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Estado de Minas PANDEMIA

Epidemiologista fala sobre a vacinação contra o coronavírus

Referência em Minas Gerais, médico José Geraldo Leite Ribeiro tira dúvidas sobre laboratórios, eficácia, imunidade de rebanho e outras questões


postado em 12/03/2021 00:38 / atualizado em 12/03/2021 00:38

O médico epidemiologista José Geraldo Leite Ribeiro:
O médico epidemiologista José Geraldo Leite Ribeiro: "Em agosto, setembro do ano passado, já conhecendo quais vacinas caminhavam para um resultado positivo de fase 3, o Brasil deveria ter se planejado melhor para a compra" (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Elas finalmente chegaram. As tão esperadas vacinas contra a Covid-19 estão sendo aplicadas no mundo inteiro e são a principal esperança de controle da pandemia. No Brasil, o primeiro dia de imunização foi 17 de janeiro, quando a enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, que atua na linha de frente do atendimento aos pacientes com novo coronavírus no hospital Emílio Ribas, em São Paulo, tomou a primeira dose da CoronaVac, da farmacêutica chinesa Sinovac. Desde então, mais de 10 milhões de brasileiros estão vacinados no país, entre aqueles imunizados com a CoronaVac e aqueles que tomaram a vacina de Oxford-AstraZeneca.

Nunca se falou tanto sobre vacinas e nunca se questionou tanto sobre laboratórios, tipos de imunizantes, origem dos insumos, comparação de eficácias, entre outros temas que, em épocas passadas, não eram tão levantados pelas pessoas antes de irem até o posto, na data da campanha, para receber sua dose. E ainda há muitas dúvidas quanto ao processo de vacinação no Brasil, que ainda está no início e, segundo especialistas, deve durar todo o ano de 2021.

Como já existem, até o momento, quatro vacinas com estudos de fase 3 e cujas doses têm sido negociadas por vários governos, há perguntas sobre a possível escolha de qual imunizante tomar, de qual vacina é melhor, de como será confirmada a prioridade de determinados grupos, entre outras questões que afetam diretamente a população, tão desejosa pelo retorno ao antigo normal. Para responder o que já é possível saber sobre as vacinas e sobre a campanha nacional de imunização contra a Covid-9, conversamos com o médico epidemiologista José Geraldo Ribeiro, referência em vacinação em Minas. Aposentado do estado, onde atuou por mais de 30 anos, José Geraldo está com a agenda lotada devido ao momento epidemiológico (e vacinal) pelo qual estamos passando, inclusive assessorando voluntariamente a secretaria de Saúde quando convocado.

  • Quem é: José Geraldo Leite Ribeiro, 65 anos

  • Origem: Belo Horizonte

  • Formação: Graduado em medicina pela UFMG, com especialização em pediatria e em epidemiologia, além de mestrado em medicina tropical, também pela UFMG

  • Carreira: É professor emérito da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e professor em exercício da Faculdade de Saúde e Ecologia Humana em Minas Gerais. É assessor científico em vacinas do grupo Hermes Pardini. Foi médico epidemiologista da secretaria de estado de saúde por 33 anos na coordenação estadual de imunização

Encontro - Qual a diferença dos mecanismos de atuação das vacinas que existem hoje contra Covid-19 no mundo?

José Geraldo Ribeiro - Hoje existem basicamente quatro vacinas que já publicaram, de alguma forma, dados de fase 3. A CoronaVac, que é uma vacina clássica, usa o vírus morto, com um adjuvante (substância adicionada a uma vacina para potencializar sua resposta imunológica). A de Oxford usa um adenovírus morto contendo as informações do novo coronavírus de que o organismo precisa para fazer imunidade (essas vacinas são chamadas de vacinas com vetores). As outras duas, da Pfizer e da Moderna, usam um pedaço do RNA sintético do vírus, que leva as informações para as células fazerem as respostas imunes de que necessitamos.

É possível comparar as eficácias desses imunizantes?

Comparar vacinas que foram submetidas a estudos diferentes não é apropriado. Esses estudos podem ter diferenças nos critérios para se estabelecer o quadro de Covid-19. Eles também foram feitos em populações diferentes e em momentos epidemiológicos diferentes. Então, não é possível, neste momento, ter comparação direta de eficácia das vacinas.

Se houver vacinas de diferentes laboratórios disponíveis no Brasil, será possível escolher a que se vai tomar dentro do Programa Nacional de Imunizações?

Com a escassez de vacinas no Brasil, provavelmente, não será possível ao cidadão escolher qual vacina tomar. Ele deve receber aquela que o município tem no momento em que ele puder ser vacinado. É provável que não tenhamos várias vacinas disponíveis ao mesmo tempo.

Como funciona o processo de uma vacina presente no calendário nacional ser ofertada também por laboratórios particulares?

O setor privado é complementar ao Sistema Único de Saúde (SUS). Em geral, fornece vacinas iguais às do SUS, mas para as quais, em termos de saúde pública, há restrições de idade. Algumas vacinas de tecnologia mais moderna também estão disponíveis apenas nas clínicas privadas. No entanto, é sempre importante ressaltar que o Programa Nacional de Imunizações do SUS dispõe da maioria das vacinas de que necessitamos.

No caso da Covid-19, como acredita que funcionará a vacinação pelo setor privado?

Quanto à vacina contra a Covid-19, especificamente, não acredito que os serviços privados trabalharão com essa imunização ainda neste semestre. A produção mundial é escassa e toda ela está sendo destinada aos governos.

Considerando a demora para a vacinação de grande parte da população, como fica a proteção dos poucos que já foram vacinados?

Quando vacinamos um grupo pequeno de pessoas, como agora, com os profissionais de saúde e os grupos de risco, dependemos da proteção individual da vacina. De toda forma, essas pessoas continuarão, provavelmente, a ser expostas ao vírus.

A vacinação só servirá para fins de saúde pública se conseguirmos vacinar muita gente, ou com uma porcentagem menor já existe alívio no sistema de saúde?

Para fins de saúde pública, vários são os objetivos que podemos ter em uma campanha de vacinação. Se conseguirmos adequadamente vacinar todos os grupos de risco para a Covid-19, já haverá, sim, grande alívio do sistema de saúde. Provavelmente, teremos também diminuição importante no número de mortes e de pessoas com sequelas. Contudo, para o controle da epidemia, é necessária a vacinação de alto percentual da população - e mesmo assim não é toda vacina que é capaz de fazer a proteção de rebanho. Em relação às vacinas contra o novo coronavírus, isso ainda é um ponto de interrogação.

A CoronaVac, primeira vacina a que o brasileiro teve acesso, demonstrou em estudos impedir 100% das formas graves e de internação. Isso já seria suficiente para aliviar a pandemia?

Na verdade, ainda não se tem essa certeza. As formas graves de Covid-19, os óbitos, internações em CTI, ocorrem em uma minoria dos infectados. Com os estudos de fase 3 das vacinas, que foram curtos, não é possível afirmar com certeza estatística a prevenção desses casos graves. O que se percebe é uma tendência nesse sentido.

Os grupos prioritários não são os mesmos em todos os países. Qual a sua opinião sobre o critério definido para o Brasil?

As prioridades para a vacinação levam em conta o risco de infecção e principalmente risco de doença grave. Isso é diferente em cada país, pois depende da análise epidemiológica em cada um deles. O Brasil, na minha opinião, fez uma seleção muito criteriosa desses grupos de risco, atingindo populações onde tem sido demonstrada grande mortalidade.

Como será comprovada a prioridade, no caso, por exemplo, de pessoas com comorbidades?

A operacionalização das campanhas de vacinação fica a cargo dos municípios, o que também é o caso desta contra a Covid-19. Cada município pode ter um critério para comprovação dessas comorbidades. Muitos desses pacientes já são até conhecidos da unidade de saúde, porque lá fazem controle, participam de grupos de diabéticos, por exemplo. Aqueles que fazem controle com seus médicos privados deverão levar um relatório destes informando a comorbidade existente.

Quais os problemas de se politizar a vacina?

Politização na área de saúde é um grande problema, inclusive no caso de vacinas. Isso leva seguidores de determinadas tendências políticas a seguir recomendações que não são de pessoas que têm conhecimento sobre a imunização. Portanto, quanto menos politização, nesse sentido, melhor.

Quais os principais entraves para a vacinação plena contra a Covid-19 no país?

Na minha opinião, o principal entrave foi a falta de planejamento do governo federal. Em agosto, setembro do ano passado, já conhecendo quais vacinas caminhavam para um resultado positivo de fase 3, o Brasil deveria ter se planejado melhor para a compra.

O fato de nosso programa de vacinação já ser tão bem estabelecido é uma vantagem?

Sem dúvida o fato de já termos um programa público de imunização que está habituado a fazer grandes campanhas, distribuir grandes quantidades de vacinas, que tem capilaridade - chega nas tribos do interior da Amazônia assim como em condomínios das grandes cidades - é uma vantagem do país neste momento. Mas essa vantagem só será exercida, de fato, se tivermos vacina em quantidade suficiente.

Acredita que os temores de algumas pessoas em relação às vacinas se dissiparão à medida que muitos brasileiros começarem a ser imunizados?

Temor de vacina é comum a todas as populações. Mas tenho certeza de que à medida que elas forem aplicadas e a população verificar a segurança dessas vacinas - e também começarem a surgir os resultados - a adesão será muito grande à vacinação, como é uma tradição no nosso país.

Quem já teve Covid-19 deve se vacinar?

Quem teve Covid-19 deve, sim, se vacinar, porque não se conhece muito bem, neste momento, a duração da proteção dada pela doença. O cuidado que se precisa ter é não vacinar na fase aguda. Deve ser aplicada apenas 30 dias depois dos início dos sintomas, se o paciente estiver completamente recuperado. Se houver dificuldade em se determinar o dia do início dos sintomas, faz-se referência ao primeiro exame RT-PCR positivo.

Qual a sua opinião sobre o interesse de negociação, por parte de grandes empresas brasileiras, por doses de vacina neste momento?

Acredito que é compreensível a ansiedade das grandes empresas em vacinar seus funcionários para tentar voltar à produção normal, trazer de volta aqueles que estão afastados por questão de idade, de comorbidade. No entanto, neste momento em que os grandes grupos de risco ainda não foram vacinados, acho precoce para isso. Quem sabe no segundo semestre, se o Brasil já estiver resolvendo seu fornecimento de vacinas, isso possa contribuir para uma melhor cobertura vacinal.

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