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Estado de Minas GASTRONOMIA

Jiló ganha destaque nos cardápios de bons restaurantes de BH

Ingrediente amargo e incompreendido, que durante muito tempo foi considerado comida de passarinho, agora ganha relevância na alta gastronomia


postado em 25/05/2022 09:35 / atualizado em 26/05/2022 17:06

Flávio Trombino, chef do Xapuri, diz que o jiló já foi malvisto, mas isso ficou no passado:
Flávio Trombino, chef do Xapuri, diz que o jiló já foi malvisto, mas isso ficou no passado: "Desde que a gastronomia ganhou espaço na mídia, com os realities, houve uma grande valorização das culinárias regionais. Assim, as pessoas acabaram se abrindo para experimentar, conhecer sabores até então discriminados" (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Ele é dono de uma personalidade forte. Não é todo mundo que se dá bem com o fruto logo de cara. Amargo, é do tipo ame-o ou odeie-o. Durante muito tempo, muita gente torceu o nariz - e há quem ainda torça. Mas essa situação está mudando. Estamos falando de sua excelência, o jiló. "Minha vida não é das mais fáceis, mas sigo lutando", dizia uma das frases estampadas no banner de divulgação do bolinho de arroz com jiló do Bar Estabelecimento, no Serra. Bolinho esse que conquistou o Brasil. Graças a ida do proprietário, Olívio Cardoso, ao programa da Ana Maria Braga, em 2012. "O negócio estourou de um jeito! Até hoje tem gente que vem de outras cidades para comer o nosso bolinho", diz o chef. Fez tanto, tanto sucesso, que virou até marchinha de carnaval. "Estabeleça/ Pegue o trenzinho/ Mão na cabeça/ E vem pular nesse bloquinho/ Vamos comer o bolinho do Livinho", cantavam os foliões pelas ruas de BH, no ano seguinte a sua aparição na Rede Globo. Na receita, além do bendito jiló, são usados espinafre, orégano e queijo da Canastra. Inaugurado há 18 anos, o bar - que tem cara de quintal de casa - tem outras delícias no cardápio como a carne de panela e o costelão de boi com mandioca cozida e salada. "Mas sempre brinco que pode faltar de tudo, menos o bolinho de jiló", diz Olivio.

André Paganini, do Chico Dedê, já usou o jiló em diversas receitas e atualmente serve o fruto na farofa inspirada na receita de sua mãe e caramelizado na burrata com pomodoro de tomate Sweet:
André Paganini, do Chico Dedê, já usou o jiló em diversas receitas e atualmente serve o fruto na farofa inspirada na receita de sua mãe e caramelizado na burrata com pomodoro de tomate Sweet: "Eu sou apaixonado desde sempre" (foto: Paulo Colen/Divulgação)
Bem antes do "bolinho do Livinho" cair na boca do povo, o jiló já era uma das maiores estrelas do Mercado Central. Em dupla com o fígado acebolado, o tira-gosto é um dos mais famosos da capital mineira. E não é uma receita exclusiva de um só estabelecimento. Vários bares oferecem o prato, alguns até variam um pouco as carnes, como é o caso do Fortaleza, que tem porções de pernil, contra-filé e chouriço com jiló. Esse símbolo máximo na culinária boêmia belo-horizontina surgiu na década de 1960, quando os entregadores chegavam famintos para trabalhar e juntavam dois dos ingredientes mais acessíveis encontrados nas barracas: jiló e miúdos. "Lembro de ir ao Mercado Central com meu pai quando tinha uns 6, 7 anos para comer fígado com jiló", diz Flávio Trombino, chef do Xapuri, referência de comida mineira no Brasil. Hoje, no seu restaurante o fruto aparece feito na chapa com ou sem queijo e ainda, numa farofa com carne-seca. "Ele já foi malvisto no passado. Mas desde que a gastronomia ganhou espaço na mídia, com os realities, houve uma grande valorização das culinárias regionais. Assim, as pessoas acabaram se abrindo para experimentar, conhecer sabores até então discriminados", completa Flávio.

Dia desses, a chef Mariana Gontijo anunciou nas redes do O Roça Grande que tinha farofa surpresa. Todo mundo comeu e adorou:
Dia desses, a chef Mariana Gontijo anunciou nas redes do O Roça Grande que tinha farofa surpresa. Todo mundo comeu e adorou: "Se eu tivesse colocado que era de jiló, tenho certeza de que muitos nem teriam experimentado" (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Outro que carrega lembranças do Mercado Central é André Paganini, do Chico Dedê. "Lembro de caminhar pelos corredores e querer descobrir que cheiro era aquele fazia tanta gente feliz se aglomerar pelos corredores daquele labirinto que é o Mercado", diz. Foi quando descobriu que o verde que aparecia entre as carnes preparadas na chapa era o tal jiló, odiado por uns e amados por outros. "Eu sou apaixonado desde sempre. A minha relação sempre foi de amor. E começou dentro de casa, com a melhor farofa de jiló do mundo preparada pela minha mãe." Ali, na mesa dos Paganini, aquele prato era muito mais que um mero acompanhamento. "A gente comia de colherada!", ri. Desde que fundou seu restaurante, há quatro anos, André já usou o jiló em diversas receitas, como o risoto de porco com jiló caramelizado. Atualmente, no entanto, no cardápio aparecem na forma da famosa farofa da dona Bernadete - "obviamente feita sem a mesma maestria da minha mãe" - e também a burrata com pomodoro de tomate Sweet e jiló caramelizado.

O bolinho de jiló do Estabelecimento, na Serra, fez sucesso quando o chef Olívio Cardoso preparou o prato no programa da Ana Maria Braga, na Rede Globo, em 2012:
O bolinho de jiló do Estabelecimento, na Serra, fez sucesso quando o chef Olívio Cardoso preparou o prato no programa da Ana Maria Braga, na Rede Globo, em 2012: " Até hoje tem gente que vem de outras cidades para comer" (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Se o jiló já é um velho conhecido no universo dos botecos, ele vem conquistando cada vez mais espaço em alguns restaurantes comandados por grandes nomes da capital. No menu degustação do Pacato, do chef Caio Soter, dos nove tempos, um é todo dedicado ao jiló.  "Acho que ainda é um resquício dos meus tempos de Direito tentar corrigir as injustiças. É o jiló, coitado, foi injustiçado pelo paladar do brasileiro", diz o chef. "O nosso paladar está mais para o adocicado do que para o amargo e, talvez por isso, o jiló tenha sido considerado um dos piores ingredientes da nossa culinária", explica. Para acabar com esse preconceito, o chef faz uma mágica em sua cozinha. O fruto é levado direto ao fogo e depois abafado, o que ajuda a manter a textura e ainda ganha um leve defumado. Em seguida, ele é envolto em um molho de mostarda em grãos, mel fermentado, limão capeta e conserva de pimenta. Para completar, é recheado com compota de jabuticaba e servido com uma musseline de fígado de galinha. A picância do molho e o dulçor do mel acabam trazendo um equilíbrio para o amargor. "Na nossa versão, queríamos que o fruto merecesse estar no auge, como protagonista mesmo", conclui Caio.

Juliana Duarte, do Cozinha Santo Antônio, é contra mascarar o amargo do fruto, mas também acredita que deixar de molho no leite por um tempinho deixa o gosto mais agradável:
Juliana Duarte, do Cozinha Santo Antônio, é contra mascarar o amargo do fruto, mas também acredita que deixar de molho no leite por um tempinho deixa o gosto mais agradável: "Eu mesma tinha muito estranhamento com o jiló, lembro que na minha casa era comida de passarinho!" (foto: Vânia Cardoso/Divulgação)
É exatamente com esse preconceito que a chef Mariana Gontijo quer acabar. Ela tem uns truques para convencer a turma a experimentar o jiló. Dia desses, anunciou nas redes do O Roça Grande que tinha farofa surpresa. Todo mundo comeu e adorou. "Se eu tivesse colocado que era de jiló, tenho certeza de que muitos nem teriam experimentado. Não é porque você teve uma experiência ruim que isso precisa definir a sua relação com um ingrediente", diz. E a chef faz questão de ressaltar a importância dos cozinheiros também como um educador do paladar. "Cabe a gente encontrar formas de apresentar esse ingrediente de um jeito diferente", completa. No seu restaurante, que trabalha com cardápios semanais, o jiló aparece sempre que o pé fica carregadinho no sítio da família, em Moeda. Às vezes ele vem na tal farofa surpresa, outras em um vinagrete e até mesmo em forma de conserva. Mariana defende que o amargor do fruto não deve desaparecer completamente, afinal quando uma característica daquele alimento é descaracterizada, perde o sentido, transforma-se em outra coisa. Mas é válido dar uma amenizada para que seja mais aceito aos mais diversos paladares. Mariana aprendeu um truque com a avó: picar o jiló em água com sal.

No menu degustação do Pacato, do chef Caio Soter, o jiló tem lugar de destaque:
No menu degustação do Pacato, do chef Caio Soter, o jiló tem lugar de destaque: "Acho que ainda é um resquício dos meus tempos de Direito tentar corrigir as injustiças. É o jiló, coitado, foi injustiçado pelo paladar do brasileiro" (foto: Brejo/Divulgação)
Juliana Duarte, da Cozinha Santo Antônio, é outra que é contra mascarar o amargo do fruto, mas também acredita que deixar de molho no leite por um tempinho ajuda a agradar mais pessoas. Ela mesma já teve suas diferenças com o ingrediente. "Eu tinha muito estranhamento com o jiló, lembro que na minha casa era comida de passarinho!", diz. A relação começou a melhorar quando Juliana viu no livro O Cozinheiro Imperial uma tabela de equivalência entre ingredientes europeus e brasileiros. "E o jiló era apresentado como um substituto da berinjela! Isso me chamou a atenção", diz. Até que um dia, uma cozinheira apresentou para a chef uma versão do fruto empanado. Pronto! "Adorei e ele foi parar no cardápio. Hoje, é um sucesso", explica.

E se um dia ele já foi considerado apenas comida de passarinho, hoje o jiló está tirando onda como a bola da vez na cozinha. E, aproveitando essa viagem pelo tempo, é hora de lembrar um velho ditado, lá dos tempos de nossos avós: "Não existe ingrediente ruim e sim comida malfeita".

Jiló é fruto e não legume

Apesar de muita gente fazer confusão, o jiló é fruto e não legume. O jiloeiro é uma planta pertencente à família Solanaceae e ao gênero Solanum. Esse gênero possui cerca de 3.000 espécies e destaca-se pelo grande número de vegetais utilizados na alimentação, como é o caso do tomate e da berinjela. Originário da África, chegou ao Brasil no século XVII, pelas mãos de povos escravizados. Hoje, é amplamente cultivado no Brasil, principalmente no Sudeste.

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