Estado de Minas SAÚDE

As consequências do sedentarismo e os riscos de trabalhar sentado

Médico Daniel Knupp comenta sobre esses e outros assuntos relacionados à falta de movimentação do corpo


postado em 05/06/2023 00:18

(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)
Os malefícios do sedentarismo são conhecidos há muito tempo pela comunidade científica. Também tem sido cada vez mais ampla a comunicação para o público geral sobre a importância de praticar atividade física. Contudo, de alguns anos para cá, especialmente desde o início da pandemia (e consequente ampliação do home office), um tema mais específico tem sido levantado com frequência na rede: os malefícios de se ficar muito tempo sentado, como no caso de quem trabalha várias horas seguidas no computador. Os alertas têm sido no sentido de que os malefícios desse hábito não são compensados pela prática diária de atividade física, ou seja, por mais que se exercite, o simples fato de ficar muitas horas sentado traria consequências negativas.

Segundo o médico mineiro Daniel Knupp, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e mestre em epidemiologia pela FioCruz, essa hipótese existe e tem sido estudada, mas, no momento, ainda carece de evidências científicas mais robustas. De toda forma, ele afirma que é possível incluir alguns hábitos no dia a dia para evitar ficar tanto tempo sem se mover. Além disso, lembra que segue sendo primordial, independentemente da ocupação ou idade da pessoa, separar um tempo para a atividade física (o recomendado para adultos são no mínimo 150 minutos de exercícios moderados por semana ou 75 minutos de atividade intensa). Confira a entrevista:

1) Por que essa pauta do sedentarismo, especialmente relacionado aos trabalhos no computador, tem circulado tanto recentemente?

O sedentarismo é um problema de longa data. Há bastante evidência do impacto negativo que ele tem. O que surgiu mais recentemente foi essa questão - e acredito que a pandemia tenha despertado um olhar para isso, devido ao trabalho em casa - de que talvez a imobilidade ou o trabalho sentado seja fator de risco para as condições relacionadas ao sedentarismo, independentemente da atividade física. A literatura traz dúvidas. Há uma revisão sistemática de 2010 que avaliou ocupações associadas a ficar mais tempo sentado, analisando se são um fator de risco à saúde. Os responsáveis concluíram que as evidências eram limitadas para apoiar essa hipótese. Então há alguns estudos que apontam isso, e algumas revisões contestam.

2) Qual seria o motivo para isso ser fator de risco para a saúde?

Essa hipótese tem plausibilidade. O corpo ficar sem se movimentar pode trazer riscos. A trombose venosa, por exemplo, está associada à imobilidade prolongada. Há muito tempo há orientações para as pessoas se levantarem da poltrona do avião em voos longos. Em períodos pós-operatórios em que a pessoa deve ficar acamada, ela precisa de medidas profiláticas para evitar trombose. Mas extrapolar esse aspecto para a saúde em geral, isso me parece que ainda carece de robustez de evidências.

3) Em que aspectos a comparação entre sedentarismo e tabagismo faz sentido?

É um hábito que cria raízes na sociedade e se torna algo difícil de largar, por ser muito intrínseco às rotinas. Além disso, se pensarmos em 50 anos atrás, ninguém compreendia o quão grave era o malefício do cigarro, tanto que campanhas públicas contra o tabagismo foram surgir de 30 anos para cá. Há 50 anos, talvez já se soubesse no meio científico, mas, para a população geral, o malefício era pouco conhecido. Acho que o sedentarismo se assemelha nesse aspecto. As pessoas não têm a exata dimensão do quão ruim pode ser para a nossa saúde. Por outro lado, a vantagem é que o conhecimento circula mais rapidamente hoje, então, não vamos levar tanto tempo para que se implementem campanhas de saúde pública combatendo o sedentarismo.

4) Quando a pessoa trabalha sentada por muitas horas, quais são hábitos que pode adotar para incluir mais movimento em sua rotina?

Fazer pausas para se movimentar é o básico. Outras estratégias são trabalhar em pé, trabalhar caminhando na esteira, sentar na bola de pilates, que exige equilíbrio do tronco. Há outras ideias, como manter a garrafinha de água um pouco longe da estação de trabalho, não comer na estação de trabalho, etc.

"Uma estratégia é gamificar, usando dispositivos eletrônicos, smartphones que têm esses rastreadores de atividades, que dão pontos se você atingiu o número mínimo de passos por dia, por exemplo"

Daniel Knupp, médico de família e de comunidade

5) E no caso de pessoas que trabalham nos escritórios das empresas?

Há políticas ocupacionais que podem ser adotadas, porque, é verdade, essa também é uma realidade dentro de empresas. Essas políticas incluem ginástica laboral e intervalos regulares. Mesmo o espaço de trabalho pode ser otimizado para evitar uma imobilidade prolongada.

6) A tendência do corpo é o repouso. Hoje, com tantas facilidades, como ter a atitude consciente de incluir movimento na rotina?

A gente é, por natureza, preguiçoso, porque o corpo não é feito para gastar energia. Do ponto de vista da evolução, a gente tem que poupar energia, pois não se sabe quando vai ter acesso de novo a alimentos. A sociedade se desenvolveu de forma a termos muito acesso a calorias, mas o cérebro ainda funciona dessa forma. Quanto a como se estimular a se movimentar, acho que vai de cada pessoa. Uma estratégia é gamificar, usando dispositivos eletrônicos, smartphones que têm esses rastreadores de atividades, que dão pontos se você atingiu o número mínimo de passos por dia, por exemplo. Para outras pessoas, talvez uma conscientização mais normativa funcione melhor, um alerta de que ficar sedentário faz mal, cartazes no ambiente de trabalho, ou seja, ser confrontado com a consequência do sedentarismo.

7) E quanto ao espaço público, de que forma sua organização pode ajudar?

Atualmente, não temos tantas vias públicas com ciclovias seguras, por exemplo. Não é comum haver bicicletários, vestiários no local de trabalho para a pessoa tomar um banho e se trocar, se quiser ir pedalando. A organização do nosso espaço não contribui para uma vida mais ativa.

8) E o que funciona para se conseguir adotar novos hábitos?

Se a pessoa vê sentido no que está fazendo e tem uma meta clara, isso ajuda. Também tende a ajudar colocar isso em coletividade, algo que os apps fazem bem. A meta é minha, mas todos da família estão juntos em um objetivo parecido, ou há um grupo de amigos empenhados nesse esforço.

9) Mesmo que a pessoa não seja muito ativa no resto do dia, a prática de atividade segue tendo impacto positivo?

Sim. Fazer menos do que 150 minutos de atividade física por semana é ruim, disso não há dúvida. A prática de exercícios tem impactos positivos na redução de doenças cardiovasculares, neoplasias (câncer de intestino, de estômago, de próstata, de mama...), em dores crônicas, na saúde mental. Para todas essas, o sedentarismo é fator de risco importante.

10) Em qualquer etapa da vida, vale iniciar a prática de atividades físicas?

Sempre que se fala de condições crônicas, estamos falando do futuro. Então é interessante pensar na prática de atividades físicas como uma poupança. O que você acumula de atividade física é o que vai te trazer qualidade de vida e autonomia na terceira idade. Mas mesmo para pessoas que já tenham idade avançada, isso se aplica. Quem começa a fazer exercícios mais para frente também colhe benefícios. Fazer a vida toda é melhor, mas sempre faz diferença, ainda que se comece aos 60. Se você começa nessa idade, ganha qualidade de vida em comparação com quem não começou.

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