Às vezes, eles só têm 30 segundos para cumprir a difícil missão de fazer alguém largar o celular para ler um livro. Também usam de uma narrativa atrativa, instigando quem acompanha os vídeos a conferir o desfecho de uma história no exemplar físico. Para completar, trabalham com uma linguagem jovial e didática, em que destacam a própria experiência da leitura de uma obra. Essas pessoas não poderiam ser outras a não ser os booktokers, influenciadores que usam de suas redes sociais, como Tiktok, Instagram e YouTube, para fazer indicações de livros.
O fenômeno tomou tal proporção que têm impactado diretamente no consumo por obras literárias, especialmente pela geração Z (nascidos entre 1995 e 2019). O levantamento Retratos da Leitura em Eventos do Livro e Literatura, do Instituto Pró-Livro, realizado durante a Bienal do Livro de São Paulo em 2022, no qual foram ouvidas 1 mil pessoas com idade superior a 10 anos, revelou que as redes sociais influenciaram 28% das pessoas no interesse em leitura de livros - esse dado foi de 3% na Bienal de 2019. Não é à toa que uma pesquisa rápida no TikTok pela hashtag "#booktokbrasil" aponta a publicação de 2,3 milhões de conteúdos desse tipo. Em um país no qual as pessoas leem uma média de apenas 2,5 livros por ano, segundo dados da última edição do Instituto Pró-Livro, existir um segmento na internet que incentiva a literatura é uma notícia animadora, conforme avalia a doutora em educação e especialista em neuroeducação Flávia Alcântara. "Durante muito tempo, perpetuou-se a ideia de que ler era algo para as elites, inacessível para a maioria das pessoas", afirma Flávia, professora do curso de Pedagogia da Estácio BH. "Mas as redes sociais, com a sua ampla divulgação, mostram que é possível fazer leitora parte dessa comunidade e encontrar prazer e satisfação na leitura."
Uma das influencers que têm contribuído na formação leitora de seus seguidores é a publicitária Maria Júlia Alves, de 29 anos. Com mais de 31 mil seguidores no perfil @majualves, no TikTok, ela compartilha rotineiramente suas indicações, baseadas em gostos pessoais e em "livros que estão gerando burburinho em outros países." "É muito gratificante ver gente falando que começou a ler por causa dos vídeos ou começou algum gênero diferente porque viu algumas recomendações de leitura", diz. Ela conta que decidiu seguir por este caminho a partir da sua própria formação. "Trabalhei na área de redes sociais durante muitos anos e sempre fui interessada no mercado editorial. O TCC do meu MBA foi focado em aplicação das redes sociais para divulgação de livro", afirma. "Quando o TikTok começou a aparecer muito, decidi começar a criar conteúdo desse tipo, para ver como poderia funcionar para o mercado editorial."
A influenciadora Amanda Menezes de Matos Augusto, de 25 anos, também indica livros em seu perfil (@mandymm) a partir da sua própria leitura. "Eu adoro recomendar obras que mexeram bastante comigo. Como em minhas redes eu compartilho mais do meu dia a dia com as leituras, minhas recomendações mais marcantes acabam sendo dos livros que tiram reações genuínas minhas em frente à câmera. Acho que dois bons exemplos disso seriam ‘Como Se Fôssemos Vilões’, da M. L. Rio, ou ‘Babel’, da R. F. Kuang", conta.
Mineira de Carangola, a estudante de Letras Anna Júlia Nascimento Souza, de 23 anos, que administra o perfil @entre4livros, revela que o hábito da leitura veio ainda na infância e se expandiu na adolescência. "Eu era muito sozinha na escola, e os livros eram os meus melhores amigos. Quando fiz 14 anos, ganhei um box de livros da Cassandra Clare, e ela acabou me abrindo muitas portas", rememora. Anna conta que sentia vontade de compartilhar suas experiências literárias, mas não tinha com quem pudesse dividir essas trocas. "Eu tinha apenas uma amiga que gostava de ler. Então, na pandemia, criei o canal despretensiosamente, mas ele acabou se tornando uma virada de chave na minha vida. Criei muitos laços por lá." Exemplares de fantasia estão entre as suas principais indicações. "A literatura me aproxima das pessoas. Um exemplo foi o livro ‘Flores para Algernon’, do Daniel Keys. Eu me identifiquei muito porque tenho um irmão autista com Síndrome de Down. Quando fiz a resenha, muitas pessoas se emocionaram e me mandaram mensagens", recorda.
Boa parte das indicações de leitura feitas pelos booktokers é voltada para escritores contemporâneos. Esse é o caso, por exemplo, da norte-americana Colleen Hoover, autora de "Assim que Acaba" (2016) e "Verity" (2018). A hashtag com o nome dela acumula mais de 52 mil publicações, e suas obras sempre figuram nas listas de livros mais vendidos não só do Brasil, como do mundo inteiro. Em suas pesquisas, a professora Flávia Alcântara tem notado que, de fato, boa parte das indicações é para novos autores. "Tenho observado que os vídeos são voltados especialmente para literatura norte-americana traduzida para o português. Ainda assim, é melhor ler um best-seller do que não ler nada", diz ela, ponderando que, "quando alguém começa a ler algo considerado mais simples, acaba desenvolvendo um traquejo para começar também a consumir os clássicos". A influenciadora Maria Júlia Alves tenta balancear tanto recomendações de obras clássicas como de contemporâneas na produção de seus conteúdos. "Esse equilíbrio acontece naturalmente porque tenho acesso a obras mais obscuras. Sempre acompanho lançamentos e visito livrarias. Se algum livro chama atenção, mesmo não sendo um best-seller, eu levo para casa e incluo na minha lista."
Na avaliação de Flávia Alcântara, o pouco interesse do brasileiro pelos livros está na falta de políticas públicas de fomento à leitura e pela educação formal, que "obriga os estudantes a ler." "Às vezes, a escola afasta uma pessoa de se tornar um leitor. Quando um estudante precisa ler algo apenas para fazer uma prova, ele chega à conclusão que não gosta e se acha incapaz de ler", afirma. Segundo ela, os booktokers cumprem um papel importante porque procuram contextualizar as obras. "É isso que falta nas escolas. Muitos professores apenas apresentam os livros aos alunos, mas os booktokers conseguem ampliar a obra de forma didática". A influenciadora Amanda Menezes concorda: "Fico feliz quando recebo mensagens de pessoas que gostaram do que eu indiquei. A reação geralmente é positiva por parte dos seguidores, já que quem me acompanha tem um gosto literário parecido com o meu. Essa é a parte mais legal porque eu também recebi ótimas recomendações de livros deles em troca".