de criar os filhos não depende muito da personalidade da pessoa?

 

No começo do meu trabalho, meu foco era muito falar sobre as ferramentas da disciplina positiva. Aí, em um dos meus workshops, uma mãe trouxe uma situação e expliquei tudo o que ela poderia fazer. No final, ela me disse: “Entendi. E como faço isso do meu jeito?” Aquilo para mim foi um estalo. Para alguns pais vai ser mais fácil ouvir, dialogar com as crianças. Para outros vai ser mais difícil porque têm menos paciência, outra personalidade. Acho que é uma questão de como a pessoa quer levar a maternidade ou paternidade e do que ela quer e pode abrir mão. Nós somos adultos, temos nossos jeitos de viver a vida, de nos relacionar, mas aí chega outra pessoa – um filho, e não um namorado, marido, a quem posso dizer ‘tchau’ – que me empurra para que eu seja um pouco diferente. Se sou muito regrada, por exemplo, e meu filho é um bagunceiro, temos de ver como viver em harmonia. Eu preciso ceder e ele precisa me encontrar no meio do caminho. É preciso ver o que pode fazer a maternidade ou paternidade ser mais leve. Não é sobre se desrespeitar, seguir a regra a qualquer custo, mas entender o que se pode fazer. “Preciso dialogar com a criança? Tudo bem. Mas vou falar alto, porque é como eu sou.” Ele vai entender. Ele é seu filho, não espera que você seja outra pessoa.
 

Como foi sua experiência de reflexão sobre a maternidade?

 

Eu fui agraciada com um primeiro filho muito tranquilo e uma maternidade sem Instagram. Então, fui uma mãe desinformada e feliz. Ele mamou no peito apenas três meses, nasceu de cesária eletiva e eu não tinha acesso a informações que hoje são mais difundidas. Ele é um menino muito incrível, é o filho mais grudado. Com João, os desafios sempre foram muito tranquilos. E por isso acho que nem todo pai precisa de orientação, mesmo. Eu só senti que precisava quando me vi com três crianças e pirando. Eu estava gritando com todo mundo, me sentindo absolutamente exausta no final do dia, sem nenhum prazer de ser mãe, porque ninguém fazia o que eu queria, porque não era possível ser tão trabalhoso. Hoje, quando penso na mãe que eu sou, diante dos filhos que vieram depois de João, acho que não conseguiria ser feliz de outro jeito, senão abrindo espaço para o diálogo. As meninas têm mais essa necessidade de me confrontar e se eu não tivesse essas ferramentas minha casa seria muito chata. Na maioria dos dias, hoje, é um balé lá em casa. Tem dias em que é roda de pogo, mas na maioria, é um balé. 
 

Tem um conselho para os pais?

 

Eu me preocupo sempre em dizer aos pais que não fiquem buscando fórmulas. Não é fórmula. É se conhecer, conhecer seu filho e entender que você é pai em um outro tempo. Em um novo tempo. E que tudo bem não saber como agir de vez em quando. 


 

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