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Estado de Minas SAÚDE

Pandemia tem levado um número cada vez maior de crianças e adultos aos psiquiatras

Ansiedade e depressão são os transtornos mais diagnosticados pelos profissionais


postado em 08/06/2021 21:42 / atualizado em 08/06/2021 21:42

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Portador do Transtorno Desafiador de Oposição (TOD), Alex, de 11 anos, precisou de mais cuidados na pandemia para controlar o nervosismo.
Portador do Transtorno Desafiador de Oposição (TOD), Alex, de 11 anos, precisou de mais cuidados na pandemia para controlar o nervosismo. "É preciso vencer o preconceito e buscar ajuda para as nossas crianças", diz a mãe, a pedagoga Odília Lima Fantoni (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Ansiedade, irritabilidade, perda de sono, falta de ar, taquicardia, pânico, sensação de morte. Dos sintomas mais leves aos mais graves, as incertezas geradas pela Covid-19 têm levado um número cada vez maior de pessoas aos consultórios psiquiátricos. Coisa de doido? Não. Muitos já se deram conta de que assim como qualquer outro órgão do corpo humano, o cérebro também pede socorro e, muitas vezes, precisa de tratamento. O alerta sobre o crescente aumento na prevalência de transtornos mentais já havia sido dado em estudo realizado, em 2001, pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2017, o Brasil já era o país com a maior taxa de pessoas com transtornos de ansiedade no mundo - mais de 19 milhões. Os reflexos do isolamento social e da privação de atividades de lazer só fez aumentar as estatísticas.

Pesquisa recente, realizada pela Universidade de São Paulo (USP) em onze países, mostrou que após o surgimento do novo coronavírus os brasileiros passaram a liderar não só os casos de ansiedade, mas também de depressão. A enfermeira Adriane Autran, de 32 anos, só se deu conta que fazia parte desse grupo quando sua chefe lhe deu um ultimato para buscar ajuda. Após enfrentar um problema grave de saúde, em novembro do ano passado, pouco tempo depois foi diagnosticada com a Covid-19. "Fiquei muito abalada. Meu cabelo começou a cair e sentia uma angústia tremenda", diz. A princípio resistente a tratamento psiquiátrico, acabou cedendo à pressão. "Sem dúvida, foi a melhor decisão que eu poderia ter tomado. Recuperei a minha alegria de viver."

Resistente a tratamento psiquiátrico, a enfermeira Adriane Autran acabou cedendo após adoecer e contrair o novo coronavírus:
Resistente a tratamento psiquiátrico, a enfermeira Adriane Autran acabou cedendo após adoecer e contrair o novo coronavírus: "Sem dúvida, foi a melhor decisão que eu poderia ter tomado. Recuperei a minha alegria de viver" (foto: Arquivo pessoal)
Para especialistas, é impossível falar de saúde física sem pensar a saúde mental. Isso porque o cérebro é o órgão mais importante do sistema nervoso, que controla todo o corpo. Estima-se que cerca de 450 milhões de pessoas no mundo sofram de transtornos mentais, responsáveis pelas principais causas de incapacitação. Ainda assim, vencer o preconceito existente sobre tratamentos psiquiátricos segue sendo um grande desafio. "Muitos desconhecem que os transtornos mentais são, de fato, alterações biológicas que precisam ser tratadas. Caso contrário, podem resultar em graves consequências, entre elas, o suicídio", explica o psiquiatra Diego Tinoco.

A perda do pai e a contaminação pelo novo coronavírus levou o empresário Antônio Felga a buscar ajuda profissional:
A perda do pai e a contaminação pelo novo coronavírus levou o empresário Antônio Felga a buscar ajuda profissional: "Recomendo a todos que precisam buscar ajuda especializada. Passamos a enxergar os problemas por uma nova perspectiva", diz a mulher, Adriana (foto: Arquivo pessoal)
A empresária Adriana Felga conta que o marido Antônio, de 52 anos, sempre foi muito determinado e alto astral. Mas a perda do pai, no final do ano passado, em consequência de um câncer no pâncreas, o desestabilizou. Se não bastasse, logo na sequência ele e alguns familiares foram contaminados pelo novo coronavírus. Acabou tendo de ser hospitalizado. Com tantos problemas para administrar, recorreu a ajuda de um psiquiatra. "Recomendo a todos que precisam buscar ajuda especializada. Passamos a enxergar os problemas por uma nova perspectiva." Cientificamente falando, os neurotransmissores são responsáveis por transmitir as informações do cérebro para diversas partes do corpo. Quando em desequilíbrio, provocam várias alterações hormonais. A serotonina, por exemplo, é um neurotransmissor que atua regulando o humor, sono, apetite, ritmo cardíaco, temperatura corporal e a sensibilidade à dor. Em casos de Transtorno do Pânico, tanto ela quanto o GABA (ácido gabaérgico) precisam ser estabilizados. "De modo geral, os medicamentos utilizados apresentam poucos efeitos colaterais e bons resultados, dando qualidade de vida aos pacientes", diz o psiquiatra Diego. A temida "dependência", explica, pode ocorrer com uma parte restrita dos fármacos, mas somente quando utilizados de forma incorreta. "Os benzodiazepínicos, famosos tarja preta, devem ser usados com cautela, sempre com orientação médica e cronograma para início, meio e fim."

Psiquiatra da infância e adolescência, Ana Christina Mageste alerta:
Psiquiatra da infância e adolescência, Ana Christina Mageste alerta: "O isolamento social aumentou a violência familiar e os transtornos mentais nas crianças. O pós-pandemia exigirá que as escolas tenham o suporte de um psicólogo clínico para atender às urgências" (foto: Paulo Márcio/Encontro)
José Carlos Octaviano de Alvarenga, de 60 anos, analista de sistemas, sempre lidou bem com as adversidades da vida. Para a sua surpresa, a Covid-19 lhe desencadeou um medo que nunca havia sentido. "Fui para uma casa no interior e me isolei. Sentia medo da doença, medo de morrer". Ao se dar conta de que sozinho não conseguiria recuperar o equilíbrio emocional, buscou um psicólogo que o encaminhou ao psiquiatra. "Eu me senti acolhido. Passei a enfrentar o medo de forma mais racional." Especialistas orientam que não basta apostar apenas em medicamentos. O tempo de duração dos tratamentos varia de acordo com o diagnóstico e histórico de cada paciente, sempre aliados a uma mudança de estilo de vida. Também é preciso manter uma boa alimentação, praticar atividade física e associar a psicoterapia.

Com o slogan "Saúde Mental: nova concepção, nova esperança", o relatório mundial da saúde trouxe a compreensão de que fatores genéticos, biológicos, sociais e ambientais influenciam diretamente nas possíveis causas das doenças que atingem o cérebro. O autônomo José Aparecido dos Santos, de 35 anos, percebeu que se não buscasse ajuda sua vida pessoal ia desmoronar. "Trabalho na área de eventos e, sem demanda, acabei ficando parado em casa. O nível de estresse foi tão grande que o meu casamento quase acabou." Após alguns meses de tratamento, se sente muito mais tranquilo e a dose de medicamentos foi reduzida.

Para o psiquiatra Diego Tinoco, é impossível falar de saúde física sem pensar a saúde mental:
Para o psiquiatra Diego Tinoco, é impossível falar de saúde física sem pensar a saúde mental: "Muitos desconhecem que os transtornos mentais são, de fato, alterações biológicas que precisam ser tratadas" (foto: Claudia Rodrigues/Encontro)
Psiquiatra da infância e adolescência, Ana Christina Mageste alerta para o cuidado que se deve ter com os mais jovens. "A criança é, por definição, um grupo de risco. Vulnerável às alterações do meio em que vivem. Com o agravante de que isso pode causar danos em seu psiquismo prejudicando o seu desenvolvimento cognitivo e social", diz. O chamado ‘estresse tóxico’ ocorre quando as adversidades são vivenciadas por um longo período de tempo, sem o suporte necessário, gerando prejuízos neurobiológicos e psicológicos. Os principais sintomas são problemas de sono, alteração de apetite e muita agitação. "Isso aumenta o cortisol e afeta tanto o sistema imunológico quanto o sistema nervoso central, causando danos à emoção, memória e aprendizagem, e resultando na hiperatividade nos circuitos neurais", explica.

A especialista alerta para o aumento no índice de suicídio de crianças e adolescentes, e pede aos pais e familiares atenção redobrada. Segundo ela, o isolamento social aumentou a violência familiar e os transtornos mentais. O pós-pandemia exigirá que as escolas tenham o suporte de um psicólogo clínico para atender às urgências. "O excesso de acesso à internet e o distanciamento dos pais, ocupados com o trabalho em home office, agrava a situação." Em alguns casos, mesmo em crianças, o uso de medicação é necessário. A pedagoga Odília Lima Fantoni de Almeida faz o acompanhamento psiquiátrico do filho Alex, de 11 anos, desde que ele tinha 3. Portador do Transtorno Desafiador de Oposição (TOD), precisou de ainda mais cuidados na pandemia para controlar o nervosismo. "É preciso vencer o preconceito e buscar ajuda para as nossas crianças. Cuidar da saúde mental é garantir uma sociedade mais equilibrada", diz. Ela lamenta o fato de o Hospital Galba Velloso (HGV), do governo do estado, ter sido fechado, em plena pandemia, já que milhares de pacientes de saúde mental eram assistidos ali.

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