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Estado de Minas SAÚDE

Os riscos de usar medicamentos e chás que prometem emagrecimento rápido

Segundo especialistas, a ingestão dessas substâncias pode resultar em problemas de saúde graves, como lesões no fígado e nos rins


postado em 08/04/2022 08:21 / atualizado em 08/04/2022 08:22

Uso indiscriminado de remédios e chás para emagrecer pode provocar sérias complicações: órgãos mais atacados, segundo especialistas, são fígado e rins(foto: Freepik)
Uso indiscriminado de remédios e chás para emagrecer pode provocar sérias complicações: órgãos mais atacados, segundo especialistas, são fígado e rins (foto: Freepik)
A eterna busca por um corpo "perfeito" ainda leva muita gente a se aventurar por caminhos perigosos. Na esperança de conseguirem um atalho até o resultado almejado, homens e mulheres se arriscam ao fazerem uso de emagrecedores que prometem milagres, a exemplo da perda de peso sem a adoção de hábitos saudáveis como contrapartida. Segundo especialistas, a armadilha é ainda maior no caso dos produtos naturais, comumente considerados inofensivos. Ledo engano!

O hepatologista Osvaldo Couto, do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas, dos hospitais Vila da Serra e Biocor e da Rede Mater Dei de Saúde, diz que algumas pesquisas mostram que mais de 60% da população utiliza ou já utilizou chás e ervas com o intuito de se tornar mais saudável. De acordo com o médico, no entanto, essas substâncias são pouco estudadas e, normalmente, aparecem nas prescrições associadas a outros produtos. "Existem fórmulas que misturam plantas, medicamentos, hormônios etc. São compostos que não apresentam nenhum respaldo científico, apenas somam potenciais efeitos tóxicos", diz Couto. "Frequentemente, eles são passados de pessoa para pessoa ou comprados diretamente em farmácias de manipulação. Muitas vezes, são prescritos por personal trainers, coaches, nutricionistas e até médicos despreparados, colocando a saúde dos pacientes em risco."

Osvaldo Couto, hepatologista do Hospital das Clínicas, do Vila da Serra, do Biocor e da Rede Mater Dei:
Osvaldo Couto, hepatologista do Hospital das Clínicas, do Vila da Serra, do Biocor e da Rede Mater Dei: "Um dos desafios da prática clínica é que não existe um exame específico que detecte a alteração causada pelos medicamentos ou pelos compostos à base de ervas" (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Couto ressalta que a medicina fitoterápica vem crescendo em todo o mundo e já responde por 10% a 20% das transações comerciais do mercado farmacêutico, conforme apontam as estimativas do setor. Mas, segundo o hepatologista, é importante lembrar que algumas plantas medicinais apresentam um alto potencial de toxicidade, como a confrei, a heliotropium, a senécio e a crotalaria, que contêm substâncias de um grupo de tóxicos chamado de alcalóides da pirrolizidina. "Elas são contraindicadas para uso oral por estarem associadas à síndrome de obstrução sinusoidal (oclusão de pequenos vasos do fígado), à hepatite aguda (incluindo a fulminante) e à cirrose", diz. A essa lista ele ainda acrescenta algumas das ervas mais populares entre as dietas de emagrecimento: a cavalinha, a Cava-Cava e a Sacaca. Outro vilão travestido de mocinho nessa história é o famoso chá verde, uma das bebidas naturais mais consumidas mundialmente. O hepatologista ressalta que diversas publicações científicas já associam o uso dele a alterações na função hepática.

Mas, afinal, por que o fígado é tão afetado? Couto explica que ele é o principal responsável pelo metabolismo das substâncias que ingerimos. Portanto, de uma maneira geral, todos os medicamentos, chás e ervas passam por esse órgão e interagem com enzimas específicas que, por meio de processos químicos, promovem a biotransformação das substâncias para que elas possam ser aproveitadas ou excretadas. Essas funções, contudo, podem ser afetadas pelos emagrecedores, provocando lesões. "Um dos desafios da prática clínica é que não existe um exame específico que detecte a alteração causada pelos medicamentos ou pelos compostos à base de ervas", afirma. "Muitas vezes, o paciente não sente nada e a lesão pode progredir de forma silenciosa e se agravar posteriormente. Em alguns casos, o indivíduo pode sentir mal-estar, náuseas, desconforto abdominal ou perceber uma coloração amarelada na pele e na conjuntiva ocular (icterícia)."

Frederico Rodrigues Anselmo, endocrinologista do Hospital Vila da Serra:
Frederico Rodrigues Anselmo, endocrinologista do Hospital Vila da Serra: "Existe apenas um meio de se perder peso de maneira saudável: ingerir diariamente uma quantidade de calorias inferior à que gastamos" (foto: Arquivo pessoal)
Outro inimigo constantemente enfrentado pelos profissionais da saúde é a venda ilegal de emagrecedores pela internet, inclusive de medicamentos proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). De acordo com o hepatologista, antigamente, muitos desses remédios eram baseados na anfetamina, uma substância que, em doses elevadas, pode causar hepatite aguda e fulminante e também comprometer o funcionamento dos rins.  "Infelizmente, algumas pessoas são iludidas e sofrem efeitos colaterais graves, como no caso de uma cantora famosa que faleceu recentemente", diz Couto, referindo-se à vocalista da banda Calcinha Preta, Paulinha Abelha, morta em fevereiro deste ano, aos 43 anos, em decorrência de hipertensão craniana, insuficiência renal aguda, hepatite e meningoencefalite. Uma das suspeitas é que o uso excessivo de chás e medicamentos para emagrecer tenha sido uma das causas do óbito. Parentes e amigos confirmaram que ela fazia uso desses produtos.

Além do fígado e dos rins, outros órgãos podem ser severamente prejudicados pelo uso indiscriminado e contínuo de chás, ervas e fitoterápicos emagrecedores. Em longo prazo, a ingestão de determinadas substâncias aumentaria também as chances de ocorrência de alguns tipos de cânceres - a exemplo dos de bexiga, orofaringe e laringe -, conforme sugerido por estudos da área. "Os chás são 'sujos' do ponto de vista químico. Muitas vezes, não sabemos exatamente o que estamos tomando, pois junto a um composto benéfico pode haver outro que é maléfico", explica o oncologista gastrointestinal do Grupo Oncoclínicas Alexandre Jácome. "Diferentemente de uma droga que se compra na farmácia, nos produtos naturais não há reprodutibilidade de doses." Na avaliação do especialista, embora as pessoas se sintam mais seguras ao consumirem produtos naturais, na dúvida, é melhor evitá-los. "Isso não quer dizer que não devemos saborear os chás. Mas, para tratamento médico, como elemento terapêutico, é necessário que se tenha bastante cuidado com eles porque ainda há muitas incertezas."

Alexandre Jácome, oncologista gastrointestinal do Grupo Oncoclínicas:
Alexandre Jácome, oncologista gastrointestinal do Grupo Oncoclínicas: "Os chás são 'sujos' do ponto de vista químico. Muitas vezes, não sabemos exatamente o que estamos tomando, pois junto a um composto benéfico pode haver outro que é maléfico" (foto: Arquivo pessoal)
Na literatura médica, a indicação real de emagrecimento é voltada para os pacientes com obesidade confirmada (cujo índice de massa corporal é superior a 30 kg/m²), sobretudo quando ela está associada a enfermidades como diabetes, hipertensão arterial, doenças osteomusculares e lipidemias. Entretanto, os efeitos psicológicos que o sobrepeso provoca nas pessoas também precisam ser levados em consideração, de acordo com o endocrinologista do Hospital Vila da Serra Frederico Rodrigues Anselmo. Em todos os casos, o primeiro passo é compreender que mudar hábitos alimentares e praticar atividades físicas é fundamental. "Existe apenas um meio de se perder peso de maneira saudável: ingerir diariamente uma quantidade de calorias inferior à que gastamos. Não existe fórmula mágica para o emagrecimento", afirma o médico.

Anselmo rechaça as dietas mirabolantes e as dicas de influenciadoras digitais, e também reforça a importância de se tomar cuidado com as propagandas enganosas de produtos milagrosos. "Devemos ter em mente que qualquer substância química, seja ela industrializada, seja natural, possui um potencial tóxico. Em relação aos chás e fitoterápicos, uma meta-análise publicada recentemente, em janeiro de 2020, na revista Diabetes, Obesity and Metabolism mostrou que eles não possuem a capacidade de promover a perda de peso", diz o endocrinologista. "Como toda substância química, no entanto, eles podem levar a quadros graves de intoxicação e até mesmo à morte.

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