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Estado de Minas ENTREVISTA

Farmacêutico fala sobre o combate da indústria de medicamentos à Covid-19

Segundo Renato Alves da Silva, presidente da Hipolabor, o Brasil não pode depender de outros países para a produção de insumos de remédios


postado em 09/10/2020 01:03 / atualizado em 09/10/2020 01:08

O farmacêutico Renato Alves da Silva, presidente da Hipolabor(foto: Geraldo Goulart/Encontro)
O farmacêutico Renato Alves da Silva, presidente da Hipolabor (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
A Covid-19 parou o mundo, menos a indústria farmacêutica. A afirmação divulgada pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) não chega a surpreender. O setor tem sido um dos mais importantes na corrida contra o novo coronavírus no Brasil. "Ficou clara a urgência de investimentos em pesquisas clínicas e, principalmente, na indústria farmoquímica", diz o empresário Renato Alves da Silva, de 49 anos, presidente da Hipolabor Farmacêutica. Há 36 anos no mercado, a empresa mineira, com fábrica em Sabará, na região metropolitana de Belo Horizonte, é reconhecida como uma das maiores indústrias farmacêuticas do país, e a maior fabricante de genéricos injetáveis do Brasil. O desabastecimento do mercado local em meio à pandemia, afirma o empresário, se deve à ausência de uma política nacional independente. "Não podemos depender de outros países para a produção de insumos para medicamentos", diz. "Atualmente, Índia e China dominam a produção de ingredientes ativos." Segundo Renato, a demanda por anestésicos que possibilitam a intubação de pacientes com insuficiência respiratória - um dos principais agravantes do coronavírus - aumentou em seis vezes nos últimos meses.

Com investimento de 150 milhões de reais, a empresa se prepara para duplicar a produção em nova fábrica, na cidade de Montes Claros, no norte de Minas, passando de 14 para 30 milhões de ampolas mês. A expectativa é que a produção de lotes comerciais tenha início até o final de setembro. Entre os medicamentos produzidos pela marca estão a epinefrina, hemitartarato de norepinefrina, cloridrato de midazolam e citrato de fentanila. Os dois últimos foram desenvolvidos pelo próprio farmacêutico. A seguir, Renato diz como enxerga o papel da indústria farmacêutica no combate à pandemia do novo coronavírus.

  • Quem é: Renato Alves da Silva, 49 anos

  • Origem: Belo Horizonte

  • Formação: Graduado em farmácia e com especialização em medicamentos pela UFOP. MBA em gestão de negócios e em marketing pela FGV. Pós-graduado em gestão de sistemas de qualidade pela fundação Cefet Minas

  • Carreira: Presidente da Hipolabor Farmacêutica

Encontro - O que o atraiu à indústria farmacêutica?

Renato Alves da Silva - Mesmo antes de ingressar na Hipolabor Farmacêutica, em 1995, e assumir a presidência da empresa em 2003, eu já tinha em mente os benefícios que essa profissão poderia trazer à população. Costumo dizer que sou farmacêutico por aptidão e assumi intimamente a missão de produzir medicamentos para salvar vidas. Com o advento da pandemia, esse propósito ficou ainda mais claro. É muito triste saber que uma vida foi perdida por falta de medicamento adequado. No caso da Covid-19, o paciente que evolui para o quadro de insuficiência respiratória só pode ser intubado se estiver sedado, o que requer o uso de potentes anestésicos. E imagine como foi para nós, do setor, lidar justamente com a ausência desses produtos. Sofremos uma pressão gigante e temos trabalhado incansavelmente para suprir ao máximo essa demanda.

Como você tem observado a evolução da pandemia no Brasil?

Passamos por algumas fases. Na primeira onda não havia leito de UTI para todo mundo. Em um segundo momento percebeu-se que o número de respiradores era insuficiente para atender a toda a população. E, finalmente, tivemos de lidar com o desabastecimento de sedativos no mercado. Acredito que o pico não passou e ainda teremos de lidar com esse vírus por um bom tempo. A boa notícia é que hoje os médicos já têm em mãos recursos adequados para tratar os pacientes contaminados pela Covid-19. Contudo, não podemos baixar a guarda e deixar de dar a devida importância à gravidade dessa doença. Não se pode afirmar nada com 100% de certeza.

"Nada justifica um indivíduo saudável fazer uso de medicamento como forma preventiva por acreditar que estará protegido. O efeito rebote disso é o relaxamento das medidas efetivas de higiene e de prevenção como uso de máscara e álcool gel" (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
Qual a importância da indústria farmacêutica brasileira no combate à Covid-19?

De modo geral, o setor farmacêutico tem protagonizado iniciativas essenciais no combate e tratamento do novo coronavírus. Parcerias realizadas com governos e organizações de saúde têm auxiliado muito na contenção do vírus. Graças às frentes de trabalho realizadas em conjunto, o nível de desabastecimento de medicamentos vem sendo reduzindo e milhares de vidas têm sido salvas.

Podemos dizer que o novo coronavírus impulsionou mudanças na indústria farmacêutica?

Sem dúvidas. A ausência de uma política pública nacional independente que invista recursos na indústria farmoquímica evidenciou uma grande falha. Atualmente, Índia e China dominam a produção de ingredientes ativos e, obviamente, não podemos depender de outros países para a produção destes insumos. O mundo todo consome os farmoquímicos desses dois países e com isso sofremos um abalo gigante na cadeia de suprimentos. Precisamos criar, urgentemente, uma política nacional para investir na indústria de base. Por outro lado, nossa indústria é extremamente desenvolvida e competitiva. Trabalhamos com tecnologia de ponta e somos um dos poucos países do mundo na corrida para produção da vacina.

O novo coronavírus chegou ao Brasil depois de ter chegado a países como a China, a Itália e o Reino Unido. Como se explicam, então, o grande número de mortes e o fato de termos mais óbitos por milhão do que os Estados Unidos, por exemplo? Onde erramos?

Acredito que isso se deve a vários fatores, a começar pelo isolamento de apenas 50% da população. O transporte público é precário e o usuário de ônibus ou metrô estará, inevitavelmente, aglomerando e correndo risco de se contaminar. Há também o baixíssimo índice de testagem, o que me leva a crer em uma grande subnotificação. Fora isso também acredito em um número considerável de pessoas assintomáticas, o que não deixa de ser preocupante, mesmo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgando que teriam pouca probabilidade de transmissão. A solução, a meu ver, seria realizar testagem em massa para obter uma estimativa real.

A indústria farmacêutica já sabia que poderia ocorrer a falta de medicamentos importantes?

Sim. Em abril já era possível analisar o que estava ocorrendo na Ásia, onde a pandemia teve início, e sua consequente propagação para a Europa. No final de maio e início de junho houve uma falta absurda de sedativos nesses países. Naquele momento, foi possível nos anteciparmos e aumentar os pedidos de insumos aos nossos fornecedores. O que acabou nos favorecendo muito e nos possibilitou ter a liderança no fornecimento de sedativos aqui no Brasil. Acredito que tenhamos sido a primeira empresa a se preparar para o aumento dessa demanda,mesmo que ainda não tenha sido suficiente.

Representantes da indústria chegaram a avisar o Ministério da Saúde da possibilidade de desabastecimento. Qual foi a atitude do ministério?

No início de abril tentamos manter diálogo com os órgãos competentes, alertando sobre essa realidade. Contudo, não tivemos muita receptividade [nessa época, o ministro da Saúde era Luiz Henrique Mandetta]. Naquele momento o governo afirmava que estava preparado, o que infelizmente não condizia com a realidade. Era tudo muito novo e outras prioridades estavam em foco, tais como a falta de leitos de UTI e de álcool gel. Atualmente a parceria entre o Ministério da Saúde e a indústria farmacêutica tem ajudado a superar a pandemia.

A curva de aprendizado da Covid-19 é mais acelerada que a de outras doenças?

Sem dúvida. Tudo tem ocorrido em uma velocidade que ainda não tínhamos visto na história da humanidade. O desenvolvimento da vacina em tempo recorde é um grande exemplo. Penso que isso se deve, em grande parte, à evolução de tecnologia de comunicação.

A pandemia do novo coronavírus gerou uma corrida às farmácias atrás de medicamentos sem a devida comprovação científica de sua eficácia. Porque as pessoas usam medicamentos que ainda não receberam o devido aval da comunidade científica?

Como farmacêutico, acho minimamente absurdo divulgar profilaxias que não tenham comprovação científica de sua eficácia. Sou totalmente contra a automedicação. Nada justifica um indivíduo saudável fazer uso de medicamento como forma preventiva por acreditar que estará protegido. O efeito rebote disso é o relaxamento das medidas efetivas de higiene e de prevenção como uso de máscara e álcool gel.

(foto: Geraldo Goulart/Encontro)
(foto: Geraldo Goulart/Encontro)
Uma boa notícia é que a mortalidade pelo novo coronavírus vem diminuindo nas UTIs. Quais práticas médicas contribuem para isso?

O uso correto de drogas que, de fato, ajudam o paciente a se recuperar, entre elas os anti-inflamatórios, anticoagulantes e antibióticos que têm sido fundamentais na luta contra esse vírus. Mas, enfatizo, não existe medicamento preventivo para a Covid-19.

Alguns países estão relatando casos de reinfecção pelo novo coronavírus. Isso muda a forma de enxergar a doença? Devemos nos preocupar?

Acho possível que isso ocorra. A reinfecção se deve ao fato de o vírus ser inteligente e extremamente mutável, o que dificulta uma leitura clara de sua forma de ação. Fatores como proporção e periodicidade ainda não foram definidos. Por outro lado, penso que o nosso organismo irá criar anticorpos para resistir ao vírus. Se pensarmos que doenças como sarampo e poliomielite estão voltando, acho improvável que esse novo coronavírus desapareça. Acredito que ainda vamos conviver com ele por pelo menos dois ou três anos.

Podemos esperar uma vacina para este ano, ainda que para grupos de risco? A maior parte da população pode receber essa vacina ainda no início de 2021?

A vacina ideal é aquela desenvolvida cumprindo todas as etapas necessárias. O que não podemos afirmar sobre a vacina produzida na Rússia que para mim será a nova roleta russa do mundo moderno, literalmente. Isso porque requisitos mínimos de segurança foram descartados. Chega a ser irresponsável. Já a vacina do Instituto Butantan, em parceira com a Sinovac, a meu ver, deve ser a primeira a entrar em circulação. Prometeram para dezembro deste ano, mas acho muito rápido. A expectativa real é que comece a circular em fevereiro de 2021, em uma média de 60 milhões de doses. O que atenderia apenas um quarto da população. Mas a distribuição só ocorrerá uma vez que a eficácia da vacina for comprovada e houver o registro.

A fábrica da Hipolabor em Sabará praticamente quadruplicou a sua produção de medicamentos durante a pandemia. Mesmo assim isso não foi suficiente para atender toda a demanda?

A demanda por anestésicos que possibilitam a intubação de pacientes com insuficiência respiratória - um dos principais agravantes do coronavírus - aumentou em seis vezes. Somente nos últimos 90 dias, a Hipolabor produziu cerca de 50 milhões de sedativos. Nossa equipe tem trabalhado incansavelmente para suprir a falta desses produtos. Infelizmente, mesmo quadruplicando a produção dos itens relacionados ao combate à Covid-19 não foi suficiente para atender a toda a demanda gerada. O que se deve ao elevado número de pacientes internados em UTIs.

Em meio à pandemia, a Hipolabor antecipou a inauguração de uma nova fábrica em Montes Claros, de outubro para julho. Como a necessidade de abastecer o mercado impactou na decisão de antecipar as obras?

A fábrica foi certificada pela Anvisa em julho deste ano e vamos finalizar os testes de validação ainda neste mês de setembro. Será quando começaremos a produção de lotes comerciais. Com um investimento de 150 milhões de reais, nos preparamos para duplicar a produção, passando de 14 para 30 milhões de ampolas mês. Com isso teremos ainda mais condições de suprir as demandas atuais do mercado.

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