Publicidade

Estado de Minas EDUCAÇÃO

Os desafios da alfabetização durante a pandemia do novo coronavírus

Mesmo com aulas em casa, os pequeninos têm mostrado que é possível aprender o bê-à-bá


postado em 03/11/2020 00:06 / atualizado em 03/11/2020 00:13

A advogada Elaine Mendes, com os filhos Jorge Ramos, de 7 anos, e Santiago, de 5:
A advogada Elaine Mendes, com os filhos Jorge Ramos, de 7 anos, e Santiago, de 5: "Quando assustamos, a criaturinha estava lendo tudo", diz ela, sobre o filho mais velho (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
Ca-fé, chá, Ce-re-al. As primeiras palavras lidas pelas crianças são sempre uma alegria e uma surpresa para a família. É como se elas recebessem o passaporte carimbado para um mundo novo. Em 2020, esse conhecido processo da educação infantil não foi nada simples. Cartilhas, lousas e a presença carinhosa do professor foram substituídos pela dúvida que passou a frequentar a cabeça dos pais: será que meu filho vai continuar gostando da escola? Será que conseguirá aprender a ler? Será um ano perdido? Com a pandemia do novo coronavírus, o ensino virtual pegou todos de surpresa. Inclusive as escolas, que precisaram se movimentar com rapidez para dar prosseguimento à missão de ensinar e para continuar presente na vida dos pequenos, mantendo os vínculos afetivos.

Reiventar um processo lúdico de educação, garantindo que as crianças seguissem em frente com suas hipóteses sobre a escrita foi um desafio. A primeira e rápida percepção de muitas escolas é que não seria possível transportar modelos do ensino presencial para o online. Havia ainda um grande obstáculo a ser vencido, talvez o maior deles. No ensino a distância, as crianças estariam privadas da convivência e das interações com os seus pares. "Uma de nossas preocupações foi dividir a sala de aula em pequenos grupos para que as crianças pudessem, ainda que cada um em sua casa, interagir com os colegas", diz Ana Luísa Guimarães, coordenadora pedagógica da educação infantil e do 1º ano no Colégio Sagrado Coração de Maria, no Bairro da Serra.

Ana Luisa Guimarães, coordenadora pedagógica do Colégio Sagrado Coração de Maria:
Ana Luisa Guimarães, coordenadora pedagógica do Colégio Sagrado Coração de Maria: "Uma das nossas preocupações foi dividir as aulas online em pequenos grupos para que as crianças pudessem, ainda que cada um em sua casa, interagir com os colegas" (foto: Bianca Teodoro Maurelli Ferrrari/Divulgação)
A percepção de muitos pais de que os filhos aprendem muito com outras crianças foi transformada em ciência por estudiosos como o psicólogo Liev Vygotsky, que verificou o papel decisivo das relações sociais no desenvolvimento intelectual dos pequenos. Assim, Ana Maria explica que ao dividir as salas em pequenos grupos, os alunos puderam ter contato mais estreito com os colegas, preservando a socialização nesse importante momento do aprendizado. As crianças têm zonas de desenvolvimento próximas, por isso a exposição aos seus pares é tão relevante. Além das vídeo-aulas com duração aproximada de 30 minutos, a escola usou diversas ferramentas para a alfabetização, a exemplo do Word Wall, espécie de quadro de palavras virtual, do jamboard, que é uma tela inteligente, e de podcasts. "Por volta dos 3 anos, a criança começa a perceber que o que ela fala pode ser escrito", explica Ana Luisa. Geralmente, esse  processo da escrita e da leitura são adquirido nas ultimas series da educação infantil e no primeiro ano. "No ensino online conseguimos alcançar bons resultados criando propostas novas, fora da caixa", diz. Ana Luisa ressalta ainda que os pais não precisam ficar ansiosos quanto ao conteúdo que os filhos estão conseguindo assimilar este ano. Em sua escola, por exemplo, todos os alunos passarão por uma avaliação diagnóstica desse período escolar.

A advogada Carmélia Alves reduziu o horário de trabalho para auxiliar os filhos Guilherme, de 6 anos (na foto), e Henrique, de 2, com as aulas online:
A advogada Carmélia Alves reduziu o horário de trabalho para auxiliar os filhos Guilherme, de 6 anos (na foto), e Henrique, de 2, com as aulas online: "No início houve um impacto. Mas acho que a escola se adaptou rápido à nova plataforma e conseguiu manter uma comunicação próxima com os alunos, o que foi muito importante" (foto: Divulgação)
Na casa da advogada Elaine Mendes, Jorge Ramos, de 7 anos, está no primeiro ano e seu irmão, Santiago, de 5, no primeiro período. Elaine fez uma ginástica para conseguir acompanhar os filhos e até reestruturou seus turnos de trabalho. "Sabia que esse ano seria muito importante, principalmente para o Jorge, que está no primeiro ano." Ela acompanhou bem de perto a plataforma on-line, que foi uma novidade completa para os filhos. Até então, o acesso das crianças às telas costumava ser bem limitado. Nos primeiros dias, Elaine ficou preocupada e desconfiou dos resultados. Mas logo teve uma agradável surpresa. Neste ano, Jorge começou a ler. "Primeiro soletrava os rótulos na mesa do café da manhã", lembra a mãe. I-tam-bé, foi a primeira palavra que o garoto leu na caixa de leite. A descoberta gerou até uma pesquisa sobre a origem do nome. "Quando assustamos, a criaturinha estava lendo tudo", conta a mãe, orgulhosa. Elaine aproveitou a deixa e comprou livros com histórias que o garoto curtiu bastante, além das revistinhas da Turma da Mônica que ele agora devora e lê para o irmão. A advogada considera que Jorge conseguiu enfrentar bem as aulas online. Santiago, no entanto, achou a novidade um tanto cansativa.

Maria Lúcia Rodrigues, diretora da Escola Chez L%u2019Enfant:
Maria Lúcia Rodrigues, diretora da Escola Chez L%u2019Enfant: "Desenvolvemos os materiais e a metodologia sem perder a ludicidade da educação infantil" (foto: Samuel Gê/Encontro)
Na Bilboquê, que atende crianças do maternal até o segundo ano do ensino fundamental, a educação on-line começou com aulas gravadas e rapidamente evoluiu para o  tempo real, variando entre 40 a 50 minutos por dia. Foi intenso o trabalho de toda a equipe da escola para desenvolver a nova metodologia de ensino. Com o fechamento das escolas, todo o planejamento desenvolvido para o ano foi reelaborado utilizando diversas ferramentas do ensino digital. "O importante é que as crianças conseguiram adquirir a leitura", diz a diretora pedagógica, Maria Claret Lamounier, sobre os alunos que estão na fase da alfabetização. Como o ambiente escolar ficou reduzido à família, a escola teve grande preocupação também com as implicações emocionais da pandemia, realizando reuniões individuais com pais e responsáveis para atender as demandas que ultrapassam as questões pedagógicas. Maria Claret lembra que, no processo de alfabetização, o ambiente da sala de aula, os nomes dos colegas e os espaços da escola são geralmente utilizados como recursos reais. Na educação online, a Bilboquê transferiu o cenário da aprendizagem para a casa e seus elementos. A escola preservou também as aulas especializadas e atividades lúdicas.

A educação online não pode ser comparada com a riqueza do ambiente escolar, onde a criança aprende ao mesmo tempo que desenvolve outras habilidades, como concentração, atenção e autonomia. Ainda assim, a diretora da escola Chez L’Enfant, Maria Lucia Rodrigues diz que a grande maioria das crianças do segundo período adquiriram, não só a leitura, mas habilidades como a contação de histórias e o desenvolvimento do raciocínio matemático. Além dos recursos tecnológicos a escola trabalhou também com o conceito do drive thru para a entrega de atividades. As aulas foram divididas em turnos de 45 minutos por dia, envolvendo também atividades como inglês e educação física. "Desenvolvemos os materiais e a metodologia sem perder a ludicidade da educação infantil", diz Maria Lúcia. Com isso, o conteúdo a distância permitiu a imprescindível continuidade do processo educacional e alfabetização dos pequenos, que em 2021 seguem para o ensino fundamental.

A diretora da escola Bilboquê, Maria Claret Lamounier: cenário da aprendizagem transferido para a casa e seus elementos(foto: Samuel Gê/Encontro)
A diretora da escola Bilboquê, Maria Claret Lamounier: cenário da aprendizagem transferido para a casa e seus elementos (foto: Samuel Gê/Encontro)
Os pais precisaram dar atenção especial a esse momento. Advogada, Carmélia Alves trocou, durante a pandemia, passou a trabalhar apenas meio período, exatamente para seguir de perto a rotina dos filhos que deixaram de frequentar a escola. Mãe de Guilherme, de 6 anos, e Henrique, de 2, ela acompanhou bem de perto as aulas online. Em sua casa, o as aulas virtuais se dão em três blocos de 30 a 40 minutos. O esforço valeu a pena. Carmélia ficou feliz ao constatar que Guilherme alcançou a alfabetização e está lendo. "No início houve um impacto. Mas acho que a escola se adaptou rápido à nova plataforma e conseguiu manter uma comunicação próxima com os alunos, o que foi muito importante", diz a mãe. "A forma de aprendizado foi construtiva." Se alguém tinha duvidas de que a parceria entre família e escola é uma dupla perfeita, 2020 foi uma prova de fogo, sem direito a consulta. E esse bê-à-bá todos aprenderam direitinho.

Os comentários não representam a opinião da revista e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação

Publicidade