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Estado de Minas SAÚDE

Roncar não é normal, alerta especialista em distúrbios do sono

Fisioterapeuta Flávia Baggio Nerbass fala sobre a importância do tratamento da apneia do sono, problema que atinge um terço da população


postado em 23/05/2022 10:55 / atualizado em 23/05/2022 11:00

"Além de sintomas como o cansaço, sonolência ao longo do dia, instabilidade, baixa produtividade, o isolamento social de quem ronca, a questão está relacionada com a morte súbita" (foto: Paulo Márcio/Encontro)
Não é segredo que um dos pilares que sustentam a boa saúde é o sono. Dormir é fundamental para descansar, recarregar as energias, preservar a memória, o bom funcionamento dos órgãos, a criatividade e o bom humor. Um dos fatores ainda pouco tratados, mas que compromete de forma perigosa a qualidade do sono é o ronco. Roncar não é engraçado nem deve ser considerado normal, ou algo corriqueiro, que acontece com quase todo mundo. A apneia do sono, ou popularmente o ronco, que ganha muitos apelidos na versão popular, são pausas na respiração, que trazem diversos riscos à saúde. O mais grave deles é a morte súbita.

A apneia compromete a qualidade de vida, e muitas vezes, por não ser tratada de forma adequada, se torna subnotificada, podendo desencadear transtornos físicos, mentais e sociais. Sobre esse tema, que ainda merece receber mais atenção dos sistemas público e privado de saúde, Encontro conversou com a fisioterapeuta do sono Flávia Nerbass, doutora em ciências pelo Laboratório do Sono do Instituto do Coração. Flávia também é coordenadora do Departamento do Sono da Associação Brasileira de Fisioterapia Cardiorrespiratória e Fisioterapia em Terapia Intensiva (Assobrafir) e é fisioterapeuta da Trino (Terapia Respiratória do Sono Pesquisa e Ensino). Desde 2007 dedica sua carreira ao tema, que atinge um terço da população brasileira.

  • Quem é: Flávia Baggio Nerbass, 40 anos

  • Origem: Lages (SC)

  • Carreira: Fisioterapeuta do sono certificada pela ABS e ASSOBRAFIR; doutora em ciências pela USP; especialista em fisioterapia cardiorrespiratória pelo InCor (HCFMUSP); coordenadora do Departamento de Fisioterapia Respiratória nos Distúrbios do Sono Assobrafir e fisioterapeuta da TRINO (Terapia Respiratória do Sono Pesquisa e Ensino)

Revista Encontro - Você estuda o sono desde 2007. O que te levou a se especializar nesse tema?

Flávia Baggio Nerbass - De certa forma eu queria me desvendar. Sempre tive uma necessidade de dormir muito, o que me dava o apelido de preguiçosa. Sempre achei que era normal dormir, mas que precisava de muito tempo para me sentir bem. Então fui para São Paulo fazer uma especialização e enquanto eu estava no CTI, tratando pacientes graves, eu percebi que muitos roncavam e perdiam a oxigenação enquanto dormiam. Foi a partir daí que comecei a estudar o impacto da apineia do sono na saúde.

E como prosseguiu suas descobertas sobre as pessoas sonolentas que te levaram a estudar os roncadores?

Eu percebi que no meu caso pessoal não havia um problema respiratório, mas comportamental. Muitos têm um sono noturno de má qualidade, por aspectos emocionais e mentais. Muita gente dorme mal porque fica preocupado e ansioso, daí tem um sono entrecortado. Depois, vim a entender que existe uma questão genética que define os longos dormidores. Alguns dormem pouco, outros precisam de muito tempo. O diagnóstico só não pode ser confundido com quadros patológicos, como a depressão. Thomas Edison inventou a lâmpada porque achava dormir um desperdício

Apesar da grande invenção, sabemos que dormir bem é importante. O que causa essas pausas na respiração, a apineia, que comprometem o sono?

O funcionamento da parte respiratória faz todo sentido e pode causar vários problemas do sono decorrentes da apineia, condição que atinge um terço da população brasileira. Uma das principais causas é o ganho de peso. Mas os motivos podem ser múltiplos, combinados. Há também características crâniofaciais, o envelhecimento que traz a perda de tônus da musculatura, e também aspectos neurais, do centro respiratório.

Qual a parcela da população está mais propensa ao ronco?

A apineia ocorre mais em homens, por causa do biotipo. Mulheres têm pescoço mais fino, tórax estreito, mais acumulo de gordura no quadril. Já os homens têm pescoço mais largo, tórax volumoso. A partir da menopausa, as mulheres perdem a proteção dos hormônios e daí a prevalência aumenta e se equivale ao homem.

Quais são os riscos da apineia? Por que ela deve ser tratada mesmo se o paciente não se sente incomodado?

A apineia provoca desde sintomas mais leves até riscos muito graves. Roncar não é normal. Além de sintomas como o cansaço, sonolência ao longo do dia, instabilidade, baixa produtividade, o isolamento social de quem ronca, a questão está relacionada com a morte súbita. A maior parte destas mortes ocorre de madrugada, entre meia-noite e 6 horas da manhã, tendo como gatilho a apineia do sono. A condição está associada a infartos, AVC, glaucoma, desenvolvimento de câncer pela falta de oxigenação, Parkinson, Alzheimer. O mais perigoso é que a apneia desencadeia ou piora quadros graves e a gente continua não olhando para ela como deveria.

O que contribui para o ronco, muitas vezes, não ser tratado?

Alguns fatores dificultam o diagnóstico e tratamento. A falta de percepção do paciente e do profissional da saúde é uma das principais causas. Por exemplo, um dos sintomas da apneia do sono é levantar várias vezes durante a noite para ir ao banheiro. Todos pensam que essa é uma condição relacionada a questões como bexiga, próstata, diabetes, quando a apneia faz aumentar a produção de urina durante a noite. Pacientes com múltiplas comorbidades também têm o diagnóstico dificultado. A queixa de dificuldades com a memória é outro sintoma comum. Por isso a família, o paciente e os profissionais da saúde devem estar atentos para a qualidade do sono. É preciso ter a consciência de que roncar não é normal.

Como é feito o diagnóstico da apneia do sono?

O diagnóstico pode ser feito pelo médico do sono, por meio de um exame chamado polissonografia.

E o tratamento?

A partir do diagnóstico existe um tratamento, que pode ser desenvolvido com equipe multidisciplinar do sono. Médico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo, dentistas. O padrão ouro para o tratamento da apneia é o CPAP (Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas), um aparelho efetivo para a grande maioria dos casos. No entanto é preciso que o paciente tenha o acompanhamento do fisioterapeuta para escolher uma máscara adequada, regular a máquina e assim usar o aparelho de forma correta. Caso contrário, como se trata de um compressor de ar, algumas dificuldades podem surgir e comprometer o resultado. Por isso o profissional é tão importante, para ajudar a solucionar essas dificuldades.

E como são os resultados?

Muitas vezes, com o uso adequado do CPAP, o fisioterapeuta consegue perceber que as apneias chegam a cair de 100 para 1. Mas os pacientes são muito heterogêneos e as causas também. Ainda não existe um exame que aponte exatamente todas as causas e por isso é importante o diagnóstico e o tratamento multidisciplinar. Muitas vezes, as cirurgias podem ser necessárias para ajudar a solucionar ou reduzir a apneia.

Esse é um tratamento ainda pouco acessível?

Sim. É preciso que as operadoras de saúde e o poder público se conscientizam da importância de se evitar o agravamento de casos graves de saúde pela apneia. Diárias  em CTI, por um infarto ou AVC desencadeados pela apneia, custam muito mais que o aparelho para tratamento.

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