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Estado de Minas NEGÓCIOS | PERFIL

Conheça o mineiro ex-morador de rua que se tornou o 'mago das bolsas'

Roberto Vascon ficou milionário no mundo da moda e gastou toda a fortuna em viagens. Agora, aposta em novo produto em couro


postado em 01/04/2019 14:04 / atualizado em 01/04/2019 15:08

Depois do sucesso com as bolsas, Roberto Vascon quer colocar em prática um novo sonho:
Depois do sucesso com as bolsas, Roberto Vascon quer colocar em prática um novo sonho: "Começou a chegar na minha mente a imagem de um mar de tapetes e eu flutuando em cima" (foto: Ronaldo Dolabella/Arquivo/Encontro)
Ele fala muito. E rápido. Ainda bem, pois se não fosse assim as horas de entrevistas para esta reportagem, em três dias diferentes, seriam insuficientes para narrar a trajetória de Eli Roberto de Vasconcelos. Mineiro de Raposos, Roberto Vascon, como ele é conhecido no mundo da moda, tem tantas histórias para contar que não caberiam nas mais de 1 milhão de bolsas que produziu e vendeu nos 30 anos de profissão. Vascon conheceu os extremos da vida. Sentiu frio, fome e morou na rua. Em muitos dias gelados, dormia em um banquinho de madeira no Central Park, em Nova York. Mas também jantou nos melhores restaurantes de NY, viajou de primeira classe, rodou o mundo todo, vestiu-se com as principais grifes mundiais e comprou um apartamento com varanda de frente ao banquinho onde "morou". "Quando eu me deitava para dormir, ficava olhando as festas no prédio em frente ao parque e imaginando o que as pessoas estavam falando, pensando...", lembra. Demorou pouco para descobrir. Precisou de apenas um ano na cidade para se mudar e sentir qual era a sensação de ser anfitrião nas tais festas extravagantes.

Vascon, no entanto, garante que tanto a pobreza quanto a riqueza não mudaram sua essência. "Dormir é dormir em qualquer lugar do mundo", diz. "Durmo em um palacete do mesmo jeito que no banquinho do parque." Ele chegou a Nova York aos 27 anos, disposto a ganhar a vida e conhecer um pouco mais do mundo. Trabalhou inicialmente como catador de latinhas, mas os centavos que colocava no bolso mal eram suficientes para se alimentar. Em uma noite gelada de 1988, estava deitado no tal banquinho do Central Park quando teve uma conversa com Deus. "Eu falei com ele: ‘Deus, o Senhor me trouxe para esta festa aqui na terra, que é a vida, e eu sou muito grato por isso. Mas nada vem dando certo. Estou muito preocupado e com medo. Se essa festa para que o Senhor me convidou continuar assim tão monótona, vazia e perigosa, eu peço que me deixe ir embora dela’", conta, emocionado.

Em Nova York, no auge da fama: a marca Vascon, sucesso com celebridades como a cantora a cantora Madonna e a apresentadora Oprah Winfrey, chegou a ter sete lojas nos EUA e no Japão (foto: Arquivo pessoal)
Em Nova York, no auge da fama: a marca Vascon, sucesso com celebridades como a cantora a cantora Madonna e a apresentadora Oprah Winfrey, chegou a ter sete lojas nos EUA e no Japão (foto: Arquivo pessoal)
Na mesma noite, diz ter tido um sonho mágico, que deu uma guinada na trajetória de sua vida. Sonhou com uma árvore gigantesca cheia de passarinhos, que se escondiam entre galhos e folhas. Ele, então, chacoalhava o tronco e os pássaros saíam voando. Um detalhe chamou sua atenção: eles tinham formato de bolsas com asas. No dia seguinte, acordou leve e tranquilo. E decidiu ir atrás de seu sonho e fabricar bolsas. Com 80 dólares que tinha guardado, comprou tesoura, linha, agulha e couro. Fez 12 modelos pequenos, parecidos com os que tinha visto no sonho. Quando estava terminando, uma moça chegou na rua e perguntou de onde eram aquelas bolsas. Vascon explicou que eram de fabricação própria, mas ela não acreditou. "Eu, então, mostrei meus dedos furados de agulha", diz. Ela perguntou seu nome e quis saber de onde era. Como o interrogatório continuava, Vascon ficou irritado. Afinal, a moça estava atrapalhando possíveis vendas. "Olha, estou adorando a nossa conversa, mas preciso vender as bolsas e você está tapando a visão das clientes", disse. "E se eu comprar tudo?", ela perguntou. "Bem, aí fico conversando com você até amanhã de manhã", respondeu Vascon, com bom humor. Ela tirou 600 dólares e levou todas. Contou que seu nome era Nancy Harris e trabalhava na editoria de moda do jornal The New York Times. Vascon não tinha muita noção do que aquilo representava.

Antes de se despedir, Nancy falou para Vascon fabricar muitas bolsas, pois tinha clientes para ele. E passou um endereço para procurá-la. Com o dinheiro, Vascon comprou cobertor e mais material. Ficou uma semana sem dormir produzindo novas bolsas, que levou ao local combinado: o icônico edifício do jornal, na Times Square. Foi só pisar na redação que começou uma guerra pelas 40 peças. Vendeu todas e ainda posou para fotos. No dia seguinte, a surpresa. A capa do caderno de moda do jornal trazia seu retrato e o seguinte título: "The Leather Wizard" (O Mágico do Couro, em inglês). Na reportagem, foi apresentado como Mr. Vascon, um designer brasileiro recém-chegado a Nova York, que estava fabricando lindos modelos de bolsas e fazendo mágica com o couro. Foi aí, aliás, que surgiu seu "nome artístico". Vasconcelos era complicado demais para ser reproduzido pelos americanos.

Com a mãe, Terezinha, e a irmã, Regina, em 2001: apesar do sucesso, ele garante que nunca esqueceu suas raízes(foto: Arquivo pessoal)
Com a mãe, Terezinha, e a irmã, Regina, em 2001: apesar do sucesso, ele garante que nunca esqueceu suas raízes (foto: Arquivo pessoal)
Depois da reportagem, ele participou de uma feira de pulgas no domingo de manhã. As 20 bolsas que levou evaporaram, voaram como no sonho mágico. Clientes fizeram filas e pagaram adiantado pelas encomendas. Cada peça já estava sendo vendida por 150 a 200 dólares. A imagem de Vascon e das bolsas passou a ser estampada em toda a mídia. Com o dinheiro recebido, ele realizou mais um sonho: uma noite num hotel, dormindo em cama confortável. Ele se deu ao luxo também de comer em um restaurante que namorava há tempos, o Café Luxembourg. Pediu couvert e fettuccine ao molho de camarão. Enquanto saboreava o que chamou de "refeição de rei", planejou os próximos passos: comprar uma casa melhor para a mãe, que vivia no Brasil, e abrir a primeira loja. A Roberto Vascon Handbags foi montada no Village, em Manhattan. Ele trabalhava sozinho e morava nos fundos da loja. Eram noites sem dormir para conseguir entregar as encomendas. Logo, celebridades como a atriz Kathleen Turner, a apresentadora Oprah Winfrey e as cantoras Madonna, Cyndi Lauper, Aretha Franklin e Roberta Flack circularam com suas criações.

A notícia do morador de rua que virou empresário continuou se espalhando e cruzou o mundo. Empresários japoneses o procuraram para usar seu nome em uma linha de produtos. Na época, o designer estava precisando de 10 mil dólares para comprar uma máquina de costura. Achou que a negociação viria a calhar. Ao chegar, já foi logo avisando: não "emprestaria" seu nome por menos de 10. Os japoneses foram duro na queda e garantiram que não pagariam mais de 1 milhão. A ficha caiu. "Milhão?", pensou. Fecharam o negócio por 1,5 milhão de dólares. Vascon estava milionário. Sua primeira providência foi comprar um apartamento de frente para o banquinho onde dormiu, no Central Park, com luxos como lareira revestida de mármore e quarto de hóspedes. O mágico do couro foi capa do Women´s Wear Daily (WWD), jornal conhecido por ser a "Bíblia da moda" americana, e destaque no Le Monde, de Paris, além de ter perfil estampado nas revistas Vogue e New York e participar de programas de televisão mundo afora. E não demorou muito para chegar a ter sete lojas nos Estados Unidos e Japão.

No Exército, em 1979: um ano e três meses no 12º Batalhão de Infantaria, em Belo Horizonte(foto: Arquivo pessoal)
No Exército, em 1979: um ano e três meses no 12º Batalhão de Infantaria, em Belo Horizonte (foto: Arquivo pessoal)
Até então, o mundo da mídia era desconhecido para Vascon, assim como o trato com negócios. Quando chegou a Nova York, a palavra jornal tinha um único significado em sua cabeça: o conselho de sua mãe, de embrulhar-se nele para se proteger do frio. Para tomar banho, usava o banheiro do McDonald’s. As torneiras das pias serviam de chuveiro. Ele vedava o ralo com papel, misturava sabão e lavava o corpo e os cabelos. E depois enxugava o chão. Tudo muito rápido. Para não dar na vista, revezava a lanchonete e sempre buscava os horários de menor movimento.

Para fincar os pés nos Estados Unidos de forma legal, casou-se em 1989 com a americana Francis Fuentes. Dois anos depois, ela se mudou para a Flórida e Vascon continuou em Nova York. Por pouco tempo. Em 1993, ele resolveu ir atrás de outro sonho. Os negócios iam de vento em popa. Vascon vendia cerca de 3 mil bolsas por mês e suas mercadorias abasteciam lojas próprias e multimarcas. Aos 31 anos, no entanto, estava farto de carros, motorista, relógios, roupas, cremes, perfumes, fama e de engordar a conta bancária... "Eu queria ter riqueza por dentro", diz. Havia sempre uma pergunta rondando a sua cabeça: o que fazer com tudo que conquistou? Ele, então, fechou as lojas, vendeu o apartamento, máquinas, estoque, dispensou os 90 funcionários e saiu para conhecer o mundo. Viajou apenas com uma mochila. Em cada país, contratava um professor de história para contar relatos do lugar. Em alguns, ficava por dois dias, em outros, por dois meses. E ele optava por não visitar as capitais. "Eu queria conhecer o interior, o povo de verdade", diz. Ficava em hotel e também na casa de moradores locais. Conheceu 128 países em cinco anos. Quando voltou do tour mundial para Nova York, o dinheiro havia acabado.

Na fábrica do Estoril: Vascon mandou pintar na parede a imagem de sua primeira e humilde casa em Raposos, no interior de Minas (foto: Violeta Andrada/Encontro)
Na fábrica do Estoril: Vascon mandou pintar na parede a imagem de sua primeira e humilde casa em Raposos, no interior de Minas (foto: Violeta Andrada/Encontro)
Durante o período sabático, visitou a mãe no Brasil e teve um caso com uma brasileira. Do romance nasceu um filho, Bryan Vasconcelos Matos, hoje com 21 anos. Quando criança, Bryan morou com o pai, nos Estados Unidos. Hoje, vive com a mãe em Contagem. Reservado e caseiro, Bryan passa longe da mídia e das câmeras. Até mesmo nas redes sociais não tem muitas fotos. "Meu pai é trabalhador e vai atrás dos sonhos, mesmo em situações com poucas chances de dar certo", diz. Do pai, afirma ter herdado a persistência. Bryan sempre quis ter contato com a vida militar, mas sempre ouvia que não conseguiria ingressar no exército por ser baixo – ele mede 1,69 metro. Mas entrou. Quando o assunto é habilidade artística, o DNA não ajudou. "Esse não é o meu forte", diz.

Com o nascimento do filho, Roberto decidiu voltar a refazer a vida em Nova York. "Cheguei de novo sem nenhum centavo, com uma mão na frente e outra atrás", lembra. E voltou a dormir no mesmo banquinho no Central Park. "Mas muito mais feliz. O dinheiro me trazia problemas, meu telefone tocava sem parar", diz. Ele nunca quis ser um homem de negócios. Sempre dependeu de alguém para tomar conta do dinheiro. E afirma ter sido roubado, nos Estados Unidos, no Brasil e no Japão. "Todo artista é meio louco. Eu sei fazer arte, não dinheiro."

Desde que conheceu as bolsas de Vascon, a advogada Débora Kollins não trocou de marca:
Desde que conheceu as bolsas de Vascon, a advogada Débora Kollins não trocou de marca: "É um produto com boa qualidade e preço" (foto: Ronaldo Dolabella/Arquivo/Encontro)
A notícia sobre seu retorno se espalhou e, em outra feira de rua, suas bolsas voltaram a ser item de desejo. Roberto abriu nova loja e os negócios prosperaram outra vez. Com o passar do tempo, a economia americana começou a deslizar e ele resolveu voltar a Belo Horizonte. "A cidade não é minha favorita, mas minha mãe estava idosa e quis ficar perto dela", diz. Montou em 2008 uma fábrica na avenida Barão Homem de Melo, no bairro Estoril. Em 2011, a mãe, Terezinha, morreu, aos 83 anos.

Com suas bolsas coloridas, Vascon continua sua trajetória de sucesso no Brasil. Ele ganhou até uma biografia, escrita pelo jornalista Elias Award, Nas Asas de um Sonho, que narra sua trajetória incomum. Apesar de nunca ter frequentado a escola, mostra-se rigoroso quando o assunto é ensino. Assim que chegou a Nova York, como não tinha com quem conversar, tratou logo de providenciar um walkman e depois um livro e fita cassete na banca de revistas para ouvir aulas de inglês. O método funcionou. Vascon fala também francês e espanhol, além de um pouco de italiano e alemão. Agora, quer aprender japonês. Ele já deu aula de criação no Fashion Institut of Technology, nos Estados Unidos, escola de referência em design, moda, negócios e artes. Mas gosta mesmo é de conversar com as clientes tête-à-tête, aconselhá-las e trocar confidências. "Ele é sempre positivo e me ajudou muito em um momento difícil, que foi minha separação", afirma a bancária aposentada Elizabeth Maria de Queiroz, que conheceu Roberto através de um programa de televisão e se tornou cliente e amiga. Na casa de Elizabeth, há um arsenal de produtos Vascon: cerca de 20 bolsas, o livro e o tapete de couro, a nova produção do artista. "Ele foi ao fundo do poço e conseguiu se reerguer", diz a dona de casa Samyra Velloso de Castro, cliente e amiga de Vascon, que tem 10 bolas do artista. "Traz sempre um sorriso e uma palavra para nos colocar para cima." A cor é a marca do designer, que afirma fazer peças em preto só para sobreviver. "Se fosse pelo meu gosto, eu produziria apenas nas tonalidades roxa, abóbora e verde", brinca Vascon. Desde que conheceu as bolsas do mineiro, a advogada Débora Kollins não trocou de marca. Ela tem cerca de 20 modelos e recentemente comprou dois tapetes produzidos por ele. "É um produto com boa qualidade e preço", afirma. "O Vascon é uma pessoa iluminada e muito inteligente", diz.

Na casa da amiga e cliente Elizabeth Maria de Queiroz há um arsenal de produtos Vascon: cerca de 20 bolsas, o livro e o tapete de couro, a nova produção do artista(foto: Violeta Andrada/Encontro)
Na casa da amiga e cliente Elizabeth Maria de Queiroz há um arsenal de produtos Vascon: cerca de 20 bolsas, o livro e o tapete de couro, a nova produção do artista (foto: Violeta Andrada/Encontro)
Vascon garante que pratica o desapego. Não carrega consigo nada de material. As centenas de reportagens com seu nome, acervo de bolsas, fotos e até mesmo o livro em que é personagem estão apenas na memória. As fotos antigas publicadas nesta reportagem foram as poucas que restavam em suas mãos. O livro foi emprestado por um de seus amigos, o motorista de táxi Hudson Acácio Gonçalves, que ele conheceu num trajeto do BH Shopping ao Buritis, há cinco anos. "Conversamos sobre moda e energia das pessoas. Gostei do papo e quis me tornar amigo dele", conta Hudson. Aos 57 anos, Vascon está colocando em prática um novo sonho: produzir tapetes de couro em formato de ladrilhos hidráulicos portugueses. "Começou a chegar na minha mente a imagem de um mar de tapetes e eu flutuando em cima", diz. A ideia do azulejo hidráulico ele resgatou da infância, quando foi tomar café na casa de uma senhora que considerou muito chique. "Eu vi nas paredes umas tapeçarias com esses formatos e fiquei admirado", diz. Na época, lembra, nem chinelos tinha.

A paz para a nova jornada, Vascon encontrou na cidade de Piedra Sola, no Uruguai, para onde se mudou há pouco tempo. Lá, conseguiu alguns benefícios da prefeitura, além de ficar mais próximo do Rio Grande do Sul, fornecedor de sua principal matéria-prima, o couro. "Eu preciso de um tempo sozinho para produzir", diz. Tem recusado todos os convites para eventos. "Quando estou sozinho, leio a Bíblia, falo com Deus e canto", diz. "Eu não posso conversar com Deus no meio das festas e da multidão." Pintou em uma das paredes de sua fábrica no Estoril sua primeira e humilde casa em Raposos. É para sempre se lembrar de onde veio. Entre seus próximos planos está fazer tapetes com imagens de pássaros. Se os tapetes vão repetir o sucesso das bolsas? "Em nenhum momento você pode usar a palavra impossível, porque querer é poder", afirma Vascon. "Vontade e fé são fundamentais para conseguir os objetivos." Vontade e fé – e uma boa dose de ousadia – não faltam a Roberto Vascon.

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