
Vascon, no entanto, garante que tanto a pobreza quanto a riqueza não mudaram sua essência. "Dormir é dormir em qualquer lugar do mundo", diz. "Durmo em um palacete do mesmo jeito que no banquinho do parque." Ele chegou a Nova York aos 27 anos, disposto a ganhar a vida e conhecer um pouco mais do mundo. Trabalhou inicialmente como catador de latinhas, mas os centavos que colocava no bolso mal eram suficientes para se alimentar. Em uma noite gelada de 1988, estava deitado no tal banquinho do Central Park quando teve uma conversa com Deus. "Eu falei com ele: ‘Deus, o Senhor me trouxe para esta festa aqui na terra, que é a vida, e eu sou muito grato por isso. Mas nada vem dando certo. Estou muito preocupado e com medo. Se essa festa para que o Senhor me convidou continuar assim tão monótona, vazia e perigosa, eu peço que me deixe ir embora dela’", conta, emocionado.

Antes de se despedir, Nancy falou para Vascon fabricar muitas bolsas, pois tinha clientes para ele. E passou um endereço para procurá-la. Com o dinheiro, Vascon comprou cobertor e mais material. Ficou uma semana sem dormir produzindo novas bolsas, que levou ao local combinado: o icônico edifício do jornal, na Times Square. Foi só pisar na redação que começou uma guerra pelas 40 peças. Vendeu todas e ainda posou para fotos. No dia seguinte, a surpresa. A capa do caderno de moda do jornal trazia seu retrato e o seguinte título: "The Leather Wizard" (O Mágico do Couro, em inglês). Na reportagem, foi apresentado como Mr. Vascon, um designer brasileiro recém-chegado a Nova York, que estava fabricando lindos modelos de bolsas e fazendo mágica com o couro. Foi aí, aliás, que surgiu seu "nome artístico". Vasconcelos era complicado demais para ser reproduzido pelos americanos.

A notícia do morador de rua que virou empresário continuou se espalhando e cruzou o mundo. Empresários japoneses o procuraram para usar seu nome em uma linha de produtos. Na época, o designer estava precisando de 10 mil dólares para comprar uma máquina de costura. Achou que a negociação viria a calhar. Ao chegar, já foi logo avisando: não "emprestaria" seu nome por menos de 10. Os japoneses foram duro na queda e garantiram que não pagariam mais de 1 milhão. A ficha caiu. "Milhão?", pensou. Fecharam o negócio por 1,5 milhão de dólares. Vascon estava milionário. Sua primeira providência foi comprar um apartamento de frente para o banquinho onde dormiu, no Central Park, com luxos como lareira revestida de mármore e quarto de hóspedes. O mágico do couro foi capa do Women´s Wear Daily (WWD), jornal conhecido por ser a "Bíblia da moda" americana, e destaque no Le Monde, de Paris, além de ter perfil estampado nas revistas Vogue e New York e participar de programas de televisão mundo afora. E não demorou muito para chegar a ter sete lojas nos Estados Unidos e Japão.

Para fincar os pés nos Estados Unidos de forma legal, casou-se em 1989 com a americana Francis Fuentes. Dois anos depois, ela se mudou para a Flórida e Vascon continuou em Nova York. Por pouco tempo. Em 1993, ele resolveu ir atrás de outro sonho. Os negócios iam de vento em popa. Vascon vendia cerca de 3 mil bolsas por mês e suas mercadorias abasteciam lojas próprias e multimarcas. Aos 31 anos, no entanto, estava farto de carros, motorista, relógios, roupas, cremes, perfumes, fama e de engordar a conta bancária... "Eu queria ter riqueza por dentro", diz. Havia sempre uma pergunta rondando a sua cabeça: o que fazer com tudo que conquistou? Ele, então, fechou as lojas, vendeu o apartamento, máquinas, estoque, dispensou os 90 funcionários e saiu para conhecer o mundo. Viajou apenas com uma mochila. Em cada país, contratava um professor de história para contar relatos do lugar. Em alguns, ficava por dois dias, em outros, por dois meses. E ele optava por não visitar as capitais. "Eu queria conhecer o interior, o povo de verdade", diz. Ficava em hotel e também na casa de moradores locais. Conheceu 128 países em cinco anos. Quando voltou do tour mundial para Nova York, o dinheiro havia acabado.

Com o nascimento do filho, Roberto decidiu voltar a refazer a vida em Nova York. "Cheguei de novo sem nenhum centavo, com uma mão na frente e outra atrás", lembra. E voltou a dormir no mesmo banquinho no Central Park. "Mas muito mais feliz. O dinheiro me trazia problemas, meu telefone tocava sem parar", diz. Ele nunca quis ser um homem de negócios. Sempre dependeu de alguém para tomar conta do dinheiro. E afirma ter sido roubado, nos Estados Unidos, no Brasil e no Japão. "Todo artista é meio louco. Eu sei fazer arte, não dinheiro."

Com suas bolsas coloridas, Vascon continua sua trajetória de sucesso no Brasil. Ele ganhou até uma biografia, escrita pelo jornalista Elias Award, Nas Asas de um Sonho, que narra sua trajetória incomum. Apesar de nunca ter frequentado a escola, mostra-se rigoroso quando o assunto é ensino. Assim que chegou a Nova York, como não tinha com quem conversar, tratou logo de providenciar um walkman e depois um livro e fita cassete na banca de revistas para ouvir aulas de inglês. O método funcionou. Vascon fala também francês e espanhol, além de um pouco de italiano e alemão. Agora, quer aprender japonês. Ele já deu aula de criação no Fashion Institut of Technology, nos Estados Unidos, escola de referência em design, moda, negócios e artes. Mas gosta mesmo é de conversar com as clientes tête-à-tête, aconselhá-las e trocar confidências. "Ele é sempre positivo e me ajudou muito em um momento difícil, que foi minha separação", afirma a bancária aposentada Elizabeth Maria de Queiroz, que conheceu Roberto através de um programa de televisão e se tornou cliente e amiga. Na casa de Elizabeth, há um arsenal de produtos Vascon: cerca de 20 bolsas, o livro e o tapete de couro, a nova produção do artista. "Ele foi ao fundo do poço e conseguiu se reerguer", diz a dona de casa Samyra Velloso de Castro, cliente e amiga de Vascon, que tem 10 bolas do artista. "Traz sempre um sorriso e uma palavra para nos colocar para cima." A cor é a marca do designer, que afirma fazer peças em preto só para sobreviver. "Se fosse pelo meu gosto, eu produziria apenas nas tonalidades roxa, abóbora e verde", brinca Vascon. Desde que conheceu as bolsas do mineiro, a advogada Débora Kollins não trocou de marca. Ela tem cerca de 20 modelos e recentemente comprou dois tapetes produzidos por ele. "É um produto com boa qualidade e preço", afirma. "O Vascon é uma pessoa iluminada e muito inteligente", diz.

A paz para a nova jornada, Vascon encontrou na cidade de Piedra Sola, no Uruguai, para onde se mudou há pouco tempo. Lá, conseguiu alguns benefícios da prefeitura, além de ficar mais próximo do Rio Grande do Sul, fornecedor de sua principal matéria-prima, o couro. "Eu preciso de um tempo sozinho para produzir", diz. Tem recusado todos os convites para eventos. "Quando estou sozinho, leio a Bíblia, falo com Deus e canto", diz. "Eu não posso conversar com Deus no meio das festas e da multidão." Pintou em uma das paredes de sua fábrica no Estoril sua primeira e humilde casa em Raposos. É para sempre se lembrar de onde veio. Entre seus próximos planos está fazer tapetes com imagens de pássaros. Se os tapetes vão repetir o sucesso das bolsas? "Em nenhum momento você pode usar a palavra impossível, porque querer é poder", afirma Vascon. "Vontade e fé são fundamentais para conseguir os objetivos." Vontade e fé – e uma boa dose de ousadia – não faltam a Roberto Vascon.