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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Psiquiatra alerta que adolescentes devem receber atenção dobrada durante a pandemia

Especialista em infância e adolescência da Associação Brasileira de Psiquiatria fala sobre exposição a telas, socialização e necessidade de diálogo em meio ao isolamento social


postado em 24/06/2021 09:24 / atualizado em 24/06/2021 09:24

O psiquiatra e professor Antônio Alvim Soares:
O psiquiatra e professor Antônio Alvim Soares: "É preciso apresentar ao adolescente outras possibilidades. Simplesmente dizer que ele tem de sair do seu celular vai gerar conflito, pois ele não terá outras opções. As opções devem ser atrativas" (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Os meninos cresceram. Durante o ano de pandemia, em frente às telas das aulas on-line, muitos pais viram seus filhos deixarem de ser criança e darem um importante passo rumo a vida adulta. De repente, a casa ganhou um adolescente. Esse estágio tão especial da vida, que geralmente começa por volta dos 13 anos e pode ir até perto dos 24, vem acompanhado de novidades, transformações do corpo e das emoções - e de dúvidas também. Afinal, o adolescente não é mais criança, tem opiniões próprias, tende a ser corajoso, quer abraçar uma causa, é contestador e cresce na presença da turma, do outro adolescente, o que também se tornou um desafio nos tempos da pandemia do novo coranavírus. Durante o isolamento social, temas como exposição a telas, socialização, combinados e diálogo ficam mais frequentes. Longe da turma e muito perto da família é preciso ficar atento para evitar os conflitos em época já de muita ansiedade. Os hábitos iniciados na infância, como a cooperação em casa, são importantes para a vida toda, mas na adolescência o ritmo e a disposição para cumpri-las pode mudar. É preciso saber lidar. Para falar sobre essa galerinha tão interessante, Encontro bateu um papo com o médico psiquiatra da infância e da adolescência Antônio Alvim Soares, coordenador do departamento de psiquiatria da infância e da adolescência da Associação Brasileira de Psiquiatria e professor da área na UFMG.

1) Durante a pandemia, muitas crianças cruzaram a barreira da adolescência. Quais os principais sinais dessa mudança?

Ah, são muitos. A adolescência é um período de maturação para a vida adulta. É um fenômeno social, mas também biológico. Outras espécies animais passam por processo semelhante. Saímos da infância para uma vida adulta, nos tornando capazes também de nos reproduzir. Nesse período da vida acontece a maturidade cognitiva e sexual. Várias mudanças estão em curso, como transformações físicas, de comportamento e na forma de pensar. O adolescente passa por uma maturação cerebral. Ele começa a valorizar a vida social, consegue perceber melhor o ambiente, a questão da conversa, valoriza mais as relações interpessoais. Nesse momento, o relacionamento com o grupo se torna algo muito importante. Ele começa a ter uma capacidade de raciocínio mais abstrata, consegue experimentar a questão do amor, abraçar uma causa, ter um idealismo que é mais difícil que uma criança tenha. O adolescente já tem o pensamento abstrato, o raciocínio vai ficando mais lógico.

2) E em que período da adolescência essas mudanças ficam mais claras?

O cérebro é o último órgão do corpo humano a terminar seu desenvolvimento. Isso ocorre por volta dos 20 e poucos anos. Nesse período o adolescente está mais propenso a tomar decisões impulsivas, a experimentar coisas novas. É importante que ele vivencie essas experiências, mas os pais devem estar sempre atentos. O adolescente é mais propenso a correr riscos, a tomar decisões precipitadas. Existe uma confiança e uma busca de prazer e de sensações. Ele está construindo sua personalidade. Pode existir uma egocentria, que é quando tende a achar que o mundo e as coisas giram em torno dele. Existe a audiência imaginaria da questão social, que seria a aprovação das pessoas e dos colegas. Uma jovem antes de usar o vestido imagina o que os outros vão pensar. E há ainda o pensamento da invencibilidade: “isso acontece com os outros, comigo, não”.

3) A adolescência é mesmo uma fase de muitos novos sentimentos, uma montanha russa para meninos e meninas...

Sim. Nessa idade temos a maturação do sistema límbico, do circuito das emoções. O adolescente muda muito de humor. Isso não significa que exista uma doença, mas que ele está mais reativo. Precisa haver grande atenção dos pais, porque na adolescência a pessoa tem uma maior propensão a desenvolver transtornos mentais. Há uma certa “emocionalidade”. Boa parte dos quadros como a depressão e ansiedade têm início nessa fase da vida. Então, se naturalmente esse é um período que precisa de atenção, nesse momento, mais ainda. Na pandemia os adolescentes ficam vulneráveis.

4) Por que o grupo é uma marca tão forte?

Principalmente no início da adolescência existe a busca para construção da autonomia. Para esse processo o adolescente se afasta dos pais, aqueles pais da infância, os ídolos. Há uma busca pelas “minhas amizades”, pelo “meu grupo”. Na infância os amigos são os colegas que têm atividades em comum, os colegas da escola, do esporte. Na adolescência o que une os amigos são os interesses. Não é só compartilhar atividades, mas compartilhar ideias. Essa busca pelos relacionamentos é importante porque traz para o adolescente as informações sobre mundos diferentes do dele. Ele tende a buscar referências além do grupo familiar. Conviver com gente que pensa de forma distinta, que trazem outros conflitos, é isso que ajuda a construir o adolescente, embora a família continue sendo imprescindível para o seu desenvolvimento saudável.

5) E como lidar com o isolamento social e com a substituição dos grupos pelas telas?

Estudos científicos de vários lugares do mundo mostram os impactos do uso excessivo das telas, desde o aumento da miopia na infância e na adolescência até o crescimento do sedentarismo, com diversas repercussões. O que as famílias devem ter nesse momento de pandemia é uma postura acolhedora para que o adolescente possa expressar suas angustias e medos. A pandemia é ansiogênica porque ela tem a imprevisibilidade que foge ao nosso controle. Quanto tempo vamos viver com isso? É importante que os pais reafirmem aos adolescentes a capacidade de enfrentamento. No início da pandemia se perdeu a estruturação da rotina. É muito importante ter horários definidos para atividade física, estudo, dormir e uso de tela. Para evitar um grande excesso de telas, uma vez que absurdamente o Brasil é um dos países do mundo com maior tempo sem aula, é preciso oferecer possibilidades. Cada família tem sua particularidade. Jogar um jogo, cozinhar junto, fazer caminhadas, um esporte. É preciso apresentar ao adolescente outras possibilidades. Simplesmente dizer que ele tem de sair do seu celular vai gerar conflito, pois ele não terá outras opções. As opções devem ser atrativas. Cada adolescente vai ter a sua. E os pais precisam ser criativos. Eu tenho que tirar uma coisa e colocar outra. Confiscar não é uma boa. Em alguns momentos pode até ser necessário, mas deve ser a última alternativa e nunca a primeira.  Fazer o que puder para evitar o conflito é o melhor nesse momento já desafiador.

6) Depois de um ano, qual o impacto do fechamento das escolas para os adolescentes?

O fechamento das escolas diz muito sobre a nossa sociedade. Belo Horizonte é uma das cidades do mundo com maior tempo de escola fechada. Em países com condições sanitárias e econômicas piores que a nossa, a escola foi priorizada. Abaixo de 12 anos as crianças transmitem e adoecem menos da Covid-19. Mesmo que o adolescente fique mais perto do adulto, abrir bares, por exemplo, se tornou mais relevante que abrir escola. Inúmeros estudos mostram o aumento da evasão. Há mais de 400 dias sem aulas, esses adolescentes que abandonaram a escola possivelmente não vão voltar. A escola é proteção da violência doméstica, do tráfico de drogas, da fome. Quando dizem que mais de 20% das escolas não têm esgoto, imagina então a casa das crianças e adolescentes que estudam ali? Muitas vezes a escola é mais saudável. O relacionamento interpessoal é importante demais para essa faixa etária. Quando eu me relaciono eu aprendo sobre o sim e como funciona o não. Aprendo do que o outro gosta ou não. Estudos muito robustos mostram que o ensino on-line tem seu valor, mas é inferior em termos de aprendizado. O fechamento prolongado das escolas tem trazido impactos cognitivos, social e emocional.

7) E quanto à Síndrome da Gaiola, que refere-se aos jovens que não querem ou resistem em sair de casa?

A Gaiola é interessante, mas não é um diagnóstico fechado. É preciso investigar o que há por trás dessa recusa, se existe um quadro depressivo ou ansioso. A volta para escola pode ser complicada para o adolescente que tem dificuldades no ambiente escolar. Existe o medo da Covid-19, o receio de não estar em dia com as tarefas... Há adolescentes que perderam pais, avós, que estão vivenciando o luto. São muitas questões. As escolas precisarão de atenção pedagógica e atenção à saúde mental. A volta à rotina deve ser gradual. Algo que parece imposto não soa bem para os adolescentes, gera dificuldade de aceitação. É importante demonstrar sempre o porquê de determinado pedido ou questão. O jovem vai argumentar, mas é preciso mostrar que existe um propósito no pedido.

8) Existe uma forma de incentivar o adolescente a colaborar em casa?

A colaboração deve começar na infância. Aos 4 anos uma criança já pode guardar seus brinquedos e essa capacidade vai crescendo... A colaboração é importante para a aquisição da autonomia e vai melhorar a convivência familiar. O adolescente pode realizar tarefas que lhe tragam certa satisfação e que seja também uma colaboração na casa. Nesse sentido pode haver o reconhecimento e até uma recompensa quando algo é bem executado, bem feito, com responsabilidade. A nossa motivação é interior com aquilo que nos dá prazer, mas precisamos também desse reforço externo. Para quem está começando com esse hábito agora, ele deve ser negociado. A partir da apresentação de uma lista de tarefas o filho pode escolher qual delas quer fazer, sempre lembrando antes que o combinado não sai caro.

9) E como trabalhar a autoestima para uma rotina com mais confianças e equilíbrio?

Até os 8 anos a autoestima da criança é lá em cima. Na adolescência isso pode mudar. É preciso estar atento a sinais como o isolamento, não querer conversar, a irritabilidade, alterações do sono, apetite. Nesses casos vale a pena consultar um especialista. Baixa autoestima às vezes é sintoma de depressão. Se não houver essa causa, vale reforçar o elogio, estimular atividades nas quais o adolescente seja bom, se saia bem, incentivar a prática de atividade física. Em relaçnao ao último ano, é consenso entre os colegas que diminuíram sintomas como os respiratórios e aumentaram os quadros psiquiátricos de depressão e ansiedades, autoagressividade como os cortes e machucados, além do crescimento de suicídios

10) Qual a importância da atividade física?

O exercício físico tem diversos efeitos positivos no organismo. Está ligado ao controle do peso, mas temos que pensar nas consequências a longo prazo. No processo de envelhecimento o sedentarismo pode impactar o cérebro. O recomendado para o envelhecimento saudável é que os adolescentes sigam a Associação Americana do Coração, praticando 150 minutos de atividade física por semana e mantenham a alimentação saudável. É muito importante que os pais deem esse exemplo. Esse é o melhor caminho.

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