
A divulgação dos números deste mercado foi um dos pontos altos da programação do evento, realizado em Belo Horizonte e na cidade de Montes Claros, no Norte de Minas. Os dados chamaram a atenção não apenas pelo volume (US$ 62,3 milhões em exportações mineiras para Portugal, contra US$ 61,1 milhões em importações), mas também pela capilaridade. Setenta e um municípios mineiros venderam para o país europeu em 2024. Cinco deles - Lagoa Santa, Patrocínio, Itajubá, Varginha e Alfenas - responderam por mais da metade do total exportado. Nas importações, Contagem, Uberlândia, Vespasiano, Belo Horizonte e Nova Lima lideraram, concentrando 70% do volume.
- QUEM É: Marcello Faria, 30 anos
- ORIGEM: Santo Antônio do Monte (MG)
- FORMAÇÃO: Graduado em Relações Internacionais e pós em Estudos Diplomáticos e em Direito Internacional
- CARREIRA: CEO da Legatio International Business Consulting, Secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico do Município de Santo Antônio do Monte e professor no curso de pós-graduação em Direito Aduaneiro da PUC
“A principal característica do comércio entre Minas e Portugal é sua estabilidade e durabilidade”, avalia o gestor ao analisar os dados, que foram levantados por meio de uma parceria com a Câmara Portuguesa de Comércio no Brasil - Minas Gerais. Em entrevista à Encontro, Faria destaca que, entre 2020 e 2024, o fluxo comercial entre os dois territórios manteve um padrão contínuo e sólido, sem grandes oscilações de queda ou de expansão. “Isso demonstra uma notável sustentação”, avalia. “E se deve, em grande medida, à consolidação de produtos muito tradicionais, como o azeite e o vinho portugueses, e o café mineiro”, situa. Confira abaixo os melhores trechos da conversa.
Qual a conclusão do estudo sobre o comércio bilateral entre Minas e Portugal realizado pela Legatio International Business Consulting em parceria com a Câmara Portuguesa de Minas Gerais?
O comércio bilateral entre Minas Gerais e Portugal tem como principal característica sua estabilidade e durabilidade; o fluxo de negócios entre as partes mantém um padrão contínuo e sólido, sem grandes oscilações de queda e nem de expansão, demonstrando uma notável sustentação. É importante destacar que a solidez destas trocas comerciais está amparada na consolidação de fornecimento e abastecimento de produtos muito tradicionais da pauta exportadora de ambas as partes. No lado português, temos um histórico muito relevante de fornecimento de azeite de oliva para Minas, sendo responsável por aproximadamente 83% de toda a importação mineira deste produto. Outro item que se destaca historicamente nas compras mineiras é o vinho – Portugal é o 3º maior fornecedor deste produto ao Estado, participando com 17% das compras internacionais. E, por fim, temos as importações de peixe congelado, no qual o país europeu é o principal fornecedor, participando com 61,3% do total importado aqui. Nestes produtos, Portugal é um campeão, apresentando grande competitividade e longevidade de fornecimento.
E do lado mineiro? Quais são nossas principais ofertas?
O produto mais tradicional de nosso fornecimento para Portugal é o café, com um histórico de séculos de entrega contínua, um item muito consolidado nas nossas trocas comerciais e no qual Minas Gerais tem imbatível competitividade nas compras internacionais portuguesas. Todavia, observamos que, de um modo gradativo, estão ganhando força nas exportações mineiras para Portugal produtos muito interessantes e de maior valor agregado, como cosméticos (especialmente preparações capilares), autopeças e também artigos vinculados à construção civil, como pedras ornamentais para construção, cerâmicas, dentre outros. Isso indica que o mercado luso tem sido percebido de modo crescente pelas empresas mineiras como uma grande oportunidade para a internacionalização de seus produtos.
O café continua sendo o carro-chefe das exportações. Há motivo de preocupação com essa concentração?
O café é, historicamente, o principal produto de destaque das exportações mineiras para Portugal; a nossa média anual de fornecimento para este mercado fica sempre entre US$ 15 e US$ 20 milhões e isto é muito interessante, dadas as dimensões mais modestas de consumo desta iguaria pelos portugueses. Inclusive, desde 2022, temos observado um fortalecimento em termos de valor. Em 2024, por exemplo, as vendas chegaram a US$ 29,1 milhões, e este foi o melhor resultado desde 2011. De modo algum existe algum aspecto negativo nesta concentração, isso só evidencia a nossa grande competitividade cafeeira junto ao mercado português e a solidez do nosso fornecimento.
Nosso produto é realmente reconhecido lá fora?
Acredito que podemos trabalhar melhor a agregação de valor do produto e o enaltecimento da origem dos cafés, evidenciando que são produtos brasileiros de alta qualidade. Nós somos excelentes produtores e comerciantes, mas precisamos aprimorar a nossa comunicação que valoriza o item, porque, na maior parte das vezes, os nossos cafés passam despercebidos para o consumidor final, uma vez que são absorvidos pelas marcas locais que torram e o comercializam sem valorizar a origem. Existe, sim, uma alta tributação na União Europeia para a importação de cafés já torrados. Todavia, podemos trabalhar nichos de mercado que estejam dispostos a pagar mais pelo nosso produto, principalmente os especiais. Por exemplo: hotéis e restaurantes de alto padrão voltados, principalmente, ao segmento turístico (que é fortíssimo em Portugal), redes de supermercados de produtos importados ou de alto padrão, assim como a internacionalização de nossas empresas de torrefação, que ofereceriam o produto torrado in loco, mas com a “cara do Brasil e de Minas Gerais”. Portanto, existem, sim, abordagens estratégicas nas quais podemos valorizar ainda mais a tradicionalidade da presença do café na nossa pauta exportadora.
A pesquisa destaca oportunidades nos setores aeroespacial e agritech. O mercado está preparado para isso?
As trocas comerciais referentes ao setor aéreo são relevantes, porque abrangem desde combustível de aviação até peças e partes de aeronaves. Todavia, esta dinâmica está muito vinculada à presença das companhias aéreas portuguesas já instaladas no território do Estado. Então, o que vemos majoritariamente é a movimentação rotineira desta capacidade instalada, o que também é excelente. Em termos de expansão de negócios neste setor, enxergo dois caminhos muito interessantes. O primeiro refere-se ao potencial de negócios para empresas portuguesas de cargas aéreas que queiram operar aqui. Minas Gerais tem necessidade de voos de carga para o comércio internacional, e isto abriria grandes possibilidades para diversos setores nos quais o Estado tem produções de muita qualidade e capacidade. Cito como exemplo: frutas, medicamentos, equipamentos médicos, produtos têxteis, calçados, jóias e pedras preciosas, dentre outros. Sendo Portugal, naturalmente, uma porta de entrada para a União Europeia, voos de carga que conectassem melhor a oferta mineira com a demanda portuguesa e europeia teriam, ao meu ver, uma importante margem de sucesso de negócios.
Ainda no segmento aéreo, enxergo que poderiam haver oportunidades de negócios no âmbito do setor de defesa. Minas Gerais tem um importante conjunto de empresas neste segmento, especialmente na região Sul do Estado, e como temos observado um crescente investimento português e europeu neste segmento, acredito que empresas e investidores portugueses encontrariam oportunidades interessantes em Minas Gerais.
No agro, há como fazer bons negócios em relação aos vinhos e azeites produzidos aqui?
Em relação ao agritech, gostaria de chamar a atenção para a pauta de atração de investimentos portugueses para território mineiro. Ainda nas últimas perguntas, comentamos sobre o azeite e o vinho, itens em que a primazia portuguesa é inquestionável. Todavia, Portugal tem uma limitação natural de capacidade produtiva, pensando, inclusive, nas dimensões territoriais que tem disponível. Minas Gerais vem investindo nos últimos anos na estruturação de cadeias produtivas em ambos os segmentos agrícolas, e o temos feito com as melhores técnicas produtivas, com agregação tecnológica e com investimentos, inclusive, governamentais. Portanto, temos plena capacidade de absorver investimentos portugueses nestes segmentos, desde que empresas portuguesas estejam dispostas a incrementar sua produção fora de seu território. E podemos encontrar outras oportunidades semelhantes em outros setores também. Acredito que há bons negócios neste segmento para empresas portuguesas.
As políticas públicas podem contribuir para fortalecer esse comércio bilateral?
Em absoluto! As trocas comerciais são uma manifestação majoritariamente sob a tutela da iniciativa privada. Todavia, o ambiente que as fortalece e promove é estruturado por meio de políticas públicas em diversos âmbitos, como questões tarifárias, desburocratização de processos aduaneiros e fiscalizatórios, investimentos em infraestruturas de apoio, leis de incentivo, programas de apoio ao comércio exterior, conscientização quanto ao uso de regimes aduaneiros especiais, dentre outros. Da mesma forma, os governos federal e estadual possuem uma capacidade extraordinária de emprestar sua institucionalidade para processos de abertura de mercado, promovendo produtos e serviços brasileiros e mineiros no exterior, e facilitando o matchmaking entre empresas mineiras e estrangeiras. Certamente, as trocas comerciais com Portugal podem ser muito bem impulsionadas e promovidas com medidas como estas.