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Estado de Minas DEZ PERGUNTAS

Entrevistamos a especialista em psicologia positiva, Alessandra Mattar

A palestrante mineira percorre o Brasil para destacar a importância do estudo das qualidades e virtudes humanas


postado em 18/04/2024 01:32 / atualizado em 18/04/2024 01:33

(foto: Leca Novo/Divulgação)
(foto: Leca Novo/Divulgação)
Ser uma pessoa feliz nunca foi tarefa fácil e a tal "modernidade líquida", que segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) é caracterizada pela transitoriedade e fluidez nas relações sociais, não tornou o processo mais fácil. A condição contemporânea da sociedade globalizada e a predominância do individualismo, descrita pelo sociólogo, resultou em um estilo de vida moldado por hábitos de consumo que se tornaram símbolos de identidade. E a pergunta que fica é: como encontrar a felicidade em um universo onde os indivíduos são definidos a partir dos produtos e informações que consomem? Nos extremos dessa dicotomia, estão a "cultura do pessimismo e a positividade tóxica" que confundem até os mais eminentes pensadores. "Otimismo é a mania de sustentar que tudo está bem quando tudo está mal", afirmava o filósofo francês Voltaire. Já o escritor e poeta irlandês Oscar Wilde defendia que "o pessimista é uma pessoa que, podendo escolher entre dois males, prefere ambos".

Apesar das controvérsias, um novo conceito surgiu para  destacar a importância do estudo das qualidades e virtudes humanas capazes de proporcionar uma vida mais feliz e plena. Em 1954, o termo "Psicologia Positiva" surgiu pela primeira vez no livro "Uma teoria para a motivação humana", no qual o psicólogo americano Abraham Maslow trazia um capítulo intitulado: "Em direção a uma psicologia mais positiva".  Décadas após, já em 1998, o psicólogo americano Martin Seligman, tido como o fundador da psicologia positiva, abordou o tema no  discurso de posse de seu primeiro mandato como presidente da Sociedade Americana de Psicologia. Desde então, a psicologia positiva passou a ser tratada como uma nova área da psicologia, trazendo uma visão mais ampla onde os potenciais,  motivações e capacidades humanas, devem ser enxergados e valorizados. "Ser positivo é muito diferente de estar sempre feliz. Trata-se de saber enxergar o lado bom das coisas, apesar das circunstâncias", diz Alessandra Valente Mattar, especialista com certificação nacional e internacional de psicologia positiva. Também influencer de moda e autora de um projeto em presídios da Grande BH, ela conversou com Encontro sobre como a disciplina pode ajudar no dia a dia.

1) O que é a psicologia positiva e quais os seus fundamentos?

Trata-se de um campo de estudo dentro da psicologia que foca nos elementos que podem trazer felicidade às pessoas, proporcionando maior satisfação e fornecendo motivação e energia para a conquista de objetivos. Ao contrário de priorizar a identificação de desvios ou patologias mentais, o segmento se volta para a manutenção e reforço do bem-estar do paciente. Isso não significa deixar as doenças de lado, mas, sim, concentrar-se em aspectos positivos da existência humana. Segundo esse movimento, o segredo para levar uma vida mais satisfatória é construir um modelo mental otimista. Contudo, para que isso ocorra, é preciso treinar o cérebro e deixar os padrões negativos de lado, exercitando mecanismos de gratidão e resiliência.

2) Como a psicologia positiva define a felicidade?

De acordo com Martin Seligman, especialista considerado pai da psicologia positiva, o bem-estar é subjetivo, considerando que os elementos que o compõem variam de pessoa para pessoa. De modo geral, pode ser definido pela ausência de depressão e presença de emoções positivas. Sendo assim, a felicidade é um estado de plenitude em que corpo e mente estão saudáveis, lembrando que para a Organização Mundial da Saúde (OMS), "saúde é o completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de enfermidade". Estar feliz dá trabalho, é preciso ter esforço e disciplina. A ciência mostra que as pessoas que são mais felizes possuem algumas características em comum, fortalecendo suas maiores forças nos momentos difíceis, a exemplo da espiritualidade. Para elas, aprender com as dificuldades diárias nos faz amadurecer e crescer.

O segredo para levar uma vida mais satisfatória é construir um modelo mental otimista. Contudo, para que isso ocorra, é preciso treinar o cérebro e deixar os padrões negativos de lado, exercitando mecanismos de gratidão e resiliência"

Alessandra Valente Mattar, especialista em psicologia positiva

3) Pensando em um modo para avaliar e medir a felicidade, Seligman elegeu cinco fatores principais. Quais são eles?

1 - Emoção positiva: manter estados emocionais e pensamentos positivos é fundamental para ser feliz; 2 - engajamento: um fator subjetivo, que depende de motivação interna e autorresponsabilidade. Trata-se do nível de envolvimento com as atividades, em especial com aquelas que fazem parte da rotina; 3 - sentido na vida: tudo aquilo que nos motiva nos dá a energia de que precisamos para buscar um bem-estar completo; 4 - realização positiva: consiste na eliminação de tarefas desnecessárias e gasto de energia com aquelas que realmente contribuem para os objetivos de cada um; e 5 - relacionamentos positivos: já se iniciam na escolha das pessoas que estarão por perto.

4) A psicologia positiva acontece a partir da construção e aperfeiçoamento de qualidades, focando em uma perspectiva positiva para manter a mente saudável. Como a técnica é aplicada?

Sua prática consiste no reconhecimento e exercício das emoções (que se concentra na vivência de sentimentos bons), nas características individuais (para reforçar ou desenvolver uma visão otimista, altruísta e resiliente), e no  pilar das instituições (para melhorar a qualidade de vida das pessoas, desde que escolham e mantenham atividades saudáveis e prazerosas em seu círculo de conhecidos).

5) Em sua trajetória profissional você também atua como influencer de moda de luxo, fato que revelou ter lhe permitido vivenciar várias realidades. Como a psicologia positiva pode ser aplicada nesse mercado onde o consumismo é tão estimulado?

Ao frequentar desfiles de moda e vivenciar esse universo, eu sempre enxerguei duas realidades muito diferentes. Por trás de todo aquele glamour, era perceptível que muitos dos que ali estavam não se sentiam felizes, ao mesmo tempo em que pessoas que não estavam presentes nos eventos desejavam imensamente estar naquele lugar. Essa busca frenética por uma felicidade que não é real ocorre todos os dias. Ao mesmo tempo em que pequenos e prazerosos fatos cotidianos como tomar um café quentinho ou um banho de sol,  acabam sendo completamente ignorados. Claro que não há problema algum em estar em um desfile de moda, mas vemos inúmeras adolescentes acreditando que a felicidade delas depende exclusivamente disso, e é aí que está o perigo.

6) Qual a principal diferença entre a psicologia positiva e a positividade tóxica?

Ser positivo é muito diferente de estar sempre feliz. Trata-se de saber enxergar o lado bom das coisas, apesar das circunstâncias. Partindo dessa premissa, a psicologia positiva emprega ferramentas como a autorresponsabilidade para mostrar que cada um tem o poder de mudar a sua realidade. Já a positividade tóxica é a ideia de que pensamento positivos devem estar acima de qualquer emoção negativa, quando o ideal é que a positividade seja moderada, nem inexistente e nem exacerbada. Os índices de suicidio, inclusive de crianças, têm aumentado bastante, e muitas vezes por indivíduos que buscam algo inatingível e, com isso, se sentem imensamente infelizes.  A verdade é que ninguém é feliz o tempo todo, isso  é uma psicologia tóxica.

7) Por investigar as bases para o contentamento, esse campo de estudo pode ser confundido com teorias de autoajuda, que não possuem embasamento científico. Qual a comprovação do contrário?

A psicologia positiva não deve ser entendida como uma nova roupagem para o pensamento positivo. É uma ciência baseada em evidências e parte de pesquisas e métodos científicos para evidenciar os aspectos positivos que provocam o bem-estar, e propor técnicas para que sejam utilizadas, resultando em uma vida mais saudável, feliz e realizada. Então, quando você adquire um bem, como um carro, por exemplo, obviamente terá um pico de felicidade, mas que logo cairá e levará ao desejo por outra coisa. Por outro lado, quando você se dispõe a ajudar o próximo, fazer o bem, esse pico maravilhoso de felicidade é mais perene. A neurociência mostra que é muito provável que nossos neurônios não morram com a facilidade que imaginávamos, o que significa que podemos trabalhar para que eles se fortaleçam e realizem novas sinapses. Outra descoberta importante é que o nosso cérebro é dotado de neuroplasticidade e possui uma capacidade enorme para se adaptar.

Para entender o que é a felicidade de fato, dediquei-me à formação em psicologia positiva e descobri que %u2018fazer o bem sem olhar a quem%u2019 é um dos melhores remédios para combater a tristeza e plantar o nascimento de gerações mais solidárias e conscientes"

Alessandra Valente Mattar, especialista em psicologia positiva

8) Como a psicologia positiva pode ser aplicada no mercado de trabalho?

Essa é uma das principais áreas de aplicação da disciplina, que prega a busca por uma vida prazerosa, engajada e significativa. A vivência prazerosa no trabalho, se traduz em um clima organizacional positivo, em que prevalecem sensações de bem-estar. Organizações que apostam nessa disciplina constroem um ambiente favorável à inovação, autodesenvolvimento e retenção de talentos. Ao deixar de lado regras rígidas e metas pouco factíveis, as empresas abrem espaço para que seus funcionários pensem "fora da caixa" e encontrem novas formas de solucionar problemas. O que gera mais satisfação e, obviamente, maior rendimento dos colaboradores. Muitos colégios infantis, inclusive, já utilizam a cultura da felicidade, assim como grandes empresas.

9) Você tem um projeto aprovado para aplicação da psicologia positiva em um presídio feminino localizado na região metropolitana de BH. Como a técnica pode auxiliar as detentas?

No estudo que realizamos, foi observado que além das presas também existe a necessidade de trabalhar com as funcionárias do presídio. As carcereiras são muito deprimidas e se tiverem esse lado emocional cuidado, poderão influenciar positivamente as próprias detentas. Estamos no processo de análise para definir qual a melhor forma de atuação para que o resultado seja, de fato, positivo. Imagine uma mulher encarcerada há anos, a maioria sem apoio do marido, namorado e, até mesmo, dos filhos. Além da sua história pessoal, marcada por tragédias, ela também lida com o abandono e a desvalorização social. O nosso objetivo é relembrá-la de suas forças e qualidades para provocar mudanças positivas que futuramente, quando cumprirem suas penas, poderão ser refletidas na sociedade.

10) Em quais áreas mais você atua?

Eu aplico a psicologia positiva em diálogos com executivos para alertá-los que não há produtividade sem felicidade, com isso tenho feito palestras em todo o Brasil. Atuo também em programas de resgate da auto-estima para mulheres, mães e pessoas das comunidades LGBTQIAP+ em situação prisional. Sou também co-fundadora do projeto "Marmitada", que oferece refeições de qualidade à população em situação de rua. Para entender o que é a felicidade de fato, dediquei-me à formação em psicologia positiva e descobri que "fazer o bem sem olhar a quem" é um dos melhores remédios para combater a tristeza e plantar o nascimento de gerações mais solidárias e conscientes.

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