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Estado de Minas ENTREVISTA

Mineiro que foi ao espaço fala de sua experiência fora da Terra

Primeiro brasileiro civil a ir para o espaço, engenheiro belo-horizontino Victor Hespanha se pergunta: "Será que minha vida será normal de novo um dia?"


postado em 17/07/2022 22:54 / atualizado em 17/07/2022 22:59

(foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
(foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
O engenheiro de produção civil Victor Hespanha esperava fazer um bom investimento quando pagou 4 mil reais por NFTs (sigla para "Token não fungível", em inglês) da Crypto Space Agency. Mas antes de entrarmos nessa história, cabe explicar o que afinal é um NFT. Um bem não fungível é aquele que não pode ser trocado por outro igual, pois é único. Além do investimento, a compra tinha um atrativo a mais. Quem investisse podia concorrer em um sorteio e se tornar o ganhador de uma viagem para o espaço. Mas Victor diz que nem estava muito preocupado com isso e garante que sua intenção era apenas financeira: "Eu calculava que alguém, de fato, iria viajar para o espaço. Logo, meu investimento iria valorizar." Mas, como se soube depois, o negócio acabou indo mais longe. Bem longe. O belo-horizontino foi sorteado com uma viagem para fora do planeta Terra, em uma aventura que o transformou.

A curiosidade de Victor pelo mundo da tecnologia e do desenvolvimento fez com que ele começasse a procurar mais sobre o universo de criptomoedas, metaverso e, claro, NFTs. O jovem de 28 anos tinha se formado e casado logo em seguida. Com tantos gastos seguidos e sem muitas reservas, ele começou a investir com o apoio da mulher, Marcela. Encontrou nessas novas tecnologias o que considera o "futuro" e decidiu apostar nesse caminho. "Aos poucos, eu fui estudando e entendendo essa evolução, principalmente nesse mercado de criptomoedas. Aprendi que alguns países estavam aderindo às criptos, justamente, por enfraquecimento da moeda local", afirma. Para Victor, o fato de não pensar na possibilidade de ser o ganhador do sorteio, é cultural. Ele acredita que o brasileiro não é ensinado a sonhar tão alto.

Victor é o segundo brasileiro a ganhar o espaço. O primeiro foi o astronauta Marcos Pontes. O engenheiro, no entanto - um dos seis tripulantes da missão NS-21, da Blue Origin, empresa do bilionário americano Jeff Bezos -, é o primeiro civil brasileiro a ver o planeta do alto. A viagem durou pouco mais de 10 minutos, mas a nave chegou à velocidade incrível de 3,2 mil km/h e a uma altitude de 100 quilômetros. Com o tempo, a sensação do aumento da pressão no peito é imensa, como se alguém insistisse em empurrar os viajantes para baixo. Pelo menos é o que relata Victor. Depois de atravessar a atmosfera, os tripulantes chegaram ao silêncio. Lugar onde Victor viu como o planeta azul é pequeno e redondo, o que, como ele conta nesta entrevista, mudou a forma que vê a vida.

  • Quem é: Victor Correa Hespanha, 28 anos
  • Origem: Belo Horizonte (MG)
  • Graduação: Engenheiro de produção civil

Como foi o dia do sorteio?

Eles abriram a venda na segunda-feira e no sábado seguinte foi o sorteio. Então foi menos de seis dias de expectativas. Eu acho que o marketing da CSA foi extremamente inteligente nesse sentido, porque a ideia era justamente mostrar que eles conseguiriam levar alguém para o espaço. Hoje, a empresa é mundialmente conhecida por ter levado alguém para o espaço. Eu fui o primeiro criptonauta da história. Como foi um curto espaço de tempo, concorri com relativamente poucas pessoas. Eram 160 pessoas. Estatisticamente, a chance era muito alta, muito maior que ganhar na Mega-sena. No dia, eu acompanhei pelo Twitter com bastante entusiasmo. Sabia que minha vida mudaria caso eu fosse sorteado. E isso realmente aconteceu. Eu fiquei feliz, sem entender num primeiro momento, mas muito grato a Deus.

(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)
Como você se sentiu quando soube que o voo não ocorreria na data estipulada inicialmente e precisaria ser remarcado?

Foi percebido um problema de redundância dos motores. Então, eu voltei para o Brasil. Fiquei aqui 10 dias. Não foi um banho de água fria pela forma que foi comunicado. Quando falamos desses assuntos de lançamento, os adiamentos são uma coisa muito mais recorrente do que imaginamos. De fato, é algo muito delicado. Então, a viagem precisa ser bem segura. Eles trabalham com eficácia de 100% ou mais. Quebrou uma programação, mas por um lado foi positivo porque tinha sido tudo tão rápido que minha vida bagunçou. Então, eu tive 10 dias para dar uma abaixada na poeira.

Você passou por um treinamento. Como é esse processo para uma pessoa que vai "passear" no espaço?

Achei legal essa palavra que você usou, porque existe uma separação entre as missões da Nasa e viagens espaciais. Geralmente, as viagens da Nasa são viagens científicas. Então, você tem de fato pilotos e engenheiros preparados para realizar missões. No meu caso, você se sente como um astronauta, mas você não trabalha como um cientista. No primeiro dia foi mais repetitivo internalizar os processos. No segundo dia, como lidar com possíveis emergências. Foi o dia de entender que existem várias válvulas de escape do processo.

"Eu sou normal, me considero uma pessoa que está representando o sonho das outras. Acho que as pessoas gostam de ver pessoas normais. Parece que elas se sentem no mesmo lugar"

Victor Hespanha

Como sua família se sentiu?

A Marcela, minha esposa, estava muito tranquila, porque eles confortaram muito ela lá. Ela viu esse cenário de segurança. Os meus pais não passaram por isso. Então, eles estavam naturalmente mais nervosos. Agora, eles estão felizes demais. O meu avô também me ligou. Ele teve um procedimento cirúrgico e está todo sensível. Ele me ligou e falou: "Você foi a pessoa que mais orgulhou a minha família até hoje".

Qual a sensação de sair do planeta?

A trajetória foi muito rápida, mas foi muito intensa. Desde a contagem regressiva, a gente estava vibrando, gritando a contagem regressiva juntos. O foguete sobe um pouco mais lento do que eu imaginei porque está muito pesado, mas aos poucos o tanque vai esvaziando e começa a ganhar velocidade. Quando passa de mil quilômetros por hora é uma sensação totalmente diferente, porque a força G vai pressionando e aumentando. De repente, desliga o motor, aí dá o silêncio. Quando apaga o alerta do cinto de segurança foi a sensação que eu nunca tinha tido. É como se tivesse saindo do corpo. Eu saí da atmosfera e vi que ela é uma camadinha fininha como uma casca de ovo, deu um pânico.

O que mais te chamou a atenção?

O planeta é muito pequeno. Outra coisa que me chamou muita atenção também foi o tanto que a Terra reflete a luz do sol. A Terra proporcionalmente é muito maior que a lua, e ainda tem água, o que ajuda a refletir ainda mais. Você não tem noção o tanto que é claro de baixo para cima.

Você iria de novo?

Com certeza. Duas, três, quatro, cinco, 10, 20 vezes. Eu estou doido para ir de novo, a real é essa. Eu não vou limitar de novo minha vida. Eu lembro que quando eu era criança, uma vez, jogando bola na rua com os amigos, deu um clarão no sol no céu. E pensei "será que um foguete?". Mas, na hora caiu a ficha de que no Brasil não existe foguete. A gente é doutrinado a não pensar nisso.

Você se considera uma celebridade?

Não. Tenho 30 mil seguidores no Instagram. Eu sou normal, me considero uma pessoa que está representando o sonho das outras. Acho que as pessoas gostam de ver pessoas normais. Parece que elas se sentem no mesmo lugar.

(foto: Instagram/Reprodução)
(foto: Instagram/Reprodução)
Tem sido muito assediado?

Tem sido diferente. Meu Instagram antes era fechado. Pensei demais porque eu tinha duas opções. Eu tenho a autonomia de não não querer aparecer. Tem essa opção, tanto na rede social quanto para a imprensa. Mas quando pensei que muitas pessoas se identificam com um sonho, seria muito egoísta se eu não compartilhasse o máximo de coisas possíveis. Para mim, é estranho ficar falando com a imprensa, porque nunca tinha vivido isso. Mas, ao mesmo tempo, está sendo uma alegria conhecer várias pessoas legais, como eu tenho conhecido. Tem sido estranho também. E tem o tal do hater, ainda mais quando fala de terraplanista, meu Deus do céu!

Você tem haters nas redes sociais?

Os terraplanistas, meu Deus. Se você levá-los lá em cima, nem assim vão acreditar que a Terra é redonda. Lidar com isso é estranho. Tem muita gente falando que é mentira, que é computação gráfica, como se eu fosse um farsante. Eu fiquei meio chateado por um tempo, mas eu acho que não vale a pena ficar exaltando essa galera, porque eles são uma minoria barulhenta.

"Se você levar os terraplanistas lá em cima, nem assim vão acreditar que a Terra é redonda. Lidar com isso é estranho. Tem muita gente falando que é mentira, que é computação gráfica, como se eu fosse um farsante"

Victor Hespanha

O que as pessoas mais te perguntam?

Qual é a sensação, mas é muito difícil de explicar. O que eu tento trazer ao máximo, e quero desenvolver isso mais, inclusive, é tentar trazer as pessoas para o contexto. Isso é o mais difícil. Tem muita gente que quer saber detalhes, por exemplo, como é lá fisicamente, como é um foguete. Eu nunca tinha visto um foguete também. Então a gente se cercava por curiosidades. Mas não sei falar muito sobre meu sentimento. Eu fiquei emocionado. Mas, isso é relativo. O que é emocionado? Para mim é uma coisa, para você é outra. Eu tento externalizar que foi a melhor sensação que tive na minha vida. Não teve nada que chegasse perto do que eu fiz.

Qual a sua perspectiva para o futuro?

Estou tentando me conectar com mais pessoas e não tomar decisões precipitadas. Eu quero compartilhar a experiência, dar algumas palestras. Outra coisa que queima no meu coração é a vontade de desenvolver coisas relevantes. Como? Não faço ideia, mas é por isso que acho que é importante conhecer os caminhos e conhecer as pessoas.

Tem como viver normalmente depois de sair do planeta?

Até agora eu não vivi normalmente. É uma pergunta que eu estou me fazendo, sinceramente, todos os dias. Será que minha vida será normal de novo um dia? Provavelmente não, porque a experiência que eu tive nunca vai sair da minha memória.

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