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Estado de Minas ENTREVISTA

Secretário de estado da saúde de MG fala sobre possibilidade da terceira onda de Covid-19

Fábio Baccheretti comenta, ainda, os desafios de assumir a pasta em meio à crise dos fura-filas e como Minas Gerais saiu das últimas colocações no ranking de vacinação para um de seus primeiros lugares


postado em 27/05/2021 23:59 / atualizado em 27/05/2021 23:59

(foto: Fábio Marchetto/SES-MG/Divulgação)
(foto: Fábio Marchetto/SES-MG/Divulgação)
Aos 37 anos, o médico belo-horizontino Fábio Baccheretti enfrenta o maior desafio de sua carreira. Ele assumiu a secretaria de estado da saúde de Minas Gerais em março passado, após afastamento de Carlos Eduardo Amaral, investigado em denúncia de "fura-fila" na vacinação contra a Covid-19. Assim, Baccheretti ocupa o posto em meio a investigações de condutas escusas de funcionários, durante a maior crise sanitária mundial da nossa época. O desafio, contudo, não o assusta. Tranquilo, de fala entusiasmada, ele assume as dificuldades de estar à frente da saúde em um estado com 853 municípios, mas conta, de maneira segura, as medidas desenvolvidas pelo governo e como tem corrido atrás de acelerar a vacinação – Minas Gerais já esteve entre os piores no ranking de eficiência, porém, figura atualmente os primeiros lugares. De acordo com o médico, o principal entrave, mesmo, é a falta de vacinas, pois em termos de estrutura, o estado está equipado e tem trabalhado de forma próxima às prefeituras para dar continuidade à imunização.

Quanto à terceira onda, que tem sido prevista por especialistas, o secretário afirma que é papel da pasta se preparar para um novo pico, mas não acredita que ele supere o anterior, devido à vacinação de parte dos grupos que tinham maior tendência a ser internados e morrer de Covid-19. Ainda assim, diz que os leitos de terapia intensiva serão mantidos, mesmo que vazios. "Temos dados robustos e consistentes que mostram que a população já vacinada com a segunda dose está proporcionalmente menos presente em CTIs, com menor número de óbitos", explica.

  • Quem é: Fábio Baccheretti Vitor, 37 anos

  • Origem: Belo Horizonte, MG

  • Formação: Graduado em medicina pela Universidade Vale do Rio Verde (MG), com especialização em radiologia e diagnóstico por imagem pela Santa Casa de BH e com pós-graduação em gestão em saúde pelo Hospital Israelita Albert Einstein (SP)

  • Carreira: Fez carreira no Hospital Júlia Kubitschek, onde entrou como clínico plantonista da unidade de emergência e chegou à direção hospitalar. Em 2019, tornou-se presidente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). É secretário de estado de saúde de Minas Gerais, tendo assumido a pasta em 15 de março de 2021

ENCONTRO - O que o levou a aceitar o cargo de secretário de saúde no meio da pandemia?

FÁBIO BACCHERETTI - Minha carreira toda como médico é no SUS. No Hospital Júlia Kubitschek comecei como plantonista do pronto atendimento, fui crescendo até virar coordenador do hospital e em seguida presidente da Fhemig. Tenho um grande amor por esse trabalho. Quando teve esse momento de transição e o governador me convidou para o cargo, entendi como reconhecimento do trabalho desses dez anos. E apesar de ter sido no pior momento da pandemia, me senti preparado, porque os hospitais da Fhemig foram os primeiros a enfrentar a Covid-19 no estado. Foi desafiador, mas não tinha como negar. Meu chefe me convidou para o posto, eu aceitei.

Como foi entrar na pasta em meio a uma crise como a dos fura-filas da vacinação?

Esse é um ponto difícil, porque a equipe de secretaria tem trabalhado muito e eles estão num momento de fragilidade dentro de tudo o que está acontecendo. E trazer a equipe de volta para se concentrar nesse enfrentamento, no momento mais difícil da pandemia, foi um grande desafio. Contudo, como venho do SUS, do estado, acho que isso é facilitador para agregar todo mundo - e toda a equipe trabalha o tempo todo, pois há vacinas entregues em finais de semana e feriados, a tentativa de abertura de leitos é desafio constante, etc. A equipe ainda está muito fragilizada. Vamos tentando, com parceria, buscar a elevação da autoestima da equipe, porque o trabalho aqui não para.

É possível a escolha, pelos estados, de imunizar grupos que não estão na prioridade do PNI, como os professores, ou isso fere a ordem do Ministério da Saúde?

Fere ordem do Ministério da Saúde. O Programa Nacional de Imunizações estabelece com clareza a prioridade. Alguns estados começaram a vacinar as forças de segurança antes da hora. E o governador, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, solicitaram que se homogeneizasse o uso da vacina - exigindo dos estados que cumprissem o PNI - ou então que se colocassem as forças de segurança como grupo mais prioritário. E foi o que aconteceu, nesse caso. Professores também estão sendo vacinados antes da hora (é um grupo que, nas prioridades, vem depois de pessoas com comorbidades, moradores de rua), e o governo solicitou ao Ministério da Saúde que adiante a imunização desses profissionais. A recomendação aos municípios, que operacionalizam a aplicação, continua sendo seguir as notas técnicas do Ministério da Saúde. Idealmente seria terminar cada grupo, conforme as distribuições das vacinas.

"Estamos vendo um vírus que não poupa ninguém. Os casos nos deixam mais emocionados, mas mais fortes para enfrentá-lo e sermos rígidos nesse enfrentamento" (foto: Fábio Marchetto/Divulgação SES-MG)
De que forma as mudanças de orientação do governo federal - por exemplo, quanto à aplicação das vacinas - afetam a atuação do estado no combate à pandemia?

O que mais interfere dentro do estado é o não cumprimento das previsões de entrega de imunizantes. No município, que é quem vacina, normas técnicas que variam muitas vezes no decorrer do processo geram confusão, como com a segunda dose da vacina do Butantan que está em falta. Em algum momento, o Ministério da Saúde, em seu planejamento, orientou o uso de todas as doses como d1. Em outra remessa, como o cenário era um pouco diferente, foi orientado a guardar metade como d2. Isso gerou confusão em diversos municípios e causou a falta da d2 em vários locais.

Belo Horizonte tem sua própria metodologia de acompanhamento de indicadores e de abertura e fechamento da cidade. Como tem sido sua relação com o prefeito e o secretário de saúde de BH?

Minha relação com o Jackson [Machado, secretário de saúde de Belo Horizonte] é muito boa, sempre foi. Estamos sempre atentos ao que é necessário, conversamos semanalmente, às vezes diariamente. Com o prefeito tive algumas reuniões, sempre uma relação respeitosa, nunca tive dificuldade nessa relação. Apesar de não fazer parte do Minas Consciente, BH aceitou a onda roxa, que é compulsória. Foi positivo para o estado, conseguimos queda enorme da contaminação. Não há distanciamento técnico entre as secretarias estadual e municipal de saúde.

Qual é a sua opinião sobre a condução da capital em relação à pandemia?

Temos algumas diferenças na forma de entender a dinâmica das medidas restritivas, como em relação ao funcionamento do comércio não essencial, que é autorizado na onda vermelha do Minas Consciente, com os devidos cuidados sanitários. Respeito a decisão de cada município de fazer seu decreto. O importante é que tanto BH quanto o estado busquem falar a mesma língua, e acredito que agora estejamos falando a mesma língua quanto ao momento de tomar mais cuidado. Acredito que há convergência técnica em boa parte das ações.

Não há mais planos de reativar o hospital de campanha - que nunca chegou a ser usado - ou ainda existe a possibilidade, caso o cenário exija?

Não acredito na volta do hospital de campanha. Nós temos que dividir a pandemia em dois momentos. No início, quando ele foi montado - e a Fhemig participou com provimento de pessoas -, era desconhecido o número de pacientes que precisariam de internação. Além disso, não havia ainda a expansão de leitos robusta no estado. Apesar de termos tido agora muito mais casos do que em julho passado, temos 11 mil leitos a mais hoje em hospitais (leitos já estruturados, em hospitais, o que é muito mais seguro para o paciente). Outro ponto é que leitos de enfermaria não foram problema nesse momento de maior estresse do sistema, foram os de terapia intensiva. E o hospital de campanha não vai adicionar leitos de terapia intensiva. Atualmente, estamos financiando os leitos de UTI abertos, ainda que desocupados.

"Estamos nos preparando para que tenha (uma terceira onda). Não significa que vá ter. Mas temos que nos preparar para mais um momento de sufoco no sistema de saúde" (foto: Fábio Marchetto/Divulgação SES-MG)
Qual o maior desafio em coordenar a vacinação com mais de 800 municípios?

O maior desafio é ter pouca vacina. Isso nunca aconteceu. Em todas as vacinas do calendário habitual de imunização, influenza, meningite, nenhuma nunca faltou. E, no caso da Covid-19, ainda é com a população inteira querendo, sendo que a gente nunca alcança a meta da vacinação em nenhuma campanha. O maior desafio é ter todo mundo querendo vacina e pouca vacina disponível. Devido a essa escassez, vários municípios sentem que receberam menos doses do que outros (lembrando que grupos prioritários não são proporcionais às populações das cidades, necessariamente). A partir de agora, acredito que haverá relação mais direta entre tamanho da população e número de doses recebidas, o que deve gerar menor desconforto. Certamente o maior desafio é a falta de vacinas, porque a logística o estado faz bem, já foram distribuídas seringas, agulhas e geladeiras. Está tudo estruturado. E o SUS aplica bem a vacina também.

A vacina da Pfizer, mais recente a chegar para os brasileiros, exige armazenamento em condições bem específicas e mais difíceis. Como o estado está lidando com essas questões logísticas e de estrutura?

É uma vacina muito complexa. Por isso, a decisão original do Ministério da Saúde foi de distribuir apenas para as capitais dos estados. Tanto a secretaria quanto o Ministério da Saúde treinaram a capital no manejo e aplicação das doses, que devem ser armazenadas em baixíssimas temperaturas. É uma vacina que precisa ser diluída e por isso seu tempo de uso é mais restrito (na segunda quinzena de maio a secretaria anunciou que 47 cidades do estado, que atenderam aos critérios de armazenamento e manipulação também receberiam o imunizante).

Há um número grande de pessoas que tomou a primeira dose da vacina e não apareceu para tomar a segunda. Faltou comunicação?

Não vejo como falta de comunicação. Visitei alguns municípios e vi que são bem sistemáticos em avisar a população. Municípios pequenos usam rádios locais, a mídia local, e cartão de vacina vem com data de retorno agendada. O problema está em se entender que a imunização se dá com duas doses, não uma. É um trabalho que deve ser feito de maneira sistemática. Nossas regionais vêm trabalhando com as cidades na busca ativa desses pacientes que não retornaram. É preciso ser enfático com as pessoas, especialmente na hora da aplicação da primeira dose. É mais uma questão de desconhecimento, de despreocupação, de achar que uma dose só é suficiente, do que de resistência por parte dos pacientes, também.

A pasta está à espera da terceira onda?

Estamos nos preparando para que tenha. Não significa que vá ter. Mas temos que nos preparar para mais um momento de sufoco no sistema de saúde. Vamos manter os leitos abertos.

Acredita que ela será pior ou acha que, graças à vacinação, ainda que lenta, é possível que seja menos grave?

A expectativa é de que não tenhamos um pico pior do que já tivemos. Temos dados robustos e consistentes que mostram que a população já vacinada com a segunda dose está proporcionalmente menos presente em CTIs, com menor número de óbitos. E a população acima de 60 anos é a que mais evolui para óbitos e ocupa leitos, então, não creio que passaremos por outro momento como este, se não houver nenhum fator novo envolvido.

Com mais de 38 mil mortos no Estado, teve alguma história que particularmente lhe chamou atenção?

De tantas histórias que a gente escuta sempre aqui na secretaria, quando temos famílias inteiras afetadas, pai, mãe, filhos, que evoluem para o óbito. Uma perda de família inteira, às vezes restando apenas um filho, uma criança… Isso afeta muito a todos nós. É o que mais nos sensibiliza, nos emociona. Estamos vendo um vírus que não poupa ninguém. Os casos nos deixam mais emocionados, mas mais fortes para enfrentá-lo e sermos rígidos nesse enfrentamento.

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