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Estado de Minas CRÔNICA

De partida, por Paula Pimenta

"Acho que talvez a maior razão da dor de quem fica seja exatamente essa, a falta de uma despedida real. Fica sempre uma sensação de incompletude, nos sentimos meio abandonados, deixados pra trás"


postado em 01/10/2019 02:13

(foto: Pixabay)
(foto: Pixabay)
Há alguns dias, perdi a minha avó. Apesar dos seus quase 96 anos, a sensação que ainda me assalta é de que foi pouco. Eu queria mais. Ela era uma daquelas pessoas de quem todo mundo gostava. A presença dela era tão marcante e a companhia tão agradável que ficou um enorme vazio. Na cabeceira da mesa. Nas festas de família. Na poltrona do quarto.

Todos nós sabemos que um dia iremos partir. Essa é a única certeza que temos na vida. Ninguém sabe quando nem onde, mas nascemos com o conhecimento que estamos aqui de passagem. Exatamente por essa razão, a despedida deveria ser mais fácil, mas não é assim... Cada pessoa que parte deixa várias outras desconsoladas, desejando poder voltar no tempo para reviver momentos, fazer declarações de afeto, mudar alguma coisa ou simplesmente passar mais uns minutinhos junto a ela para poder dizer adeus. Acho que, talvez, a maior razão da dor de quem fica seja exatamente essa: a falta de uma despedida real. Fica sempre uma sensação de incompletude e nos sentimos meio abandonados, deixados pra trás.

Isso me lembra um livro que li há algum tempo – Destino, da autora Ally Condie. A história é uma distopia, passada muitos anos no futuro, e nela a sociedade é toda controlada pelos governantes. Nada acontece de improviso, tudo é pré-determinado: a profissão das pessoas, com quem elas vão casar e também o dia da morte. Nessa sociedade, aos 80 anos todos têm de morrer. É feito um banquete final para que os familiares e amigos possam se despedir da pessoa, e então ela dorme para sempre.

Será que se fosse assim seria mais fácil? Se já soubéssemos o dia da partida de alguém, sofreríamos menos, por termos nos preparado por antecipação? Eu acho que talvez seria até mais difícil. Imagino aquela contagem regressiva implacável nos lembrando que a data da separação está cada dia mais próxima. Na verdade, nós também temos esse relógio invisível impiedoso, só que nunca sabemos o momento em que ele vai parar. E isso nos dá uma falsa esperança, a sensação de que conseguiremos burlá-lo e que aquela pessoa de que nós mais gostamos vai viver para sempre. Exatamente por isso, o choque sempre vem quando percebemos que não dá para enganar o tempo. Ele é inflexível. A hora da partida sempre chega e no lugar da pessoa querida sobram só as lembranças. São elas que nos consolam, que acabam transformando a tristeza em saudade.

E são a essas lembranças que me apego agora. De todas as histórias que vivi com a minha avó, lembro de uma engraçada, quando eu ainda era bem criança. Eu era muito xereta e a vovó sempre teve pânico de mexermos nas coisas dela. Só que, em certo dia, ela estava louca atrás de uma chave que tinha perdido e pediu para São Longuinho que a ajudasse encontrá-la. Aproveitei que ela estava distraída com isso e, sem que visse, adentrei um dos quartos "proibidos" da casa dela, subi em cima de um armário e dei de cara com uma chave. Mostrei para ela na mesma hora, tendo de confessar a minha arte, mas como era exatamente a chave perdida ela nem brigou, deu vários pulos para São Longuinho e eu até hoje tenho a certeza de que foi o santo que me mandou fuxicar naquele local.

Como essa, tenho várias outras memórias. A vovó vai continuar para sempre por aqui... Nas lembranças, nos casos que contarei para a minha filha, nos hábitos que peguei dela e, repito, no dia a dia, sem nem me dar conta.

De todos os ensinamentos que a minha avó deixou, acho que o mais importante foi: "Seja feliz e tenha uma vida longa". A risada dela vai permanecer para sempre em meus ouvidos. Ela foi feliz até o final. E tenho certeza que é assim que ela quer que eu fique também.

Obrigada pela companhia por tanto tempo, vovó. Até algum dia. Vou te amar para sempre...

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