Estado de Minas SAÚDE

Os benefícios da cirurgia robótica no combate ao câncer de próstata

Coordenador nacional de uro-oncologia do grupo mineiro Oncoclínicas, o médico André Berger fala sobre como a técnica tem ajudado a espantar antigos fantasmas


postado em 16/11/2023 00:43 / atualizado em 16/11/2023 00:47

(foto: Arquivo Pessoal)
(foto: Arquivo Pessoal)
A primeira cirurgia robótica realizada no Brasil foi em 2008. Quinze anos depois, muita coisa mudou - e para melhor. A tecnologia minimamente invasiva cresceu gradativamente, se expandindo para várias especialidades, trazendo mais precisão aos procedimentos, menores incisões e mais rapidez na recuperação dos pacientes. Pioneiro no mercado, o modelo robótico Da Vinci já está em sua quarta geração e segue sendo o mais utilizado no país em procedimentos complexos como cirurgias oncológicas. Operante em mais de 80 hospitais, o sistema já ultrapassa a casa de 120 mil cirurgias robóticas realizadas.

Apesar dos benefícios, a prática necessitava de normatização ética, principalmente em relação à capacitação dos especialistas, que atualmente é oferecida por empresas detentoras dos robôs ou feita em outros países, como os Estados Unidos.  Recentemente, a  Resolução do CFM nº 2.311/2022 estabeleceu regras para a capacitação dos profissionais e critérios para a realização das cirurgias. Os procedimentos deverão ser realizados em hospitais que tenham Serviços Especializados de Cirurgia Robótica e atender a todas as normas de segurança previstas pela Anvisa e pelo CFM. A chegada de novos fabricantes ao mercado também trouxe novas perspectivas. A expectativa é de que os altos custos sejam reduzidos e as cirurgias robóticas possam beneficiar uma maior parte da população.  Para os especialistas, são duas as frentes de investimentos necessários: a de tecnologia e a da equipe responsável pelo cuidado do paciente. A modernização dos processos não pode deixar perder o atendimento humanizado.

Outro ponto discutido trata da importância da independência tecnológica do Brasil, para que a técnica seja acessível a todos. "Existem dezenas de sistemas robóticos sendo utilizados em diversos tipos de procedimentos. No entanto, na medicina, é mais disseminado como cirurgia robótica o uso de plataformas em que se faz cirurgias intratorácicas, intra-abdominais e transoral", afirma André Berger, coordenador nacional de uro-oncologia do Grupo Oncoclínicas. A cirurgia robótica mais realizada, afirma o médico, é a de câncer de próstata, o que se explica pelo fato de ser a doença mais comum em homens a partir dos 55 anos.  "Pela prevalência e pelos benefícios que a cirurgia robótica proporciona nestes casos, é o procedimento mais comum no mundo."

  • Quem é: André Berger, 45 anos

  • Origem: Porto Alegre (RS)

  • Carreira: Formado em Medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2001. Residência Médica em Cirurgia Geral e em Urologia no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (2002-2007). Professor Adjunto, Departamento de Urologia, University of Southern California (USC) em Los Angeles. Fellowship em cirurgia robótica e laparoscópica urológica na Cleveland Clinic em Ohio e na USC (University of Southern California em Los Angeles). Coordenador nacional de uro-oncologia do Grupo Oncoclínicas.

Encontro - O que é uma cirurgia robótica?

André Berger - De modo geral, uma cirurgia robótica é um procedimento em que todos os movimentos e manobras são conduzidos por cirurgião por meio de um joystick (ou seja, um controle), e executados a partir de um robô. O que torna a técnica minimamente invasiva,  com vantagens tecnológicas que propiciam uma cirurgia precisa e segura. Mas, obviamente, a técnica exige um treinamento adequado dos profissionais. O robô não é autônomo, ele precisa do cirurgião para funcionar.

Quando o procedimento começou a ser utilizado no Brasil?

A primeira cirurgia robótica realizada no Brasil aconteceu em 2008. A tecnologia minimamente invasiva cresceu gradativamente se expandindo para várias especialidades,  trazendo mais precisão aos procedimentos, menores incisões e mais rapidez na recuperação dos pacientes.

Do que se trata a cirurgia torácica robótica?

A cirurgia torácica robótica pode ser empregada em doenças que demandem intervenção cirúrgica convencional. Pacientes que são submetidos ao procedimento se beneficiam de incisões muito menores. Se compararmos o robô com a laparoscopia convencional, nos traz uma visualização muito melhor, em três dimensões, com os instrumentos com uma flexibilidade maior do que a nossa própria mão teria.

A expectativa é de que, futuramente, os altos custos sejam reduzidos e as cirurgias robóticas possam beneficiar uma maior parte da população"

André Berger, coordenador nacional de uro-oncologia do grupo Oncoclínicas

Para quais doenças a cirurgia robótica é indicada?

O sistema robótico pode ser empregado em alguns tumores do aparelho geniturinário (próstata, rim, suprarrenal e bexiga); digestivo (esôfago, estômago, intestino delgado, colorretal, fígado, pâncreas, vesícula biliar e baço); ginecológicos (colo uterino, ovário e endométrio); de cabeça e pescoço (tumores de base de língua, tireoide) e pulmonar.

Quais as vantagens do procedimento para os pacientes?

A cirurgia oncológica minimamente invasiva foi um importante avanço no tratamento e na cura de diversos tipos de câncer ao permitir um acesso mais preciso às lesões tumorais em áreas mais profundas. Entre os benefícios estão a diminuição de perda de sangue; menor tempo de internação; incisões e cicatrizes menores; redução da dor e do uso de medicação prolongada; recuperação mais rápida; menor risco de infecção e menor chance de complicações pós-operatórias.

Quais as vantagens do procedimento para os médicos?

A cirurgia robótica oferece imagem em alta definição e tridimensional (3D), que magnifica os tecidos em até 15 vezes o tamanho original. Os instrumentos são mais delicados e flexíveis que o próprio punho e com isso é possível fazer movimentos mais exatos e chegar a regiões de difícil acesso. Além disso, os movimentos são "filtrados" pelo equipamento, evitando a interferência dos tremores das mãos do cirurgião, por exemplo.

Qual a cirurgia robótica mais realizada?

A cirurgia robótica mais realizada no mundo é a de câncer de próstata, pela prevalência e pelos benefícios que a técnica proporciona nestes casos. Isso  porque é a doença mais comum em homens, em geral a partir dos 55 anos. No Brasil, a cada ano, 70 mil homens são diagnosticados com o câncer de próstata, o que acaba gerando vários fantasmas sobre a busca por um profissional. Anatomicamente, a próstata, está em uma posição de difícil acesso e em volta dela existem estruturas responsáveis tanto pela continência (controle urinário), quanto pelas ereções. Muitas vezes, o medo de ter alguma dessas funções prejudicadas, desestimula o homem a procurar ajuda.

Quais os benefícios da cirurgia robótica no tratamento de câncer de próstata?

A cirurgia aberta tradicional segue sendo um tratamento oncológico muito bom, em que é possível retirar a próstata sem deixar câncer para trás em mais ou menos 90% dos casos. Contudo, do ponto de vista funcional, nem sempre os resultados são positivos. Em média, 30% a 40% dos homens ficam incontinentes, e 60% a 70% sofrem com disfunção erétil. Fora isso, em 20% dos casos é necessário realizar  transfusão sanguínea e o pós operatório exige longo tempo de recuperação. O nosso objetivo com a cirurgia robótica é  chegar no equilíbrio de retirar o câncer e, ao mesmo tempo, preservar toda essa arquitetura.

O que mudou, efetivamente, após a utilização  da cirurgia robótica no tratamento do câncer de próstata?

Os números mudaram drasticamente. Com cerca de 95% de chances de retirar o câncer de próstata por completo, o índice de incontinência urinária caindo para quase zero e a chance de 80% das ereções voltarem em até 3 meses. Além da recuperação ser bem mais rápida. O tempo de sonda na bexiga que era de média de 14 dias baixou para uma média de uma semana ou, até mesmo, ocorre em menos de 24 horas. A necessidade de transfusão sanguínea é menor do que 2%. O tratamento do câncer de próstata via cirurgia robótica tem quebrado esse paradigma do homem não querer nem fazer os exames para identificar a doença. Felizmente, os desfechos têm sido muito positivos.

Pioneiro, o modelo robótico Da Vinci já está em sua quarta geração e segue sendo o mais utilizado em procedimentos complexos como cirurgias oncológicas. Quais outras fabricantes se destacam no mercado?

O protótipo da cirurgia robótica é o robô Da Vinci, que segue sendo o mais utilizado no mundo. Além dele, no Brasil, temos o robô Versius da CMR Surgical e o Robô Hugo, da Medtronic. Atualmente são cerca de 106 plataformas instaladas no Brasil, e 95% são Da Vinci. Nos Estados Unidos são 3 mil. A chegada de novos fabricantes ao mercado também trouxe novas perspectivas. A expectativa é de que, futuramente, os altos custos sejam reduzidos e as cirurgias robóticas possam beneficiar uma maior parte da população.

Quais treinamentos são necessários?

Trata-se de um procedimento meticuloso que demanda cirurgiões capacitados e habilidosos, que passaram por treinamentos específicos. A certificação da Oncoclínicas muda o paradigma em treinamento de robótica no país, expandindo conhecimento e disponibilizando a melhor tecnologia nas melhores mãos. Em cancerologia, o cuidado integral do paciente é fundamental e deve ser conduzido por equipes multidisciplinares, envolvendo, oncologistas clínicos, radio-oncologistas, geneticistas, além de outros profissionais da saúde. Esse modelo de treinamento de cirurgiões, com certificação, está sendo implementado em diferentes lugares onde o  grupo atua.

A expectativa é de que, futuramente, os altos custos sejam reduzidos e as cirurgias robóticas possam beneficiar uma maior parte da população"

André Berger, coordenador nacional de uro-oncologia do grupo Oncoclínicas

A técnica já é utilizada pelo SUS?

Pelo SUS, quatro instituições no país empregam a técnica, mas ainda realizam poucos procedimentos por mês, devido ao alto custo. São eles, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) no Rio de Janeiro; o Hospital de Câncer de Barretos, no interior paulista; o Hospital de Clínicas de Porto Alegre; e o Hospital Santa Izabel, em Salvador. No entanto, isso facilita o treinamento dos médicos e o acesso dos pacientes. Esse ano será realizado, em Salvador,  o Congresso Brasileiro de Urologia, o terceiro maior do mundo. Na ocasião, teremos um evento dedicado a cirurgia robótica em que pacientes do SUS serão beneficiados por cirurgias realizadas por experts da área. A ideia é mostrar as vantagens da cirurgia para que mais hospitais do Brasil possam utilizar a técnica. Em alguns casos a relação de custo e efetividade mostra que a cirurgia robótica é mais viável, tendo em vista que por praticamente não apresentar complicações, a reinserção desses pacientes no mercado de trabalho ocorre de forma mais rápida.

Quais investimentos o Grupo Oncoclínicas tem feito na área?

O Grupo Oncoclínicas, por meio do Instituto Oncoclínicas, passa a ter um dos maiores programas de cirurgia robótica, com dezenas de cirurgiões de diferentes partes do país formados, sob a chancela do Conselho Regional de Medicina (CRM) e do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), e de 70 a 80 procedimentos realizados mensalmente - 86% deles oncológicos -, marcas conquistadas em apenas dois anos do lançamento do centro de treinamento na Casa de Saúde São José (CSSJ).  É o maior grupo de oncologia do país, com programas robóticos, treinamentos para cirurgiões e equipes multidisciplinares alocados em diferentes cidades do país.

Quais são as cidades de atuação do Grupo Oncoclínicas?

Após implementar programa de cirurgia robótica no Rio de Janeiro, tornando-se o maior em volume cirúrgico (em uma única plataforma) do país com um centro de treinamento e certificação, o Grupo Oncoclínicas tem investido em outras cidades.  Para ampliar o programa da Oncoclínicas, o Hospital Vila da Serra (HVS), em Belo Horizonte, o Hospital UMC, em Uberlândia, e o Hospital Santa Izabel (HSI), em Salvador, vão receber um novo equipamento robótico Da Vinci. Uma de nossas preocupações, inclusive, é a interiorização da técnica, dando acesso a pacientes das cidades do interior. Atualmente, são mais de 2 mil médicos da rede envolvidos no tratamento de pacientes com câncer no Brasil.

Os comentários não representam a opinião da revista e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação