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Estado de Minas ENTREVISTA

Como lidar com filhos adolescentes?

Psicóloga fala sobre a relação entre pais e jovens no mundo atual e ressalta a importância de os adultos investirem em conhecimento para educar e em conexão verdadeira com os filhos


postado em 14/12/2019 23:26 / atualizado em 19/12/2019 15:10

A psicóloga e educadora parental, Patrícia Ragone:
A psicóloga e educadora parental, Patrícia Ragone: "Pais deixam que o mundo cuide dos adolescentes em vez de continuarem a cuidar" (foto: Violeta Andrada/Encontro)
Pais que estavam acostumados com crianças obedientes, animadas com programas familiares, admiradoras das opiniões dos progenitores, costumam sofrer um baque quando os pequenos chegam à adolescência. A fase não é comumente apelidada pelos adultos de "aborrecência" à toa. É quando os filhos passam a questionar os padrões dos pais com mais frequência, a clamar por mais liberdade, a ter variações de humor que não eram tão comuns anteriormente, a ouvir mais o grupo de amigos do que os próprios pais, entre outras mudanças que podem ser desconcertantes para os adultos.

Há quem tenha mais ou menos dificuldades nessa fase, mas a preocupação parental não é infundada. Números mostram aumento nos casos de depressão entre jovens e até nas tentativas de suicídio nessa faixa etária. Para além dos históricos desafios dessa época da vida, as redes sociais entraram como novo ingrediente nessa mistura, sem que exista receita para lidar com nada disso.

Para Patrícia Ragone, psicóloga, e educadora parental, o primeiro passo para os pais é deixar a "aborrecência" de lado e entender de outra maneira essa fase e suas características. Segundo ela, certo grau de rebeldia não é só esperado como é importante para o desenvolvimento do futuro adulto. "Pais precisam estar com autoestima boa, deixar algumas questões pessoais de lado, para não tomar aquilo que é um questionamento dos filhos em relação a si mesmos, à vida, como algo pessoal", explica. E estar preparado significa ler, estudar e, sobretudo, criar um bom elo de comunicação com os filhos desde a infância. Assim, quando chegar a hora de assuntos delicados, a conversa pode fluir melhor e o adulto pode ajudar o adolescente a estar, ele mesmo, mais bem preparado. O alerta é importante: as experiências - positivas e negativas - vão acontecer. O que conta é como a família vai lidar com elas.

  • Quem é: Patrícia Quaresma Ragone, 56 anos

  • Origem: Cataguases (MG)

  • Formação: Graduada em psicologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), em pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pós-graduada em metodologia do ensino superior pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Especialista em Terapia Clínica e Terapia Cognitiva (TC) pelo Instituto de Terapia Cognitiva (ITC)

  • Carreira: Fundadora da PQR Clínica de Psicologia, tem mais de 23 anos de experiência clínica no modelo cognitivo com crianças, adolescentes, adultos, casais, famílias e orientação de pais. É autora do livro Laços - Contribuições da Terapia Cognitiva para as Relações Familiares. Ministra cursos, palestras e workshops

ENCONTRO - O que caracteriza a passagem da infância para a adolescência em termos de comportamento?

PATRÍCIA RAGONE - Ao longo dos anos, os adolescentes têm sido vistos de forma muito pejorativa: são enxergados como crianças crescidas ou como adultos incompetentes. E ficam sem espaço para serem eles mesmos. É preciso que tenhamos mais respeito, porque existem vulnerabilidades dessa fase que são mal compreendidas. A adolescência se caracteriza por um adulto em construção, em processo de individuação, de luta por ser no mundo. Muitas vezes, os pais tomam a individuação - que tem indiscutivelmente um componente de rebeldia - como se já fosse o estado definitivo do filho ou da filha, quando na verdade a rebeldia, por mais trabalhosa que possa ser, é um andaime para o que ele ou ela virá a ser.

"Da mesma forma que acompanhamos nossos filhos para levar e buscar numa festa, também podemos entrar em ambientes públicos virtuais deles. O que peço aos pais é acompanhamento" (foto: Violeta Andrada/Encontro)
E como lidar de maneira mais leve com esse processo de individuação?

É importante que criemos parâmetros, limites, para a rebeldia não devastar o próprio jovem e a rede intrafamiliar, mas um quanto de rebeldia é normal e os pais têm de entendê-la de outra forma. Não é fácil a questão da labilidade de humor, da oposição, da voz que cresce, o desejo de liberdade e a forma questionadora dos padrões dos pais (que saem da posição de super-heróis, os mais amados, para serem os mais contestados). Por isso, os pais precisam estar com a autoestima boa, deixar algumas questões pessoais de lado, para não tomar aquilo que é um questionamento dos adolescentes em relação a si mesmos, à vida, como algo pessoal. Se tomo no sentido pessoal, vou acirrar o conflito. E a rebeldia, assim, dura muito mais. Sabendo disso tudo, sabendo que é algo inevitável de acontecer, o nível de receptividade é maior, o impacto é menor. E a rebeldia pode ser, se bem conduzida, uma alavanca para o desenvolvimento psicológico.

Há dicas concretas do que pode ser feito para minimizar choques?

Primeiro, não tomar no sentido pessoal. Segundo, não podemos ter pressa de corrigir o adolescente naquele momento da briga, irritação. O cérebro do adolescente está em desenvolvimento e, nessas horas, é como se o cérebro estivesse desativado na ordem interna. Nada melhor do que dizer: não é o momento de discutirmos isso. Que tal colocarmos na pauta de uma reunião de família? E não vamos entrar num embate que pode trazer uma onda de ressentimento maior. Também é importante que tudo o que os adolescentes tragam seja levado a sério, pois, como todos os seres humanos, eles têm o direito a desejos e sentimentos, o que não significa que todos tenham de ser atendidos. Use a empatia como uma escada para se conectar com seu filho. E se dê um tempo para decidir se é hora de permitir aquilo que ele está pedindo. Caso a resposta seja não, isso precisa ser bem trabalhado. Ninguém gosta de receber não, mesmo adultos. "Vou gostar de permitir na hora certa, mas agora é não". "Entendo que você queira, mas a resposta é não".

Quais são os principais problemas das redes sociais para os adolescentes?

Antigamente, a distância do real para o ideal era muito maior. Hoje, os jovens têm o ideal dentro do próprio quarto. E isso confunde. O elemento que mais me preocupa, hoje, é que é muito mais difícil praticar a espera. Os adolescentes, lamentavelmente, não têm o tempo necessário para que os atributos internos estejam mais amadurecidos para darem conta de mergulhar nesse mundo. É como se você desse feijoada para um bebê. Os adolescentes estão precocemente entrando em um cardápio sofisticado sem estar com as condições internas maturadas. E nós, pais, muitas vezes não temos o controle sobre isso. O que podemos fazer é criar mecanismos que possam amenizar, equilibrar essa pressa.

Que tipo de mecanismos podem ajudar?

Primeiro, é preciso saber que nós podemos cuidar, mas não controlar. Na medida do possível, é interessante segurar ao máximo presentear o filho com o celular. Quando isso acontecer, construo em casa regras de funcionamento, estabeleço tempo de tela, áreas livres de telefone dentro de casa, momentos familiares. E é importante que os filhos saibam que essas não são decisões arbitrárias, são as mentes mais avançadas do mundo apresentando resultados dos estudos. Pode-se dizer que não está em discussão que é preciso ter limite de tempo de tela, por exemplo, mas que é possível conversar sobre como esse tempo vai ser dividido ao longo do dia. É mais trabalhoso educar dessa forma, mas assim como temos zelo com o recém-nascido na seleção daquilo que é melhor para ele, em termos de nutrição, higiene, estimulação, temos de fazer isso na adolescência. O grande problema é que vamos deixando que o mundo cuide em vez de continuarmos a cuidar.

Qual é o limite entre dar privacidade ao filho e acompanhar sua presença nas redes?

A rede virtual é pública, então todos nós temos acesso. Da mesma forma que acompanhamos nossos filhos para levar e buscar numa festa, ou ficamos em ambientes públicos por um tempo depois que os deixamos lá, também podemos entrar em ambientes públicos virtuais deles. O que peço aos pais é acompanhamento, e existe o acompanhamento intrusivo-abusivo e o acompanhamento combinado, respeitoso e contínuo. Podemos escolher. E em vez de fazer afirmações imperativas, fazer exigências, posso perguntar: qual o significado, disso que você postou, para você? Essa postagem te representa ou não? Então é um acompanhamento aberto, combinado com o filho. A não ser que você veja que ele está mal dormido, com um humor péssimo, acabado, com sintomas preocupantes. Aí, como pai, você tem obrigação de fazer uma pesquisa maior.

Como lidar com nudes, sexting, práticas que não existiam há poucos anos (e muito menos quando os pais eram adolescentes)?

É preciso preparar filhos para a realidade. Deve-se começar a conversar com eles sobre questões como autoimagem, sem censura, mas com perguntas poderosas para começar uma reflexão. "Quanto vale sua pessoa?" "Seu corpo é algo para o mundo todo ver?" "Que segurança você tem de que essa foto que você mandou vai ficar restrita à pessoa para quem você mandou?" Isso porque, muitas vezes, eles não conseguem pensar nos desdobramentos, nas consequências dos atos. Devemos perguntar o que pensam sobre isso, se já aconteceu com ele ou alguém próximo, etc. O diálogo é o que faz com que eles adquiram bagagem, sejam fortes para dizer "não". Devemos nos apresentar como pessoas no maior interesse de preservá-los, mas sem os diminuir, sem achar que temos que dar as fórmulas prontas.

"Muitas vezes não são os meninos que estão com dificuldade de receber o não, mas, sim, os pais com dificuldade de dar o não" (foto: Violeta Andrada/Encontro)
Diante dos amigos, adolescentes têm enorme dificuldade de contrariar a corrente...

Isso passa pelo terreno da autoestima. Não é fácil ser adolescente, mesmo meninos bem preparados, bem encorajados, com boa autoestima, ainda assim estão sujeitos a experiências negativas, mas menos sujeitos. E esse processo começa lá na infância. Como você construiu o laço com o seu filho? O processo de comunicação? Uma ferramenta interessante é o ensaio comportamental: falar sobre a situação pela qual o filho vai passar. Por exemplo, no caso de uma festa, podemos perguntar: "Que impacto quer causar nesse evento? Que ideia quer deixar nas pessoas que terão te visto nessa festa? Como espera poder se posicionar quando te oferecerem bebida?" É dar uma miragem naquela situação. Assim o filho não entra tão despreparado e poderá ter um posicionamento mais criterioso.

Há pais que optam por oferecer bebida em casa, por exemplo, pois acham que o filho vai experimentar de todo jeito. Esse é o melhor caminho?

Antes de os meninos terem dificuldades com isso, nós, adultos, estamos tendo. Para bancar uma restrição a eles, precisamos ver como estamos diante desses usos e abusos. Fora isso, vejo que a grande maioria dos pais que acha essa opção mais cabível precisa ceder porque ficou com vazios anteriores. Porque o pai, que desde mais cedo vem cuidando, que tem reservas afetivas mais contundentes, estará mais apto para falar esse não, para trabalhar a espera, frustrar, dar o limite. Muitas vezes não são os meninos que estão com dificuldade de receber o não, mas, sim, os pais com dificuldade de dar o não. Eu gosto da palavra "ainda". "Sei que não é fácil, mas saiba esperar, ainda não está na hora, há outras formas de se divertir". "Você precisa disso? O que seus amigos pensariam se não fizesse? Acha que está apto para fazer?"

E quando os pais ficam sabendo de algo que o filho fez e consideram que ainda é cedo, que não deveria ter acontecido, qual a melhor forma de lidar?

É importante saber que todos eles terão experiências. O que vai fazer com que o adolescente perdure na experiência negativa ou não é a forma como ele será abordado sobre isso. Recebo pacientes aqui e pergunto se os pais conversaram sobre esses temas em casa, como sexting, nudes, e a grande maioria responde que não. O erro acontece, então, pelo despreparo. E se os pais souberem conversar, dificilmente os filhos vão se recusar a ouvir. Outro ponto importante é como os pais se relacionam com esse erro - se eles detonam o filho ou se ensinam, numa próxima experiência, a não fazer daquela forma.

Qual é a idade para começar a falar sobre esses temas?

Não há uma idade específica, mas os pais precisam refletir sobre o fato de que têm muita dificuldade de reconhecer que os filhos estão crescidos. Quando reconheço que meu filho está em outra fase, ele não precisa gritar para ser reconhecido assim. E muitos dos excessos são formas de gritar para ser reconhecido como alguém que cresceu. Não temos apenas que tentar acabar com o comportamento negativo, seja a quebra de respeito, beber demais, matar aula. Antes da estratégia corretiva do mau comportamento, tenho de pensar o que esse mau comportamento tem a me dizer. Afinal, não se trata só fazer cumprir algo naquele momento. Trata-se de desenvolvimento de habilidades de vida, de preparação para a vida.

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