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Estado de Minas PERFIL

Arquiteto mineiro Gustavo Penna comemora 50 anos de carreira

Nome mais conhecido da arquitetura contemporânea do estado, ele se prepara para inaugurar um de seus projetos mais grandiosos, o Memorial Brumadinho


postado em 22/01/2024 01:26 / atualizado em 22/01/2024 01:26

O arquiteto Gustavo Penna, que além de projetar casas, prédios e espaços urbanos já fez tapetes, cadeiras, marcas, capas de discos e exposições:
O arquiteto Gustavo Penna, que além de projetar casas, prédios e espaços urbanos já fez tapetes, cadeiras, marcas, capas de discos e exposições: "Gosto de encrencas" (foto: Uarlen Valério/Encontro)
De trás da mesa de seu escritório em um casarão da avenida Álvares Cabral, na região central de Belo Horizonte, o arquiteto Gustavo Penna, de 73 anos, observa a maquete de uma escada. No primeiro lance, não há corrimão ou guarda-corpo. As laterais são vazadas, o que faz da subida um desafio. No segundo, há paredes nas laterais, garantindo mais segurança a quem continua o percurso rumo ao topo. "É uma metáfora da vida", diz. Ao completar 50 anos de carreira, Gustavo está mesmo envolvido em reflexões sobre a existência. Ele está lançando uma coleção de cinco livros que traça um panorama sobre seus trabalhos (um volume para cada década) e prepara-se para inaugurar o Memorial Brumadinho, um complexo com mais de 1,2 mil metros quadrados de área construída instalado em um terreno de cinco hectares, que homenageia as 272 vítimas fatais do rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão, ocorrido em janeiro de 2019 no município localizado a cerca de 50 quilômetros da capital mineira.

Gustavo é o nome mais conhecido da arquitetura contemporânea mineira. Saíram das pranchetas de seu escritório, o Gustavo Penna Arquitetos & Associados (GPA&A), algumas obras que ajudaram a mudar para melhor a paisagem do estado, como o Novo Mineirão, o Museu de Congonhas, o Museu de Sant’Ana, o edifício anexo à Academia Mineira de Letras, o Expominas, a Escola Guignard, o Parque Ecológico da Pampulha e o Memorial da Imigração Japonesa. Ele se orgulha em lembrar que tem obras erguidas em quatro patrimônios culturais da humanidade: Pampulha, Congonhas, Ouro Preto e Brasília. Na capital federal, foi concluído no final de 2022 o SesiLab, implantando no edifício do Touring Club do Brasil, de Oscar Niemeyer. Localizado no Setor Cultural Sul de Brasília, ao lado da Plataforma Rodoviária do Plano Piloto, o museu interativo mantém as características externas do prédio. Dentro, ganhou um complexo multiuso inspirado no californiano Exploratorium, museu de ciência, tecnologia e artes idealizado há 40 anos pelo físico Frank Oppenheimer. "Em menos de um ano passaram por ali mais de 250 mil visitantes", diz Gustavo. "É como dizem Fernando Brant e Milton Nascimento, 'o artista tem de ir aonde o povo está'."

Gustavo com os filhos Gabriel, Diana e Laura e a mulher, a psicóloga e artista plástica Maria Cristina: casamento prestes a completar meio século(foto: Arquivo pessoal)
Gustavo com os filhos Gabriel, Diana e Laura e a mulher, a psicóloga e artista plástica Maria Cristina: casamento prestes a completar meio século (foto: Arquivo pessoal)
Os 50 anos de carreira que Gustavo comemora este ano correspondem, na verdade, a cinco décadas de formado. Mas ele começou a trabalhar antes de deixar os bancos da Escola de Arquitetura da UFMG, onde depois deu aula por 30 anos. "Eu não era formado e já queria praticar", lembra. "Então fazia pequenas reformas." Como não tinha registro, um de seus tios assinava como responsável técnico dos projetos. "Ele brincava que era meu irresponsável técnico." Quando teve de estagiar, procurou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), para entender o berço da escultura e da arquitetura mineira, que nos seus primórdios sofria menos influência do exterior, por estar distante do litoral. "Tínhamos de trabalhar com as pedras e os materiais daqui, mesmo que com inspiração de Portugal", diz. "Foi assim que surgiram Aleijadinho e tantos outros." Para ele, a pergunta, a curiosidade é o que lhe move. Quando prestou vestibular, passou em engenharia e arquitetura. Um padrinho o questionou: "E aí, o que você escolheu?". Quando Gustavo respondeu "arquitetura", seu padrinho quis saber o porquê. "Essa dúvida me acompanha até hoje. A pergunta nos move. A resposta nos paralisa."

O Memorial Brumadinho, que deve ser inaugurado no primeiro semestre de 2024: complexo com mais de 1,2 mil metros quadrados de área construída instalado em um terreno de cinco hectares, que homenageia as 272 vítimas fatais do rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão, ocorrido em janeiro de 2019(foto: Julia Lanari/Divulgação)
O Memorial Brumadinho, que deve ser inaugurado no primeiro semestre de 2024: complexo com mais de 1,2 mil metros quadrados de área construída instalado em um terreno de cinco hectares, que homenageia as 272 vítimas fatais do rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão, ocorrido em janeiro de 2019 (foto: Julia Lanari/Divulgação)
O casarão da Álvares Cabral onde fica a sede da GPA&A, na esquina da rua Espírito Santo, tem 120 anos. Foi projetado na primeira década da capital mineira pelo arquiteto carioca Edgar Nascentes Coelho, que trabalhou como desenhista na seção de arquitetura da Comissão Construtora da Nova Capital. Quando o bisavô e a bisavó de Gustavo, João Pereira da Silva Continentino e Amanda de Campos Continentino, vieram de Oliveira para BH, em 1906, compraram a casa. Seus avós também viveram nela. "Minha mãe só saiu daqui quando casou", diz Gustavo, que guarda boas memórias da infância e juventude no casarão. Quando estava estudando para o vestibular, ele ganhou uma sala para ajudar a se concentrar, o que acabou se transformando no embrião do escritório.

O SesiLab, implantando no edifício do Touring Club do Brasil, de Oscar Niemeyer, em Brasília: complexo multiuso inspirado no californiano Exploratorium, museu de ciência, tecnologia e artes idealizado há 40 anos pelo físico Frank Oppenheimer(foto: Leonardo Finotti/Divulgação)
O SesiLab, implantando no edifício do Touring Club do Brasil, de Oscar Niemeyer, em Brasília: complexo multiuso inspirado no californiano Exploratorium, museu de ciência, tecnologia e artes idealizado há 40 anos pelo físico Frank Oppenheimer (foto: Leonardo Finotti/Divulgação)
Gustavo é o primeiro arquiteto de sua família. Seu pai, Roberto Penna, era engenheiro e trabalhou na construção do Grande Hotel de Araxá e da primeira residência oficial do presidente Juscelino Kubitscheck em Brasília, o Catetinho, ao lado do arquiteto Oscar Niemeyer. Sua filha Laura seguiu seus passos e cuida da gestão do escritório, que tem sede também em São Paulo. Atualmente, 37 arquitetos trabalham em cerca de 30 projetos por ano – 80% deles, mulheres. "Nosso escritório tem como característica ser generalista, trabalhamos em projetos residenciais, comerciais, de urbanismo… Além de alguns pro-bono, buscando melhoria do espaço urbano", afirma Laura.

Casado há 50 anos com a psicóloga e artista plástica Maria Cristina Resende Penna, Gustavo é pai de Laura, Gabriel e Diana. Tem seis netos. Mora em Lourdes há 25 anos, em um edifício projetado por ele mesmo, mas curte mesmo os momentos em seu sítio em Lagoa Santa. Lá, o conhecido falador diz perder a noção do tempo em silêncio, observando as montanhas e ouvindo chapinhas e pássaros-pretos de quem imita o piado. É bastante crítico das metrópoles, com seus "viadutos horrendos, passarelas horripilantes, túneis tenebrosos". Para ele, os administradores parecem ter raiva da beleza, apesar de a beleza ser fundamental para o processo civilizatório. Ele costuma dizer que o que mais se vê nas cidades são "prédios mudos", que não conversam com o que está em seu entorno. E bastaria considerar algumas coisas da rua em que o novo edifício estará, o bairro e os imóveis vizinhos, que já haveria um diálogo. E se esse diálogo for de beleza, a cidade se torna menos "brutal". "Onde a cidade é gentil, as pessoas são mais felizes", afirma. "Muitas vezes, o arquiteto é visto como um artigo meio que de luxo, mas arquitetura é ferramenta de viver. Quanto melhor a ferramenta, melhor a vida."

A sede do GPA&A, na avenida Álvares Cabral: casarão tem 120 anos e pertenceu ao bisavô de Gustavo Penna, João Pereira da Silva Continentino(foto: Daniel Mansur/Divulgação)
A sede do GPA&A, na avenida Álvares Cabral: casarão tem 120 anos e pertenceu ao bisavô de Gustavo Penna, João Pereira da Silva Continentino (foto: Daniel Mansur/Divulgação)
Para Gustavo, a riqueza da arquitetura são os primeiros e segundos planos, os pés-direitos, a perspectiva, a luminosidade, as interpretações ópticas. "Gosto de dizer que a arquitetura não é nem de dentro nem de fora. Arquitetura é através. Você vai andando pela arquitetura e vai somando experiências espaciais. Assim, você consegue falar: ‘esse prédio é lindo ou esse banheiro não combina com essa casa’." Para ele, a arquitetura nasce das palavras. Antes de qualquer traço, vêm as palavras. "Se você fala leveza, as toneladas de matéria flutuam; se fala aconchego, ela curva em volta de você; se fala claridade, as janelas se abrem; ar, as coisas ficam amplas…" Ele gosta de dizer que não é um tecnicista, que na sua arquitetura, é a matéria que se submete à arte.

Seu escritório começou a ganhar maior visibilidade a partir da década de 1980, em especial quando venceu um concurso para a Sede da Casa do Jornalista de Belo Horizonte – apesar de o projeto nunca ter saído do papel. De lá para cá, foram diversos prêmios, como o World Architecture Festival de 2014, com o Monumento à Liberdade de Imprensa; o Architizer A+Awards de 2015, com as estações do Move; o Prix Versailles de 2018, com o Ateliê Wälls; e o IF Design de 2020, com o Memorial da Imigração Japonesa. O mais recente foi o Architizer A+Awards de 2022, com a sede da Carmo Coffees, à beira da Rodovia BR-381, na cidade de Três Corações. "O Gustavo é uma referência não só da arquitetura mineira como brasileira. É reconhecido nacional e internacionalmente", diz o arquiteto Bernardo Farkasvölgyi, que tem 17 anos a menos que Gustavo Penna e é autor, entre outros, do projeto da Arena MRV. "Seus trabalhos têm uma característica em comum: muita poesia." A arquiteta e urbanista Jô Vasconcellos conhece Gustavo Penna há cinco décadas, desde os tempos em que se encontravam nas salas e corredores da Escola de Arquitetura da UFMG. "Além de uma potência, ele é um amigo amoroso, engraçado, alegre e alto astral", diz. "Tem um traço bonito e elegante. Cada projeto seu é uma surpresa."

O pai de Gustavo, Roberto Penna, em frente ao Catetinho (apontando e com chapéu na mão): observado por Oscar Niemeyer (segunda da esq. para a dir.)(foto: Arquivo pessoal)
O pai de Gustavo, Roberto Penna, em frente ao Catetinho (apontando e com chapéu na mão): observado por Oscar Niemeyer (segunda da esq. para a dir.) (foto: Arquivo pessoal)
Alguns projetos nunca saem do papel. Outros demoram anos, talvez décadas para ganhar vida e muitas vezes precisam ser reformulados nesse meio tempo. Foi assim com o Quarteirão Xacriabá, no trecho fechado da rua Rio de Janeiro entre a rua dos Tamoios e a Praça Sete. O projeto é de 1990 e foi reformulado em 2001, dois anos antes da conclusão das obras. Entre as criações mais queridas de Gustavo que ainda não saíram do papel está o Varandão do Parque Municipal de Belo Horizonte. Bem no meio da área verde inaugurada em 1987, pouco mais de dois meses antes da fundação da capital mineira, ele foi concebido em 2006 com 3,2 mil metros quadrados de área, auditório, espaço administrativo e centro de memória. A expectativa é que as obras sejam retomadas em 2024. "Teremos um lugar para shows de música, orquestras, educação ambiental…", diz.

Gustavo e o desenho assinado pela turma do Clube da Esquina: Milton Nascimento autografou de ponta-cabeça e
Gustavo e o desenho assinado pela turma do Clube da Esquina: Milton Nascimento autografou de ponta-cabeça e "obra" ganhou significado especial (foto: Uarlen Valério)
Além das obras que o fazem conhecido, Gustavo já desenhou tapetes, cadeiras, marcas, capas de discos e exposições. "Gosto de encrencas", afirma. Quando fez o projeto arquitetônico da exposição dos 50 anos do Clube da Esquina, no ano passado, pediu um presente para os músicos: que todos autografassem um desenho seu. O primeiro tinha de ser o Milton Nascimento, que assinou de ponta-cabeça. O que foi um "acidente", acabou criando uma oportunidade. A partir daí, ele pediu para os outros músicos (Toninho Horta, Márcio Borges, Beto Guedes, Lô Borges, Tavinho Moura…) assinarem em volta da figura de um homem tocando violão, sem seguir uma direção certa. O acaso criou uma "obra de arte" e o desenho tem lugar de destaque em seu escritório.

Voltando à escada, metáfora da vida, em que parte dela Gustavo Penna está? Na que oferece mais desafios ou na que dá segurança? "Gosto de pensar que eu já estou na segunda metade", afirma. "Mas sei que às vezes me pego na primeira parte. Isso acontece quando começo um novo projeto, por exemplo." Mesmo com 50 anos de carreira, obras no Brasil e no exterior, reconhecimento de seus pares, fazer o primeiro risco no papel em branco ainda é desafiador.

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