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Estado de Minas CIÊNCIA

Virologista fala sobre vacina da UFMG contra Covid-19

Flávio da Fonseca, do departamento de Microbiologia da universidade, explica a quantas anda o desenvolvimento e porque vale a pena investir em um imunizante que, na melhor das hipóteses, só ficará pronto no segundo semestre de 2022


postado em 24/04/2021 10:32 / atualizado em 24/04/2021 10:32

"Chegou-se à conclusão que seria melhor para o país importar a vacina do que investir em sua produção, ficaria mais barato. Mas hoje nós stamos pagando um preço alto por não produzir" (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Na corrida pelo desenvolvimento de vacinas que se mostrem eficazes e seguras no combate ao Sars-Cov-2, há chances de termos um imunizante mineiro. A Spin, como a vacina foi carinhosamente apelidada pelos pesquisadores do CT Vacinas, da UFMG, é um dos três imunizantes em fase mais avançada no Brasil e também entre os sete desenvolvidos pela UFMG. Já foram feitos testes clínicos em hamsters e camundongos com respostas bastante positivas e estão a todo vapor os testes em macacos. A fase 1 e 2 da vacina deve consumir a partir de 20 milhões de reais. A etapa três, que amplia a testagem em humanos, deve acontecer em 2022. Historicamente, a cada 100 vacinas desenvolvidas, apenas uma tem potencial para dar certo, para chegar ao mercado. "Cientistas costumam ser céticos, mas nós estamos animados com os resultados observados até agora", diz Flávio da Fonseca, virologista do departamento de microbiologia, integrante do corpo científico do CT Vacinas (Centro de Tecnologia de Vacinas), órgão responsável pelo desenvolvimento do imunizante. Nesta entrevista, o cientista fala sobre as fases da pesquisa, os desafios do investimento e ainda sobre a possibilidade de o imunizante produzido no próprio estado estar disponível em 2022. Por enquanto, o Brasil é o único país dos chamados Brics (Brasil, China, India, Rússia e África do Sul) que não tem uma vacina desenvolvida no próprio território.

1) Como a UFMG se posiciona na busca pela vacina para a Covid-19? Poderemos ter um imunizante mineiro, desenvolvido e produzido no estado?

Sim. Podemos dizer que a UFMG está presente em duas ações diferentes que acontecem paralelamente em seu contexto. A universidade participa de parte dos teste clínicos de fase 3 da vacina produzida por parceiros internacionais, como é o caso da Janssen, um braço vacinal da Johnson & Johnson, o que demonstra que a instituição é vista como um centro de excelência, já que é capaz de executar a análise da fase 3. Essa vacina foi licenciada de forma emergencial no Brasil. A segunda vertente é o desenvolvimento do imunizante genuinamente brasileiro, sem a necessidade de importação do insumo estrangeiro. Cinco vacinas são desenvolvidas no CT Vacinas e uma delas, a que chamamos informalmente de Spin, deve seguir para a fase 2. Ao todo são sete vacinas desenvolvidas na UFMG.

2) E o que isso significa exatamente?

Significa que a fase pré-clínica, que inclui testes em camundongos e hamsters e mais recentemente em macacos foi bastante positiva. Foram impressionantes os resultados. Na fase chamada desafio, na qual inoculamos o vírus, 100% dos vacinados sobreviveram, enquanto 80% dos não vacinados foram a óbito

3) E quando a vacina pode evoluir para as fases seguintes?

A expectativa seria de pelo menos três meses para as fases 1 e 2, de outubro a dezembro desse ano. A partir de janeiro de 2022 poderíamos fazer a progressão para a fase 3, que é mais longa, cerca de seis meses. Então temos expectativa de contar com uma vacina para o segundo semestre do ano que vem, caso os resultados se confirmem.

4) E não dá para acelerar um pouco esse tempo? E sobre as outras quatro vacinas em desenvolvimento no CT Vacinas?

Não dá para acelerar os prazos, porque são processos fixos que precisam ser cumpridos por qualquer país, por qualquer laboratório do mundo. É importante explicar que não é uma questão de tecnologia. É o tempo mesmo necessário. Não é possível acelerar esses resultados. Das cinco vacinas que desenvolvemos, duas delas geraram resultados promissores, mas a Spin é que tem processos mais adiantados. A cada 100 vacinas desenvolvidas apenas uma costuma chegar ao mercado.  A taxa de sucesso é baixa.

5) E como a Spin foi desenvolvida? Ela poderá ser produzida em Minas?

Usamos o modelo de proteína recombinante. A administração é intramuscular, feita em duas doses. A pesquisa que deu origem ao desenvolvimento do imunizante baseou-se na modificação genética da bactéria E.coli, que recebeu pedaços do genoma do Sars-Cov-2 para que fosse possível produzir as duas proteínas que o coronavírus utiliza para infectar as células humanas (as proteínas S e N). A bactéria é usada por muitos laboratórios para produção de proteínas recombinantes, ela funciona como uma fabriquinha. A gente insere o DNA que codifica essa quimera (proteína) dentro dela e daí ela usa esse DNA como livro de receita para fazer a proteína, produzindo como se fosse uma proteína dela. O composto é injetado no corpo humano e induz à resposta imune. Por ter um método de produção mais simples, uma tecnologia dominada no Brasil, a vacina poderia ser produzida na Fundação Ezequiel Dias (Funed).

6) Qual volume de recursos precisará ser investido na fabricação do imunizante considerando todas as fases?

A fase pré-clínica contou com fontes diferentes de financiamento, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e consumiu cerca de 2 milhões de reais. Seguindo para a fase 1 e 2, calculamos que serão consumidos pelo menos 20 milhões de reais. A fase 1 e 2, quando se induz os anticorpos, inclui um grupo de 200 a 300 voluntários. Mas a fase 3, a última etapa, já amplia muito esse número para perto de 40 mil voluntários. A fase 3 deve exigir recursos na ordem de 200 milhões de reais.

7) O investimento parece alto, mas é menor do que o país tem investido na importação dos imunizantes...

Sim. Já foram gastos mais que esse valor com a importação das vacinas. Ciência é investimento, primeiro colocam-se os recursos depois recupera-se. Embora tenha capacidade técnica, científica e tecnológica, o Brasil é o único país do chamado Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que ainda não tem uma vacina desenvolvida em seu território e testada em fase 3, em avaliação em humanos. O mesmo ocorreu com os testes no início da pandemia. Não conseguíamos testar  a população porque não produzíamos, dependíamos da importação.

8) E porque o país tomou esse rumo, de optar por não ser um fabricante de vacinas?

Essa é uma decisão estratégica que foi tomada no passado pelo governo brasileiro. Chegou-se a conclusão que seria melhor para o país importar a vacina do que investir em sua produção, ficaria mais barato. Mas hoje nós estamos pagando um preço alto por não produzir.

9) Essa dependência é arriscada?

Durante a epidemia ficou muito clara a dependência da importação. Não somos um país desenvolvedor de vacinas e isso é uma carência. Essa é uma decisão estratégica para o país. Historicamente o país não vem investindo no desenvolvimento de vacinas, o que nos daria uma autonomia e um planejamento melhor para enfrentar a pandemia. Mesmo em acordos de transferência de tecnologia, ainda ficamos dependentes em vários aspectos técnicos. Ficamos também sujeitos aos atropelos, com a falta de insumos, principalmente em um momento como o que vivenciamos onde o mundo inteiro busca o imunizante. Diria que é uma dependência perigosa. Acabamos pagando um custo humano e social muito alto. É interessante termos vários candidatos se aproximando dos testes na fase clínica porque não temos certeza de quais irão realmente funcionar.  A fase 1 e 2 são muito importantes, pois avaliam a segurança e também se induzem a produção de anticorpos e definem se a vacina irá ou não avançar para fase 3.

10) Se a vacina só estará pronta no segundo semestre de 2022, e já há outras vacinas disponíveis, porque vale a pena investir nesta?

De fato, a gente espera que no segundo semestre de 2022 grande parte da população brasileira já esteja vacinada com as vacinas disponíveis atualmente. Então para que uma vacina nacionalizada? A razão principal reside no pesadelo que está sendo conseguirmos vacinar a população agora. Sabemos que para a Covid-19 precisaremos ter um regime semelhante ao da vacina para a gripe. Não será uma dessas vacinas que tomamos uma vez e só precisamos tomar de novo daqui 10 ou 15 anos. Será uma vacina que precisará ser tomada com uma frequência grande, talvez de ano em ano, talvez de dois em dois anos. nem isso sabemos ainda. A gente não sabe quanto tempo a imunidade vai durar. Mas é provável que a gente tenha de vacinar a população toda de novo. E aí, imagina nessa segunda rodada passarmos por esse pesadelo do pinga-pinga de vacina novamente? Ter uma vacina nacionalizada nos dá independência de importação nesses próximos momentos que durarão por muitas décadas, provavelmente.

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