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Estado de Minas BEM-ESTAR

Você sabe o que é etarismo? Pessoas com mais de 60 anos lutam contra o estigma da velhice

Campanha internacional defende que 'velhice não é doença' e especialistas revelam que a idade cronológica não é um bom parâmetro para se definir o idoso


postado em 11/03/2022 00:11 / atualizado em 11/03/2022 00:12

A educadora física Andrea Maria Amora Gomes, de 60 anos, mantém alimentação saudável e associa equilíbrio físico, mental e espiritual:
A educadora física Andrea Maria Amora Gomes, de 60 anos, mantém alimentação saudável e associa equilíbrio físico, mental e espiritual: "Penso que deveríamos usufruir da sabedoria dos mais velhos para nos guiar como sociedade" (foto: Paulo Márcio/Encontro)
De repente, do vigor dos 30 anos de idade você se vê transportado para os 40, 50, 60... É comum ouvir, de quem já chegou lá, que o tempo parece passar num piscar de olhos. E passa mesmo. Mas é cada vez mais corriqueiro se deparar com frases como "a vida começa aos 50" ou "os 60 são os novos 40". Embora no Brasil, por lei, o indivíduo já seja considerado idoso aos 60 anos, no dia a dia o que se vê são pessoas com essa idade (ou bem mais) cada vez mais ativas. "É importante reconhecer que a idade cronológica não é um marcador preciso para as mudanças que acompanham o envelhecimento", diz Luane A. Dantas de Oliveira, médica da equipe de Clínica Médica e Cuidados Paliativos do Hospital Madre Teresa. "Existem diferenças significativas relacionadas ao estado de saúde e níveis de independência entre pessoas da mesma idade."

A observação vai ao encontro da mudança de expectativa de vida da população brasileira. No início do século XX, segundo o IBGE, a média era 33,7 anos. Em 2020, saltou para 76,8 anos, o que corrobora a afirmação dos especialistas de que a idade cronológica não é um bom parâmetro para se definir o idoso. Para o médico Marco Antônio Marques Félix, geriatra da American Heart Association, é preciso entender que o envelhecimento é uma consequência de como se administra a própria vida no presente e das expectativas que se tem para o futuro. "Não importa a quantidade de anos que o indivíduo tem, mas sim o que ele fez nos anos vividos", afirma ele. O administrador de empresas aposentado José Orlando Júnior, de 64 anos, colhe hoje o resultado dos cuidados que adotou desde sempre. Para ele, a juventude começa por se manter uma mentalidade jovem. "Vemos com frequência pessoas bem mais novas com atitudes e comportamentos esperados dos mais velhos, como sedentarismo, isolamento e desatualização tecnológica." Além dos serviços de marcenaria que realiza como hobby, pratica pilates e mountain bike. Imagine, então, qual não foi a sua surpresa ao receber a notícia de que a partir de janeiro deste ano a nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID 11), da Organização Mundial da Saúde (OMS), teria a velhice como sinônimo de doença. A polêmica gerou indignação mundial e resultou na campanha "Velhice Não é Doença", que fez com que a OMS revisse sua decisão, não mais associando "velhice" à causa de morte de pessoas com idade a partir dos 60 anos.

Aos 102 anos, Zilda Franco Chaves é ovolactovegetariana, pratica exercícios funcionais três vezes por semana ao lado do neto, o personal trainer Níkolas Chaves, devora clássicos da literatura e tem até Instagram:
Aos 102 anos, Zilda Franco Chaves é ovolactovegetariana, pratica exercícios funcionais três vezes por semana ao lado do neto, o personal trainer Níkolas Chaves, devora clássicos da literatura e tem até Instagram: "Enxergo a vida com muita gratidão" (foto: Arquivo pessoal)
Vencida a batalha, a velhice passou a constar como possível fator associado à morte e não mais como a causa definida a ser registrada no boletim médico. Uma medida que, segundo as entidades envolvidas, também combate o chamado etarismo, preconceito sofrido pelas gerações mais experientes. Em maio de 2020, a Assembléia Geral da ONU já havia declarado 2021-2030 a Década para um Envelhecimento Saudável, em um movimento globalizado que prevê dez anos de esforços para melhorar a vida dos idosos, de suas famílias e de suas comunidades. Para especialistas, a velhice não pode ser definida pela simples cronologia, mas também pelas condições biológicas, psicológicas, sociais e ambientais em que cada indivíduo está inserido.

Coordenadora da geriatria do Instituto Orizonti, a médica Juliana Elias Duarte explica que o  processo de envelhecimento natural, fisiológico, e que não costuma trazer limitações é chamado de "senescência". Já o envelhecimento que vem acompanhado de adoecimento e que, por último, tira a capacidade de se viver com autonomia e independência é denominado "senilidade’’. "A longevidade é uma construção feita ao longo da vida e quanto mais jovem o indivíduo adotar hábitos saudáveis, melhor." Para se envelhecer bem, diz ela, também é preciso controlar doenças já existentes. O elixir da longa vida não é segredo para ninguém: alimentação saudável, boas noites de sono, praticar atividade física, ter bom convívio social, evitar álcool e cigarro, entre outras drogas, além de cuidar da mente. O geriatra Marco Antonio reforça: "Somos o que comemos, pensamos e fazemos com o nosso corpo. A genética carrega a arma, o estilo de vida aperta o gatilho".

Vaidosa, mesmo às vésperas de completar 96 anos, dona Else Correa ainda se vê bonita e se diverte conversando com os parentes distantes pelo Whatsapp:
Vaidosa, mesmo às vésperas de completar 96 anos, dona Else Correa ainda se vê bonita e se diverte conversando com os parentes distantes pelo Whatsapp: "Sou disciplinada e persistente. Tenho muita fé em Deus" (foto: Bruno Hanelt/Encontro)
Vaidosa, dona Else Correa ainda se vê bonita mesmo às vésperas de completar 96 anos. Nascida na Alemanha, mas desde os 12 anos morando no Brasil, criou os cinco filhos trabalhando com alta costura e alfaiataria. Dorme cedo e acorda quando o dia clareia. Diverte-se conversando com os parentes distantes pelo Whatsapp e colorindo desenhos em aplicativos. Não abre mão de tirar uma soneca após o almoço. "Sempre fiz caminhada, tive horta com muita fruta, verdura e sou muito disciplinada e persistente. Tenho muita fé em Deus", diz.

Especializado em treinamento para idosos, o personal trainer Níkolas Chaves Nascimento lembra a importância do fortalecimento muscular em qualquer idade. Segundo a OMS, entre 2000 e 2019 as quedas causaram a morte de 18,8 mil pessoas no Brasil, sendo 15,1 mil vítimas com mais de 60 anos. "O treinamento funcional melhora a coordenação motora, o equilíbrio e a orientação, além de dar mais flexibilidade e velocidade à marcha, diminuindo a incidência de quedas", afirma. Foi nos cuidados com os avós que ele decidiu se especializar na área. Aos 102 anos, sua avó Zilda Franco Chaves é ovolactovegetariana, faz caminhadas diárias, pratica exercícios físicos três vezes por semana ao seu lado, devora clássicos da literatura e tem até Instagram. Ao longo de sua vida, foi professora de ioga,  acompanhou o marido em sua carreira de magistrado e criou cinco filhos. "Enxergo a vida com muita gratidão e busco sempre o caminho para o crescimento espiritual", diz ela.

O administrador de empresas José Orlando Júnior, de 64 anos, tem a marcenaria como hobby e ainda pratica pilates e mountain bike:
O administrador de empresas José Orlando Júnior, de 64 anos, tem a marcenaria como hobby e ainda pratica pilates e mountain bike: "A juventude começa por se manter uma mentalidade jovem. É uma questão de escolha"  (foto: Bruno Hanelt/Encontro)
Bem mais jovem que dona Zilda - apesar de leis a qualificarem como idosa -, a educadora física Andrea Maria Amora Gomes, de 60 anos, está cheia de vida. Sem exageros, mantém uma alimentação saudável e associa equilíbrio físico, mental e espiritual. Para ela, é preciso seguir o exemplo das culturas indígena e oriental nas quais os anciãos são valorizados e respeitados. "Penso que deveríamos seguir o caminho oposto do sugerido pela OMS e usufruir da sabedoria dos mais velhos para nos guiar como sociedade", afirma. Com toda a  razão.

O que é envelhecer

Para os especialistas, a velhice não pode ser definida pela simples cronologia. Saiba quais são os tipos de envelhecimento:

  • Biológico: conjunto de mudanças físicas e orgânicas que resultam na redução da capacidade fisiológica do organismo

  • Cronológico: identifica apenas o passar do tempo, determinando a idade que cada indivíduo tem

  • Social: alterações nos papéis sociais que podem levar o idoso a se sentir excluído da sociedade, deixando de interagir com o outro e com o mundo

  • Psicológico: alterações cognitivas (atenção, percepção, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem), intelectuais, comportamentais e emocionais

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