No sábado em que a equipe de Encontro esteve no Lar Batista, as meninas se mostravam ansiosas. Era dia de visita e também seriam entrevistadas. Foram nos receber com os mais diversos penteados feitos por uma das "tias" da casa. Assim como quaisquer crianças, conversavam entusiasmadas e brincavam como se não houvesse amanhã. Com a inocência característica da idade, viviam o momento. O passado de tristezas parecia não existir. "Essas crianças não têm de ser vistas como coitadinhas e muito menos delinquentes. São cidadãs com direitos e deveres como todas as outras", diz Hélio Fernandes, coordenador da instituição. Aos 9 anos, Paula* não se recorda há quanto tempo está no abrigo. De jeito tímido e fala mansa, conta que adora tudo que tem "em casa" e diz que quando crescer quer trabalhar no mesmo local onde foi acolhida. Mais retraída, Ana* diz que está no lar há quatro anos. E gosta de tudo. Ainda não tem consciência de que, já aos 12 anos de idade, não se enquadra no perfil de filhos adotivos, que a maioria dos interessados busca: 95,6% dos pretendentes cadastrados desejam adotar crianças de até 7 anos de idade.
Nos abrigos, crianças e adolescentes têm a oportunidade de ser cuidadas, mesmo que não de forma ideal. Quando não possuem a proteção daqueles que a priori deveriam zelar por elas, contam com a ajuda de estranhos que acabam agindo como familiares. Educadores, assistentes sociais, psicólogos, entre tantos outros técnicos, contratados para tentar suprir carências e necessidades que nenhum parente supriu. No Lar Batista, 16 funcionários se revezam nas tarefas 24 horas por dia. Mas, ainda assim, falta algo mais. Não ter um pai, uma mãe, ou parentes que lhes mostrem o quanto são importantes, deixa um vazio difícil de ser preenchido.
Ele acredita que vivenciar histórias de vida tão sofridas traz um novo conceito de realidade. Especialmente para crianças da mesma idade, que muitas vezes não valorizam todo o amparo que recebem em casa. "São experiências muito ricas e transformadoras", diz. E ressalta que o programa não objetiva a adoção, mas, sim, criar laços afetivos entre padrinhos e afilhados. Para quem vive à margem da sociedade, uma chance de se sentir único e amado.
Ao longo dos 20 anos do Cevam, cerca de 15 mil famílias participaram do projeto. Apesar da fama de desconfiados, os mineiros têm dado um exemplo de solidariedade, alcançando a média de 500 apadrinhamentos por ano. Muitos são temporários. Outros, duradouros. Mas todos transformando vidas para melhor. No Natal, o apadrinhamento afetivo ganha um novo significado. Além do lendário Papai Noel, as crianças também aguardam ansiosamente a chegada de outro alguém. Nesse caso, qualquer um que esteja disposto a acolhê-las e levá-las para vivenciar as comemorações de fim de ano.
No papel, a responsabilidade do cuidado com toda criança e adolescente menor de 18 anos é da família, da sociedade e do Estado. Na prática, quando os pais são desestruturados e esses meninos e meninas não têm para onde ir, resta-lhes apenas a última opção.
Em Belo Horizonte são 47 Unidades de Acolhimento Institucional, cada qual com capacidade máxima para 15 abrigados. "Todas funcionam por meio de convênios entre Organizações da Sociedade Civil (OSC) e o município", explica Enrico Martins Braga, coordenador do Serviço de Acolhimento Institucional da PBH. A capacidade média é de 700 vagas para pessoas de 0 a 17 anos e 11 meses. Para ocupar uma delas, o encaminhamento deve ser feito obrigatoriamente pelo Conselho Tutelar ou pela Vara da Infância e da Juventude. Esgotadas as possibilidades de reintegração ao núcleo familiar, o menor é encaminhado para adoção. Diante de uma vida de incertezas, contar com o apoio de padrinhos afetivos é a chance de sonhar com um novo recomeço.
Saiba como apadrinhar uma criança de abrigo
Para participar é necessário entrar em contato com o Cevam para realizar cadastro e entrevista
Informações: 3224-1022
Endereço: Rua dos Goitacazes, 71, Centro, Belo Horizonte