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Estado de Minas ARTES PLÁSTICAS

Yara Tupynambá comemora 70 anos de carreira com exposição no CCBB-BH

A mostra exibe obras de diferentes fases da trajetória da artista mineira, mas todas voltadas para a temática do meio ambiente


postado em 31/03/2021 09:26 / atualizado em 31/03/2021 09:26

Yara Tupynambá, sobre a mostra que celebra sua carreira:
Yara Tupynambá, sobre a mostra que celebra sua carreira: "Para entrar no CCBB precisa ser nota 9,5 ou um 10. Isso é uma coisa que me gabarita, uma declaração de que eu valho a pena" (foto: Raquel Guerra/Divulgação)
A pandemia não alterou muito a rotina da artista mineira Yara Tupynambá. Ela já passava a maior parte do dia em seu ateliê, em casa, criando. Chegou o novo coronavírus e o convívio com amigos diminuiu, bem como as idas ao Belas Artes e ao Cine Humberto Mauro. A energia para fazer arte, no entanto, continuou intacta. Tanto que ela inaugurou, no final de fevereiro, do alto de seus 89 anos, uma exposição no Centro Cultural do Banco do Brasil em comemoração às sete décadas na ativa como artista plástica.

A mostra exibe obras de diferentes fases de sua carreira, mas todas voltadas para a temática do meio ambiente. "Abordei a natureza sob os mais diversos aspectos, desde florestas selvagens, intocadas, até natureza cultivada", explica. Há obras ligadas às matas mineiras, como do Vale do Rio Doce, quadros com cenas dos parques de BH, obras sobre os jardins do Inhotim e também uma série sobre o próprio jardim da casa da artista, que ela cultiva com muito carinho. "Em casa, todo mundo pode ter contato com seus pequenos vasos, sabendo que flor não dá o ano inteiro", alerta a mineira de Montes Claros. "Eu gosto muito da íris, por exemplo, a planta do Van Gogh, mas ela só dá em novembro e dezembro, e tenho de cuidar dela sem floração o resto do ano, o que exige paciência."

A Trepadeira(foto: Raquel Guerra/Divulgação)
A Trepadeira (foto: Raquel Guerra/Divulgação)
Yara fala com propriedade, pois faz arte a partir de sua experiência. No caso das festas populares e outros símbolos de Minas que tanto retratou, ela cria a partir de elementos que vivenciou, dos quais participou e que valoriza. Filha de engenheiro, Yara conta que morou em diversas cidades do interior. "Papai acompanhava a construção de estrada, e nós o acompanhávamos", conta. Assim, teve contato com a cultura mineira em suas mais variadas facetas, do congado à siderurgia, passando pela história, pelas festas, pelo artesanato. "Sou bastante viajada. Morei em Nova York como bolsista, conheço a Europa, China, Japão, Índia", diz Yara. "A vida inteira fui do mundo, mas, amorosamente, sou de Minas." Ela, que foi aluna dos renomados artistas brasileiros Alberto da Veiga Guignard e de Oswaldo Goeldi, cita uma famosa frase atribuída ao escritor russo Tolstói para explicar a presença tão profunda de Minas em sua arte."Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia."

E não só nas obras relativas à cultura do estado, mas também àquelas com tema de natureza, Yara vai à campo. Literalmente. "No Vale do Rio Doce, fui com guia, fiquei em acampamento, comi e dormi lá", afirma. Para visitar as velócias-gigantes, árvores com mais de 500 anos que existem na Serra do Cipó, teve de pedir autorização para o Ibama, pois deixou de ser permitida a circulação de pessoas no local, já que elas estavam destruindo as plantas em questão. No meio da mata do Parque Jacques Cousteau, em BH, ela pintou uma parede que encontrou por lá, toda grafitada com arabescos de azulejos e cuja história ninguém lhe soube contar. O quadro A Velha Parede Esquecida, aliás, é um de seus favoritos na exposição. "Pelo mistério que tem nele", explica. Segundo o artista plástico mineiro Fernando Pacheco, colega e amigo de Yara há mais ou menos 40 anos, a temática de sua obra vem de suas raízes. "Yara se mistura à sua arte através de suas origens", afirma. "É uma obra muito marcante pela verdade que contém, a verdade da vida dela", explica.

Parque das Mangabeiras(foto: Raquel Guerra/Divulgação)
Parque das Mangabeiras (foto: Raquel Guerra/Divulgação)
A artista diz que seu talento para as artes plásticas veio de sua avó paterna, Diva, que estudou pintura e desenho. Desde menina, Yara gostava de desenhar e tinha até professora de desenho na escola. Porém, ninguém da família esperava que ela fosse escolher essa carreira. "Não era uma carreira para mulheres, que eram normalmente professoras. Uma ou outra muito estranha ia ser médica ou advogada", conta. Ela trabalhou em outros ofícios - foi funcionária da Caixa Econômica Estadual, por exemplo, como datilógrafa -, pois, segundo conta, sua geração não fez arte como profissão. Mas em nenhum momento abandonou o chamado da cultura.

A trajetória de Yara mostra como nunca foi uma mulher conformada, ao contrário. Sempre foi atrás de seus desejos e objetivos, com muita coragem e honestidade. De acordo com Pacheco, pode-se definir a pintora, gravadora, muralista e desenhista como uma pessoa batalhadora, corajosa e guerreira. "Ela vai à luta, atrás do sonho dela, das realizações", diz. "E fala o que tem que ser falado, briga pelo que tem que ser brigado", completa. Em 1969, quando criou o painel Inconfidência Mineira, de 40 m de largura e 4 m de altura, que fica na reitoria da UFMG - onde foi professora e diretora na Faculdade de Belas Artes da UFMG - não abaixou a cabeça para os militares que acompanhavam o processo de produção do mural. Ela ia trabalhar na obra sob os olhos vigilantes dos militares com armas em punho. Ainda assim, acrescentou à obra, ao final, a frase "Condição primeira para a cultura é a liberdade". Esse é um de seus mais de 104 painéis e murais (sete dos quais tombados pelo Patrimônio Histórico Cultural de Belo Horizonte).

Pedras no Alto da Serra do Cipó(foto: Raquel Guerra/Divulgação)
Pedras no Alto da Serra do Cipó (foto: Raquel Guerra/Divulgação)
A artista, que já participou de salões de arte moderna, bienais, mostras nacionais, exposições coletivas no exterior e individuais das mais diversas, diz que a exposição no CCBB-BH é um momento muito especial em sua vida. "Para entrar no CCBB precisa ser nota 9,5 ou um 10", brinca. "Isso é uma coisa que me gabarita, uma declaração de que eu valho a pena", completa. Ela afirma que uma mostra em galeria atrai um público já mais acostumado com a arte e que, no CCBB, ela terá um público que não teria em outros espaços. Aos quase 90 anos, com toda a energia criativa que ainda tem de sobra, Yara já escolheu o próximo projeto a que vai se dedicar no seu ateliê. "Quero fazer algo sobre a cultura popular", conta. Quanto à impossibilidade de participar de eventos da cultura mineira na pandemia, ela garante que não será problema. "Eu já estive em quantas? Ainda nova, eu ia acompanhar congadeiros em Itaúna, meu pai achava o fim da picada, mas eu ia mesmo assim."

Exposição Yara Tupynambá – 70 anos de carreira
Onde
: CCBB-BH
Endereço: Praça da Liberdade, Lourdes, Belo Horizonte
Data: até 20 de maio
Horário: quarta a segunda, das 10h às 22h (mediante agendamento, dependendo das medidas de contenção da Covid-19)
Informações: (31) 3431-9400 ou @ccbbbh no Instagram

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