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Estado de Minas ESPECIAL NOVO CORONAVÍRUS

Em meio à pandemia, mineiros fazem da arte uma bandeira de paz e esperança em dias melhores

Mesmo durante a crise do novo coronavírus, artistas plásticos encontram inspiração ao vislumbrar um futuro menos turbulento para a humanidade


postado em 22/07/2020 23:07 / atualizado em 22/07/2020 23:27

Mesmo na quarentena, a artista plástica Yara Tupynambá segue com produção intensa:
Mesmo na quarentena, a artista plástica Yara Tupynambá segue com produção intensa: "Aqui em casa tenho muitos jardins floridos e busco retratá-los de forma leve e alegre" (foto: Andre Senna/Divulgação)
Em 1940, em meio à II Guerra Mundial, o poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade publicou o poema Mãos Dadas: "Estou preso à vida e olho meus companheiros/ Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças". Oito décadas depois, suas palavras se aplicam às tribulações geradas com o anúncio da pandemia que assola o planeta em 2020. E a esperança segue sendo o leme que orienta os povos. Assim acreditam vários artistas da atualidade.
  
Maior representante viva da arte mineira no Brasil e no exterior, a artista plástica Yara Tupynambá, de 86 anos, natural de Montes Claros, dispensa apresentações. Mas dá gosto ressaltar o seu talento e apreciar suas obras. Com 105 painéis e murais espalhados por todo o país, sua arte transcende barreiras geográficas. E o seu carisma, também. Quem a conhece sabe bem que a arte, em sua vida, não é algo periférico ou ocasional. É, de fato, o centro de sua existência. E em tempos de quarentena, não seria diferente. "Estou achando essa pandemia uma chatice, mas fazer o quê?", diz, com a resiliência de quem já enfrentou várias crises. Com o raciocínio rápido e a inquietação que lhe são peculiares, conta que apesar de adotar todos os cuidados recomendados para resguardar sua saúde, não se abalou emocionalmente. O que sofreu mudanças foi sua rotina pessoal. "Agora que estão todos isolados, tenho de me preocupar com questões da casa, alimentação. Nada que prejudique minha criação artística." Yara explica que suas obras não surgem do acaso. Resultam da soma de conhecimentos adquiridos em sua vivência. No ano passado, uma das séries produzidas pela artista teve o tema "florestas". Coincidentemente, logo no início da COVID-19, uma nova série seguiria a mesma temática. Agora, sobre vegetação. "Aqui em casa tenho muitos jardins floridos e busco retratá-los de forma leve e alegre", conta. Além de auxiliá-la a resgatar doces lembranças, as flores de Yara têm o dom de alegrar a alma.

Nas redes sociais do artista plástico Oscar Araripe, diariamente uma nova pintura floral é divulgada:
Nas redes sociais do artista plástico Oscar Araripe, diariamente uma nova pintura floral é divulgada: "Flores para a vida! Flores para a nova humanidade! A pintura alegra, cura, consola, embeleza e liberta. Anime-se!" (foto: Fundação Oscar Araripe/Divulgação)
Há 50 anos morando em Minas Gerais, atualmente na cidade de Tiradentes, o artista plástico carioca Oscar Araripe, de 79 anos, defende que "fora da arte e da cultura não há solução". Mesmo em períodos de desesperança. "A pandemia vem ensinando muitas coisas, principalmente a necessidade do surgimento de uma nova humanidade, centrada na igualdade social e no valor à vida", diz. Em seu entendimento, o mais difícil do isolamento social é vencer o medo e assim poder "animar as pessoas, acenando-lhes com a esperança de que a bonança será florida". Assim como Yara Tupynambá, são as flores que lhe trazem lenitivo nos dias anuviados pela angústia. Em suas redes sociais, diariamente uma nova pintura floral é divulgada, com os seguintes dizeres: "Flores para a vida! Flores para a nova humanidade! A pintura alegra, cura, consola, embeleza e liberta. Anime-se!". Além das postagens diárias, Araripe também prepara uma coleção intitulada "Tiradentes Rediviva", que pretende expor logo após o fim da pandemia, com a reabertura da cidade.

Em cada artista, o desejo de levar esperança e incitar à reflexão através de suas obras, tem se tornado ainda mais latente. As emoções nunca estiveram tão à flor da pele. Para KK Bicalho, o bailado das pipas no céu remete a algo imprescindível ao ser humano: a liberdade. "Somos mesmo livres, como acreditamos?", questiona. Aos 31 anos, casada e mãe de um bebê de 10 meses, a mineira, nascida em Belo Horizonte, se dedica à sutileza das miniaturas. Com técnica e paciência, recortes de papel feitos à mão ganham formas e se transformam em pequenas obras de arte que cabem na ponta do dedo.

A artista plástica KK Bicalho faz recortes ao contrário, criando vazados no papel:
A artista plástica KK Bicalho faz recortes ao contrário, criando vazados no papel: "Quero representar a ausência ao invés da presença" (foto: Violeta Andrada/Encontro)
Enquanto Caetano engatinha por seu ateliê, KK se desdobra para produzir e, ao mesmo tempo, dar de mamar, cozinhar e cuidar da casa. As pausas constantes passaram a fazer parte da sua rotina. "Sem a ajuda dos avós e tios com o nosso filho, devido ao isolamento social imposto, as tarefas se intensificaram", diz. Por outro lado, as tensões do momento afloraram ainda mais a sua criatividade. O trabalho de registro de memórias trouxe novas reflexões sobre a importância de vivenciar o presente e valorizar as pessoas. "Mesmo antes da pandemia, estávamos sempre atrás de grades, muros, nos escondendo ou nos prendendo a amarras. Em muitas ocasiões, ausentes nas relações", diz. Atenta a isso, a artista passou a fazer recortes ao contrário, criando vazados no papel. "Quero representar a ausência ao invés da presença", diz.

Jornalista e quadrinista, Lu Cafaggi, de 32 anos, nasceu na capital mineira, mas mora atualmente em Kilkenny, na Irlanda. Ela relata que as mesmas aflições que atingem os brasileiros, também assombram os irlandeses. "Acho que todo mundo ficou muito ansioso durante o isolamento porque vieram à tona incertezas que escancararam a violência com que vivíamos até então", diz. Apesar da rotina de cuidar da casa, estudar e trabalhar nos quadrinhos não ter sofrido grandes alterações, a artista teve um imprevisto que explicitou ainda mais as consequências das últimas mudanças sofridas nos continentes.

A jornalista e quadrinista Lu Cafaggi quebrou o dedo durante a quarentena e ficou dois meses sem desenhar. Agora, utiliza seu talento retratando gestos e momentos que tragam algum consolo:
A jornalista e quadrinista Lu Cafaggi quebrou o dedo durante a quarentena e ficou dois meses sem desenhar. Agora, utiliza seu talento retratando gestos e momentos que tragam algum consolo: "O isolamento social trouxe à tona incertezas que escancararam a violência com que vivíamos até então" (foto: Arquivo pessoal)
A primeira "cutucada em sua ansiedade", relata, foi quebrar o dedo e ter de ficar dois meses sem desenhar. A fratura foi tratada à distância, com o auxílio do médico da família, e os movimentos recuperados aos poucos. "A insegurança gerada por eu não ter feito nenhuma radiografia e por ter improvisado uma tala caseira - o que em outras épocas seriam procedimentos simples em um hospital - aumentou minha ansiedade". Acostumada a trabalhar em histórias em quadrinhos baseadas em crônicas reais, lamenta que esta pandemia não seja apenas uma ficção. E utiliza o seu talento desenhando gestos e momentos que tragam algum consolo aos corações oprimidos.

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